Notas DefesaNet
O Dr Cláudio Fonteles procura maximizar o seu mandato à frente da CV. Dois pontos devem ser analisados:
1- A obtenção dos documentos referentes ao caso Rubem Paiva, após o assassinato ou assalto ao Cel Ref Molinas Dias, em Porto Alegre;
2 – O contrabando de ossadas para as áreas de buscas da guerrilha do Araguaia. Neste caso há a suspeita direta de envolvimento do Dr Fonteles.
O Editor
Vannildo Mendes
Brasília
Depois de 42 anos, os assassinos do ex-deputado Rubens Paiva terão seus nomes revelados e serão convocados para depor diante da Comissão Nacional da Verdade. Quem garante isso é o coordenador da comissão, Cláudio Fonteles, que está concluindo os aspectos formais da identificação dos autores da tortura e morte do ex-parlamentar – segundo ele, três militares do Exército, um dos quais já morto. De acordo com Fonteles, todos os convocados estão obrigados a comparecer, “sejam militares ou civis, da ativa ou da reserva”, sob pena de cometer crime de desobediência.
“A lei (que criou a comissão) usa o verbo "convocar", que não se confunde com "convidar"", observou. Em entrevista ao Estado, ele avalia que a elucidação do caso vai instalar no País, em vez de uma espécie de caça às bruxas, um tempo de reconciliação nacional. Para Fonteles, o corporativismo das Forças Armadas não é mais empecilho ao avanço das investigações da comissão. "Existem ainda resistências, mas o gelo quebrou e outras colaborações virão", disse.
Ele quer que a sociedade se alie à Comissão Nacional da Verdade na formação de “uma rede permanente de defesa da democracia, para que nunca mais se esqueçam no País os horrores de uma ditadura".
Rubens Paiva foi preso em casa, no dia 20 de janeiro de 1971, na presença da família, levado por soldados da Aeronáutica – e nunca mais voltou. A equipe, descrita em informe do comandante do 1° Exército, general Sylvio Frota (já falecido), era integrada pelo capitão Raimundo Ronaldo Campos e por dois sargentos, os irmãos Jurandir e Jacy Ochsendorf e Souza, vinculados ao Pelotão de Investigações Criminais (PIC). A comissão está levantando quais dos três estão vivos para tomar seus depoimentos no final de março ou início de abril.
– Quem são os assassinos do deputado Rubens Paiva?
Na minha perspectiva, estamos caminhando para pontuar os autores imediatos, aqueles que bateram e, por terem batido, causaram a morte. É a tortura seguida de morte, como se diz no direito penal. Eu quero crer que são três pessoas. Elas integravam uma das equipes (da repressão) que se encarregavam desses atos. Por trás deles há uma cadeia de comando, integrada pelos autores mediatos. Quanto à autoria imediata, há nomes e esse é o detalhe final a ser revelado em breve. Certamente eles serão convocados a depor e aí a gente dá o fecho completo. Com a prova documental inequívoca, ficou demonstrado que Rubens Paiva foi morto mediante tortura nas dependências do DOI-Codi do Rio Janeiro, mais exatamente no PIC (Pelotão de Investigações Criminais), unidade subordinada ao Batalhão de Polícia do Exército.
– O que a comissão esclareceu em relação à autoria e circunstâncias do crime e quais os próximos passos?
Com base em documentação secreta produzida pelo próprio Estado ditatorial militar, nós demonstramos a farsa que a ditadura quis nos fazer crer, de que ele tinha fugido e estaria foragido até hoje. Documentos secretos demonstram que, primeiramente, Rubens Paiva foi preso pelo Cisa (Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica). Depois foi entregue pelo Cisa ao DOI-Codi do 1° Exército no Rio de Janeiro e ali, num espaço de pouquíssimos dias – 48 horas, talvez – foi torturado e morto.
– Como essas equipes se estruturavam na ditadura?
O sistema criava equipes, normalmente de três pessoas, e elas praticavam os atos. Foi assim com Manoel Fiel Filho (metalúrgico alagoano, encontrado morto no DOI-Codi de São Paulo em 17 de janeiro de 1976) e com todos (os mortos sob tortura). Claro que podiam aparecer mais um ou outro. Mas, como forma costumeira, eram três pessoas, que se revezavam com outras equipes. No caso Rubens Paiva, os três autores imediatos serão convocados para depor. É o próximo passo. A primeira coisa é saber se estão vivos ou mortos. Pretendo realizar as coletas finais em março e no mais tardar, em abril, a sociedade saberá o nome dos autores da morte de Rubens Paiva.
– Mas eles são obrigados a depor?
Por um estudo que fizemos, aprovado por unanimidade no colegiado, eles são obrigados a comparecer à comissão. A lei usa o verbo "convocar", que não se confunde com "convidar". Convocar tem carga de obrigatoriedade. Convidar, não. A comissão não tem poderes judiciais e persecutórios, para usar a terminologia da lei. Agora, nós temos o poder de convocar. Estudo que apresentei, aprovado por unanimidade no colegiado, diz que a pessoa convocada tem que vir, seja militar ou civil, da ativa ou da reserva, sob pena de cometer o crime de desobediência.
– A Constituição assegura ao cidadão o direito de não produzir prova contra si.
Não é o caso de invocar esse direito. Ante a Comissão da Verdade não há investigados ou indiciados, acusados ou denunciados, não há réus. Por quê? Porque não temos funções judiciais nem persecutórias. Essa pessoa, portanto, não pode invocar o direito de ficar calada. A lei fala que, quem vai conversar conosco, vai testemunhar. Esse direito constitucional (ao silêncio) é assegurado para quem aparece na condição de investigado, acusado ou réu, em CPIs, em processos administrativos e no próprio Poder Judiciário.
