Publicado no Jornal Valor 01 Fevereiro 2013
Maíra Magro
De Brasília
O Ministério Público Federal (MPF) prepara um mapeamento das instituições obrigadas, pela nova Lei de Lavagem de Dinheiro, a comunicar operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). O mapa identificará as entidades responsáveis por regulamentar a nova lei – definindo o que é uma operação suspeita e os parâmetros para informar os órgãos de controle. Também permitirá saber quem está cumprindo ou não a exigência.
A pesquisa foi solicitada pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, encarregada de questões criminais, e deve subsidiar o trabalho das varas especializadas em lavagem de dinheiro. Procuradores não descartam a possibilidade de adotar medidas judiciais contra entidades que se recusarem a regulamentar a nova lei.
A maior resistência vem da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para quem os advogados estariam livres da obrigação de prestar informações suspeitas de seus clientes. Já o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) está avançado na elaboração de uma regulamentação própria, exigindo dos contadores que comuniquem operações duvidosas.
Em julho, mudanças na Lei de Lavagem de Dinheiro endureceram o combate a esse crime. Uma das novidades foi a ampliação do rol de entidades obrigadas a comunicar operações suspeitas a seus órgãos fiscalizadores e ao COAF. Além dos bancos, corretoras, seguradoras e lojas de bens de luxo, que já eram obrigados, a nova lei incluiu outros setores, inclusive pessoas físicas e jurídicas que prestam serviços de assessoria e consultoria financeira, societária e imobiliária. Cada entidade profissional afetada ficou responsável por regular esse mecanismo – o MPF quer identificar no mapeamento quais são exatamente esses órgãos.
A OAB argumenta que está livre da exigência. "Em princípio não haveria por que regulamentar a nova lei, porque a Ordem entende que a relação entre advogado e cliente está protegida pela confidencialidade", diz o presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante. Ele diz, entretanto, que encaminhou o assunto para discussão nas comissões de estudos tributários e constitucionais da Ordem. A OAB também decidiu entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a nova Lei de Lavagem, pedindo que advocacia seja excluída das categorias profissionais obrigadas a prestar informações sobre seus clientes. Segundo Ophir, a ação poderá ser apresentada já em fevereiro.
O Coaf, por outro lado, entende que a obrigação de informar operações suspeitas abrange também os advogados, quando estiverem envolvidos em serviços de consultoria e assessoria, como nas áreas financeira, societária e imobiliária. Mas a exigência não valeria para a representação judicial, como numa defesa criminal, por exemplo.
A polêmica aumentou recentemente depois que o Coaf baixou, em dezembro e janeiro, cinco resoluções (de número 21 a 25) com normas para setores específicos, estipulando o que são operações suspeitas e a forma em que devem ser comunicadas. As regras tratam de empresas de fomento comercial, loterias, comércio de joias e pedras preciosas e de bens de luxo.
Já a Resolução 24 trata de pessoas físicas ou jurídicas que prestem determinados serviços mas que não estejam submetidas a órgãos próprios de controle. Ela abrange trabalhos de assessoria, consultoria e auditoria em operações como financeiras, de compra e venda de imóveis ou participações societárias. Profissionais e empresas que atuam nessas áreas ficam obrigados a manter um cadastro atualizado dos clientes e as operações realizadas. Transações consideradas suspeitas devem ser comunicadas ao COAF, como o pagamento de R$ 30 mil ou mais em espécie. Operações incompatíveis com a capacidade de renda do cliente e não justificadas de forma satisfatória também devem ser informadas. A resolução vale a partir do dia 1º de março.
Em sua própria interpretação da Resolução nº 24, a OAB alega que os advogados foram excluídos das exigências. "No nosso entender, a resolução reconhece que a Lei de Lavagem não se aplica à relação do advogado com seu cliente, na medida em que excetua a aplicabilidade da norma às atividades profissionais regulamentadas", diz Ophir Cavalcante. Mas o Coaf rebate dizendo que a resolução trata apenas de setores que não estejam submetidos a um órgão regulador próprio – portanto, caberia à OAB regulamentar a atuação dos advogados. "O COAF só pode regular quando não houver um órgão regulador", diz o presidente do COAF, Antonio Gustavo Rodrigues. "A OAB tem a responsabilidade de editar sua própria norma."
Para o procurador Rodrigo de Grandis, coordenador do grupo de trabalho sobre lavagem de dinheiro e crimes financeiros do Ministério Público Federal, a Resolução nº 24 "é muito clara" ao estabelecer diretrizes somente para setores que não estejam submetidos a regulamentação por órgão próprio. "Como os advogados possuem um órgão próprio, a OAB tem que regulamentar. Não significa que os advogados estão isentos", afirma.
Ele avalia que eventual omissão da OAB poderia gerar inclusive questionamentos judiciais. "Se a Ordem se omitir, não acho absurdo que, eventualmente, o Ministério Público ou qualquer outro órgão com legitimidade tente compelir a entidade a regulamentar a lei por via judicial. Mas o melhor caminho é a sensibilização, demonstrando que a regulamentação é necessária porque protege o próprio advogado." O procurador argumenta que a ausência de regulamentação gera insegurança jurídica para os próprios advogados. "Se houver uma regulamentação adequada, com atribuição de responsabilidades, sobram poucas lacunas para ações penais contra advogados pela quebra do dever de comunicar."