A LIÇÃO QUE VEM DO SUL – PARA A COPA DE 2014
Vianney Jr
Enviado Especial à Suécia
Durante o Aerospace Forum Sweden tivemos a satisfação de encontrar o Lt. Col. Johannes Joubert em três cenários distintos. O primeiro, no ambiente em que ambos nos sentimos mais confortáveis, em voo, quando demonstrou com grande perícia as qualidades do JAS 39C Gripen, pertencente ao mais recente lote entregue à SAAF – Força Aérea da África do Sul. O segundo se deu na área de convivência dos oficiais da Flygvapnet – Força Aérea da Suécia, nossos anfitriões, numa conversa descontraída onde quis saber das experiências e aprendizados decorrentes do emprego do Gripen durante a Copa do Mundo de 2010 em seu País. Com a palavra o Lt.Col. Joubert:
Fazendo Muito Com Muito Pouco
“Como ouvimos a pouco durante as conferências, os líderes das Forças Aéreas de diferentes países afirmam lidar com um desafio em comum, cumprir missões cada vez mais complexas com menos e menos aviões. Os cortes parecem ser ordem do dia em praticamente todo esquadrão operacional no mundo inteiro. Os avanços tecnológicos incorporados nos novos caças de certa forma ajudam a suportar esta demanda, e a flexibilidade para desempenhar múltiplas funções a partir de um mesmo vetor é chave fundamental para se cumprir diferentes tipos de missões em um curto espaço de tempo. Na África do Sul não foi diferente, e a alta disponibilidade e velocidade de prontidão de nossas aeronaves foram fatores determinantes para o sucesso da missão a nós atribuída.”
Em Muitos Lugares Ao Mesmo Tempo
“Você sabe que por acordos internacionais, tínhamos que proteger o espaço aéreo em todas as sedes de competição, que durante a Copa de 2010 se estendiam aos quatro cantos de nosso grande País. Durante todo o tempo de jogo, antes, durante e depois, tínhamos que estar vigiando o espaço aéreo sobre as competições que ocorriam muitas vezes simultaneamente nas cidades de Bloemfontein, Cidade do Cabo, Durban, Nelspruit, Polokwane, Porto Elizabeth, Pretória, Rustemburgo e Joanesburgo, e o fazíamos decolando de apenas duas bases uma no Cabo e outra em Pretória. E posso dizer que o fizemos muito bem, explorando ao máximo as capacidades do Gripen, tanto no aspecto de autonomia, que nos permitia estar no ar durante todo este tempo e principalmente a colaboração entre as aeronaves empregadas utilizando a troca de informações via link, o que multiplicava nosso ‘olhar’ e área de cobertura. Para confirmar o que estou dizendo, você pode perguntar a qualquer pessoa que esteve lá. Sempre se via sobre os estádios os nossos Gripens observando tudo. Pena, que não dava para assistir aos jogos. Tínhamos que manter o foco na vigilância do espaço!”
HMI – Human Machine Interface
“Grande parte do sucesso de se conseguir cobrir tamanho espaço aéreo e por tanto tempo em voo, se deveu à facilidade que o Gripen nos propiciava em conduzir uma pilotagem simples e ao mesmo tempo gerenciar os sistemas de vigilância, comunicações e transferência de dados, imagens e informações radar de uma maneira muito prática, rápida e eficiente. Você sabe, você precisa de ‘olhos’ para ter uma boa visão do que está ao redor, se você tem mais ‘olhos’ você consegue enxergar uma figura maior e com isso mais capacidade de êxito em sua missão. O uso do link, um dos pontos altos do Gripen, fornecia a cada piloto uma ‘figura completa’ de todo o espaço aéreo que cada elemento estava designado a cobrir. Eu podia ver o que outra aeronave estava vendo mesmo ela estando a mais de 30km de mim. Ou seja, nós multiplicávamos o alcance de nossos radares, sensores e sistemas entre si, e em múltiplas direções. Isto realmente foi fundamental.”
Por fim, comentei com Johannes que mesmo caças similares podem ter diferentes pontos de vantagens sob os quais nós preferimos nos apoiar, evitando entrar em áreas cuja vantagem passe para o lado adversário, neste sentido perguntei a ele em que arenas, quer BVR ou WVR – fora e dentro do alcance visual, respectivamente – o Gripen o fazia sentir-se mais confiante, ao que ele respondeu:
“O conjunto radar, link e armamentos associado à alta manobrabilidade do Gripen me deixa confortável em qualquer das situações. Se estou à distância ele me dá uma consciência situacional muito grande, eu sempre tenho uma boa ‘figura’ de tudo que está posto no cenário operacional. Mas, se preciso me aproximar, e às vezes as pessoas perguntam, porque se aproximar se posso combater de longe? É muito comum pelas regras de engajamento, e aí eu volto à Copa do Mundo, a necessidade de confirmação visual do alvo, sendo que por diversas vezes nós tivemos que interceptar aeronaves de pequeno porte que nos obrigavam a voar a pouco mais que 100 nós, e ainda assim o Gripen era extremamente seguro e manobrável.”
Eu interrompi e provoquei. And when you come into a dogfight furball… E ele completou:
“Isso. Você voou o Gripen e sabe do que estou falando, ele é pequeno e ágil, faz curvas realmente rápidas, portanto é bem perigoso para os adversários quererem ‘conversar’ com ele de perto. Além disso e voltando um pouco ao BVR ele é um caça extremamente fácil e amigável de se pilotar, deixando-o livre para operar os sistemas, radar, link que igualmente tem um manuseio bem racionalizado deixando o piloto mais focado no objetivo final da missão.”
Sem querer me despedir, mesmo sabendo que ele ainda tinha outra apresentação, questiono sobre um dos pontos altos do caça da SAAB, que é a capacidade de integração e uso de armamentos de diferentes origens (tanto franceses como americanos, por exemplo, e os desenvolvidos atualmente pela África do Sul em colaboração com o Brasil, como o A-Darter):
“Quando decidimos comprar o Gripen não pensávamos inicialmente em adquirir muitos mísseis e bombas de fabricantes internacionais, uma vez que tínhamos uma indústria bélica querendo cada vez mais se qualificar e potencializar. Fabricávamos bombas de queda livre. Trabalha-se para um futuro próximo termos a produção de bombas guiadas de precisão e neste momento desenvolvemos em colaboração com o Brasil o A-Darter, o que nos dá uma grande satisfação ver um míssil de grande capacidade desenvolvido por nós mesmos para ser usado em nosso vetor de combate.”
Como falei no início deste texto, houve um terceiro cenário de encontro. Um fast-food no centro de Linköping. Vítimas de um mesmo restaurante de hotel fechado numa noite de domingo, tivemos a idéia comum de buscar uma alternativa de cozinha mais ‘internacional’, eu diria, e por coincidência demos de cara um com o outro em um bom e velho, Burger King. Conversas de piloto pra variar, mas acho que essas não iriam interessar ao nosso estimado leitor.