Alfredo Valladão
A Aliança Atlântica (OTAN), quando acabou a Guerra Fria, perdeu o seu inimigo soviético. Ficou praticamente às moscas, procurando uma razão de ser durante mais de vinte anos. E nem a “guerra ao terrorismo” foi suficiente para ressuscitá-la. Até a Rússia, bastante escangalhada com a perda de seu império, tinha se transformado em parceiro com o acordo OTAN-Rússia de 1997. Só que, de repente, a Guerra Fria está novamente dando um ar de sua graça.
E num momento delicadíssimo para a Europa, ameaçada pela crise econômica, os extremistas nacionalistas, o perigo da fragmentação (começando pelo Brexit inglês), os atentados terroristas e a chegada de milhões de refugiados. O grande despertador foi a agressão russa à soberania da Ucrânia e, pior ainda, a anexação pura e simples da Crimeia, a primeira conquista territorial na Europa desde 1945.
Desde então, o presidente russo, Vladimir Putin, vem multiplicando as manobras hostis. O orçamento militar da Rússia e a modernização de suas Forças Armadas estão aumentando a galope. O Kremlin reativou várias bases militares no exterior, repetiu exercícios fronteiriços envolvendo até 80.000 homens – inclusive simulando invasões dos Estados vizinhos e até ataques atômicos. Sem falar nas provocações aéreas e marítimas no Báltico e no Mar Negro.
Moscou vem proclamando que seria bom restabelecer as regras da Guerra Fria quando todo mundo sabia perfeitamente quais as linhas vermelhas que não podiam ser transgredidas e quando cada superpotência tinha a sua própria zona de influência aonde a outra não punha o nariz. Não é por nada que os países da Europa Central estão ficando nervosos e insistindo para que a Aliança Atlântica volte a funcionar plenamente para defendê-los em caso de agressão russa. Ninguém está a fim de viver novas tensões com Moscou, mas também não dá mais para enfiar a cabeça na areia.
A recente Cúpula da OTAN em Varsóvia tentou resolver este dilema em que a Rússia não é mais um parceiro fiável, mas também não pode ser considerada um inimigo “oficial”. Foram anunciadas algumas medidas para acalmar os países mais expostos às pressões russas no Báltico e na Europa do Leste: instalação, de maneira rotativa, de quatro batalhões multinacionais de 1.000 homens nesses países, e a ativação da nova força de reação rápida de 40.000 soldados – além da construção de um escudo anti-mísseis e a criação de uma divisão específica de inteligência e segurança conjunta.
Guerra fria ou quente
Essa modesta instalação de tropas deve servir, em caso de agressão, como “detonador” para uma reação massiva da OTAN. Seria portanto uma pequena força de dissuasão contra a tentação russa de repetir invasões irregulares como no Leste da Ucrânia ou na Geórgia.
A verdade é que a política de Putin já criou um clima muito semelhante à Guerra Fria. E como antes, essa ameaça também está dividindo a Europa, sobretudo agora com a saída da Grã-Bretanha da União Europeia que perde assim a sua maior e mais determinada potência militar. A Alemanha, a França e a Itália querem tentar salvar as aparências de bom entendimento com Moscou, enquanto a Europa do Leste brada pelo guarda-chuva de defesa da OTAN e uma atitude mais firme frente a Putin.
A própria administração Obama está numa saia justa: em vez de um “pivô” para Ásia, como tinha anunciado, vai ter que efetuar um novo “pivô” para a Europa. Para acalmar a Europa ocidental e pedir que ela também compartilhe o peso desse pivô, Obama aceitou que a OTAN criasse uma operação de monitoramento marítimo no Mediterrâneo para ajudar os europeus a lutar contra o tráfico de imigrantes. Queira ou não, a Aliança Atlântica vai ter que enfrentar de novo o velho pesadelo que justificou a sua criação em 1949: a ameaça de guerra – fria ou quente – no Velho Continente.
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