Leonardo Coutinho
Jornalista, autor do livro “Hugo Chávez, o espectro” e pesquisador associado ao Center for a Secure Free Society, em Washington, D.C
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) divulgou a mais recente taxa de desmatamento da Amazônia: 9.762 quilômetros quadrados. Se formasse uma clareira contínua, seria uma mancha de destruição maior que a área ocupada pelos 39 municípios da Região Metropolitana de São Paulo. Apesar de ela ainda estar entre as mais baixas da história, deve ser encarada como um alerta, pois indica uma tendência de crescimento iniciada no segundo semestre de 2017.
Quando o INPE divulgou a taxa de 2018, os dados mostravam um crescimento que os números recentes mostram que não foi contido. Do total desmatado naquele ano, 95% era resultado de atividades ilegais. Cortes rasos geralmente realizados em unidades de conservação, em áreas griladas ou em terras públicas. Crimes cujas cicatrizes são vistas pelos satélites, mas os responsáveis quase nunca são alcançados.
Os outros 5% representam o que os governo autorizou a desmatar. Para que fique claro, “autorizar” não significa um gesto de mais pura maldade para com a floresta. Desmatar custa dinheiro e tem uma lógica econômica por trás. Para quem se aventura investir a trabalhar legalmente na Amazônia, a regra é a seguinte: para cada 100 hectares de propriedade, só é permitida a exploração integral de apenas 20.
Mesmo para desmatar dentro da cota prevista pela legislação, o chamado Código Florestal, os proprietários precisam de autorização. De forma grosseira seria como se 80% de seu salário fosse confiscado todos os meses e destinado a algo que prometem ser de benefício global, mas que você jamais viu o resultado.
Pode parecer mitológico como o anhangá, mas na Amazônia existem produtores que, apesar da restrição que os obriga a usar apenas 20% de suas propriedades, trabalham e produzem em áreas ainda menores, por considerar a floresta em pé um patrimônio. Mas ao invés de serem premiados por fazer mais do que diz a lei, eles são jogados na vala-comum dos predadores da natureza.
Eis a razão por que tendo a crer que existe uma categoria de ONGs que tem a sua parcela de responsabilidade pelo desmatamento da Amazônia, assim como os grileiros mal-encarados que barbarizam na floresta tropical. Não estou aqui repetindo a bobagem de que as organizações ambientalistas tocam fogo na mata para culpar o governo ou coisas do gênero. Estou falando de algo muito mais devastador. Sob a bandeira de proteção, várias delas pregam um tipo de ambientalismo que pune quem cumpre a lei e facilita a vida dos bandidos. E com isso ajudam a jogar muitas árvores no chão.
Os dados do Inpe servem como lenha seca para reacender as campanhas de ongueiros e especialistas que brotaram das cinzas das queimadas de julho e agosto para defender (e festejar quando ocorrem) os boicotes aos produtos amazônicos.
A tropa de curupiras, com a ideia fixa de sanções, aposta que ao fechar os mercados obrigará os produtores a atuarem dentro das regras. Ou até mesmo abandonarem os seus negócios. Uma estratégia que pouco mudou desde quando Chico Mendes ainda caminhava sobre a terra. Nas três décadas que se passaram desde a sua morte, desmatou-se mais que nos quatro séculos anteriores. Mas para quê fazer uma autocrítica?
O indício de que muitas organizações ambientalistas não acreditam no desenvolvimento sustentável está no discurso do “desmatamento zero”. Quem prega o congelamento da Amazônia está nesta categoria. Ou pelo menos vivem na ilusão de que a coleta de produtos da floresta bastaria para garantir a subsistência de quem vive na floresta. Os defensores dessa bandeira, por sinal, mandaram um recado negativo para o setor produtivo que nos últimos anos fez um esforço – comprovado nos dados do Inpe – para conter o avanço sobre floresta, mesmo tendo o direito legal de desmatar.
Lá, na mal-afamada fronteira agrícola brasileira, os produtores que acreditaram que é possível reduzir a pressão sobre a floresta (o que é real), se viram traídos. Aumentaram seus custos, abdicaram de seus direitos de ampliação de áreas produtivas sem nenhuma compensação. E ao final ainda se viram criminalizados e sob o risco de verem seus negócios imobilizados pelo “desmatamento zero”.
Em Washington, o lobby das organizações ambientalistas trabalha rápido. Recentemente conseguiu uma audiência pública para discutir a saúde da floresta e convenceu congressistas a redigir uma carta se queixando do Brasil e pedindo ao governo americano a suspensão das negociações de acordos comerciais entre os dois países. Algo tão fora do lugar que seria como se parlamentares brasileiros se reunissem em uma audiência pública para tratar os incêndios florestais que todos os anos assolam a Califórnia e pedir ao Planalto retaliações por isso.
A Amazônia precisa de governança. E ao contrário do que pode parecer, essa não é uma tarefa exclusiva do Estado, que apenas é o catalisador. A exploração civilizada da Amazônia se dará por meio da substituição do extrativismo predatório pela agroindústria limpa e responsável. Algo que causa calafrios em muitos ambientalistas. A Amazônia precisa de mais. De muito mais CNPJs. De ações na bolsa de valores. De emprego e renda.
Por fim, esclareço. Embora que por vias totalmente diferentes sejam capazes de produzir danos semelhantes, ongueiros e grileiros não podem ser comparados. São seres totalmente distintos. Os segundos são criminosos. Tem que ser presos, punidos. Os primeiros, são como pais superprotetores. Verdadeiramente creem que estão fazendo o bem, mas ao fim estão condenando seu protegido à eterna dependência. Para esses, basta o divã.