– Mas se contarem a verdade, eles poderiam se incriminar e talvez até irem a julgamento?
Não vejo essa possibilidade. No quadro assentado hoje pelo Supremo, essas pessoas estão anistiadas. Se estão anistiadas, qualquer pretensão punitiva contra elas, diante desse quadro que o Supremo consolidou, está extinta. Por isso não há que se falar em réus, denunciados ou acusados.
– Alguns agentes militares conhecidos, como os coronéis Brilhante Ustra e Sebastião Curió, enfrentam também denúncias do gênero, no Ministério Público Federal. Eles podem eventualmente ser convocados?
Sim, Mas veja bem: eles não vão estar produzindo provas contra si porque está reconhecido judicialmente neste País que a anistia tem recepção constitucional. Eles estão anistiados. Então eles não são nem investigados, nem acusados, nem réus.
– A anistia vale também para os ditos crimes continuados, como sequestros e desaparecimentos?
É muito importante ter em mente o quadro de hoje. Qual a condição atual dessas pessoas? Estão anistiadas. Anistia está lá, definida no direito penal: é uma forma de extinção de punibilidade. O anistiado não pode sofrer qualquer pena. No quadro demarcado pelo julgamento do STF, os agentes da ditadura que cometeram crimes estão contemplados pela anistia, sim.
– Existe no setor militar um sentimento de autoproteção e solidariedade com os que cometeram crimes no passado. O sr. acredita na colaboração militar para esclarecimento dos fatos?
Conseguimos quebrar esse gelo. Posso dizer que a situação avançou. Houve um trabalho muito forte do ministro (da Defesa) Celso Amorim e dos comandos militares – Aeronáutica, Marinha e Exército, empenhados que estão na vigência da verdadeira missão constitucional das Forças Armadas. As Forças Armadas são fundamentais em qualquer democracia. Não há democracia sem elas.
– Alguns setores dessas mesmas Forças dificultam a investigação dos crimes cometidos pelos militares na ditadura.
O que aconteceu foi que maus agentes públicos dessas Forças, ainda que guindados a essa posição de supremos mandatários da Nação, comprometeram o bom nome delas. O grande esforço que eu vejo hoje das Forças Armadas e de suas lideranças é exatamente mostrar essa verdade constitucional aos seus comandados: a de que o profissionalismo jamais permite intervenção no quadro político partidário, por mais graves que sejam as crises institucionais. Nós tivemos um caso grave, em que depusemos um presidente da República pelo sistema constitucional democrático, com amplo direito de defesa. É assim que tem que ser feito.
– Em que momento começou essa virada, na sua avaliação?
Depois de uma conversa proveitosa, leal, franca que tivemos (em dezembro de 2012) com os comandos militares e o chefe do Estado Maior das Forças Armadas, liderados pelo ministro da Defesa, com membros da Comissão Nacional da Verdade. Desde então, temos recebido alguma documentação e esperamos que esse processo continue. As pessoas colocaram tranquilamente seus pontos de vista, com momentos de acordo e de divergência – natural do ser humano. O que posso dizer, em síntese é: a orientação do ministro Celso Amorim e dos senhores comandantes sobre a tropa atual é no sentido de marcar claramente a posição constitucional das forças militares.
– Mas o papel central da Comissão da Verdade é esclarecer os crimes da ditadura, apontar responsáveis e as circunstâncias em que ocorreram.
Ninguém tem nada nessa comissão – nem pode ter, seria uma loucura – contra as forças militares. Exército, Marinha e Aeronáutica e os serviços policiais são fundamentais a qualquer democracia. Não há democracia sem essas forças. O que se passou foi que maus agentes públicos comprometeram gravemente a missão constitucional dessas forças, que era uma missão estritamente profissional e não de intervenção no processo político-partidário.
– Não há risco de retrocesso?
A missão digna das forças militares não é de se imiscuir no processo político partidário, tomar partido e aí se infiltrar, ficar e criar um Estado ditatorial militar. O fato concreto é: depois dessa conversa a coisa avançou. Inclusive, o próprio Estado Maior das Forças Armadas localizou cerca de 20 mil fichas e está dando outro passo agora de localizar também o conteúdo dessas fichas. Quero crer que, até o fim desse mês, o Arquivo Nacional receba essa documentação.
– Quais os próximos passos da Comissão da Verdade?
O vital é a permanência desse diálogo forte com a sociedade brasileira. A lei que nos cria (a comissão) não prevê só o esclarecimento fático das situações, mas também a reflexão toda em cima da estrutura do Estado ditatorial militar. Uma frase de que eu gosto muito e que estou vivendo intensamente é: “Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”. Para isso, precisamos ter essa grande rede protetora e permanente em defesa da democracia.
– O sr. se sente otimista quanto a esse trabalho e aos resultados a que a comissão pode chegar no esclarecimento desses abusos?
Acho que sim. Um outro caso – além do de Rubens Paiva – abriu enorme perspectiva: o de Vladimir Herzog (jornalista preso em São Paulo pelo DOI-Codi, em 25 de outubro de 1975, e encontrado morto na cela, na manhã seguinte, após sofrer torturas). Constava o que do registro dele? Causa mortis: em branco. Falava genericamente em asfixia mecânica, o que não quer dizer nada. Hoje isso mudou por decisão judicial, que veio graças à Comissão Nacional da Verdade, foi ela que provocou. Olhe que coisa importante. Agora está lá: causa da morte: tortura, praticada nas dependências do DOI-Codi do 2º Exército.
– O sr. teme retaliações? Sente que há algum risco real à sua segurança?
Não temo, não. Porque estou convicto daquilo que faço. Não vejo riscos reais à minha integridade ou à dos membros da comissão.