Há três anos e oito meses, a mais rica nação da Península Árabe devasta a mais pobre da região. A intervenção da Arábia Saudita e da coalizão forjada por Riad na luta interna pelo poder no Iêmen não colocou o país nem um pouco mais perto de uma solução pacífica.
Mas precipitou a maior catástrofe humanitária do mundo. Caso sejam necessárias cifras: desde a entrada da coalizão saudita nessa guerra, em 2015, morreram 85 mil crianças de subnutrição, segundo dados da ONG Save the Children; quase 60 mil pessoas foram vítimas diretas das armas de fogo.
Paradoxalmente, foi necessário o atroz assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, no consulado saudita em Istambul, para que finalmente se tematizasse o sofrimento de milhões e as dezenas de milhares de mortes no Iêmen.
E a participação do Ocidente, que, com bilionários fornecimentos de armas, mantém em funcionamento a máquina de guerra saudita. Também a Alemanha participou disso – e lucrou – por longo tempo. Embora os políticos do país gostem de se gabar dos supostamente ultrarrigorosos controles de exportações de armamentos; embora supostamente não se venda para regiões de tensão; embora até mesmo do contrato de coalizão governamental exclua a venda de equipamento bélico a Estados diretamente envolvidos na guerra do Iêmen.
Foi só sob o efeito do assassinato de Khashoggi que Berlim se manifestou por uma suspensão – temporária – dos negócios armamentistas alemães com a Arábia Saudita. No entanto, já é objeto de apostas em que momento vai expirar a data de validade da vergonha, e as equipagens alemãs voltarão a aportar no reino dos xeiques do petróleo.
E empresas alemãs – como, por exemplo, a maior fabricante de armamentos do país, a Rheinmetall – seguem aproveitando as lacunas das leis sobre comércio externo e armas de guerra. Através de subsidiárias, elas continuam fornecendo armas e munição a Riad, ajudando, assim, a manter a guerra em movimento.
O escândalo não é apenas que, por exemplo, a Rheinmetall participe da matança no Iêmen, em nome dos lucros de seus acionistas, mas também o fato de, até o momento, não se perceber nenhum esforço para fechar as lacunas da legislação.
Parte da verdade é também que as exportações da Alemanha são muito mais importantes para a Arábia Saudita do que sugerem as cifras – moderadas, em comparação, com as dos Estados Unidos ou do Reino Unido. Pois grandes equipamentos como aviões de combate costumam ser fabricados em cooperação europeia.
E quando a Inglaterra abastece a Força Aérea saudita com dúzias de Eurofighters, estão incluídos nesse negócio cerca de 30% de exportações alemãs – por exemplo na forma de canhões de bordo. Tais vendas não necessitam de licença, e sequer aparecem no relatório de exportações de armamentos como transações com Riad.
É hora de se livrar de algumas mentiras bem intencionadas. As leis alemãs de exportação de armas são rigorosas, porém só são impostas e aplicadas quando parece politicamente oportuno. As declarações de destino final, com que os compradores se comprometem a não passar os equipamentos para terceiros, muitas vezes não valem o papel em que são impressas.
No fim de novembro mesmo, uma pesquisa da DW mostrou que, com tais declarações de destino, armas vendidas à Arábia Saudita ou lá fabricadas sob licença foram entregues por Riad a diversas milícias jihadistas no Iêmen.
E quando se afirma que as exportações para os sauditas são justificadas para fortalecer uma estrategicamente importante "âncora de estabilidade na região", aí chegou mesmo a hora de duvidar. A destruição do Iêmen, o bloqueio ao Catar em 2017, o sequestro do primeiro-ministro libanês Saad Hariri, as décadas de disseminação incessante do retrógrado wahabismo mostram: a Arábia Saudita pode ser incomensuravelmente rica e capaz de comprar grande influência, mas está longe de ser uma "âncora de estabilidade".
E negócios armamentistas com esse "parceiro" são indefensáveis, e devem ser proibidos, consequentemente, em toda a União Europeia.