Um evento que tem baixíssimo risco de acontecer, pega a todos de surpresa, vira o mundo de cabeça para baixo e que, no fundo, no fundo (dirão alguns mais tarde), poderia ter sido previsto é um “cisne negro”. O termo, aplicado à economia, foi cunhado em 2007 pelo investidor americano Nassim Taleb para explicar o perigo de alguém se basear em cálculos e previsões e deixar de fora do radar a probabilidade de ocorrências que parecem improváveis.
A hipótese da eclosão de uma guerra entre a China e o Japão tem todas as características de um cisne negro – exceto uma. Ao levar em conta o que a China vem declarando, são altíssimas as possibilidades de seus tambores rufarem em breve. Nas últimas semanas, o Global Times, o jornal oficial do governo, publicou artigos conclamando a população “a se preparar para o pior”. Na segunda-feira, Liu Mingfu, um oficial do Exercito de alta patente, declarou considerar “justificável” o uso de armas nucleares contra o Japão em caso de ataque à China.
A fala de Liu tinha por objetivo alertar a Austrália para o fato de que ela não deveria se aliar aos Estados Unidos contra os interesses chineses. “Os Estados Unidos são o tigre do mundo, e o Japão é o lobo da Ásia. E os dois estão agredindo a China sem medir as consequências”. A declaração do oficial seguiu-se à da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton. Ela deixou claro que, caso a situação degringole de vez entre a China e o Japão, os americanos optarão pelo segundo. Para o cientista político americano Ian Bremmer, presidente da consultoria Eurasia Group, o cenário é mais do que alarmante. “A crise China-Japão é a mais significativa tensão geopolítica no mapa hoje”, afirmou na quarta-feira, em Davos.
A razão oficial da contenda é a disputa pelo controle de oito ilhotas localizadas no Mar da China Oriental e que somam não mais do que 7 quilômetros quadrados. A briga em torno delas é antiga, mas os ânimos se acirraram no ano passado, quando o governo do Japão resolveu comprá-las de seu então proprietário, um cidadão japonês, com o argumento de que, se não o fizesse, elas cairiam nas imprevisíveis e ultranacionalistas mãos de Shintaro Ishihara – então governador de Tóquio e autodeclarado “um idoso fora de controle”.
Ishihara já havia organizado uma caixinha entre seus apoiadores com vistas a transformar as desabitadas Ilhas Senkaku, como os japoneses as chamam, em território administrado e povoado por Tóquio quando o governo federal arrematou o arquipélago. A iniciativa foi pessimamente recebida pela China, que acusou o Japão de roubo.
Numa segunda categoria de razões que justificam a crise, estão os mais de 100 anos de conflitos entre as duas nações e a atual situação política de cada uma. Do lado japonês, a volta de Shinzo Abe ao poder não ajudou a desanuviar o clima. Eleito primeiro-ministro pela segunda vez, Abe baseou sua campanha na defesa do endurecimento das relações do Japão com a China. Já o ainda inescrutável Xi Jinping assumirá em março a Presidência de uma China cada vez mais nacionalista, que busca consolidar sua hegemonia política e militar na Ásia e vê no Japão, além de um inimigo histórico, um entrave para as suas ambições.
O Brookings Institution, centro de estudos em Washington, envia aos presidentes americanos alertas periódicos sobre questões geopolíticas. Na semana passada, seu principal especialista em China, Cheng Li, endereçou ao recém-empossado Barack Obama um memorando em que dizia que ele “não deveria subavaliar a possibilidade de a China mergulhar numa revolução ou lançar-se numa guerra (contra o Japão)”.
Para a economia mundial e a estabilidade na Ásia, escreveu Cheng, a ocorrência de uma dessas hipóteses pode significar sérios apuros. E a combinação das duas, uma catástrofe. Contra os ventos da guerra estão os poderosos fatos de que o Japão é o segundo parceiro comercial da China e os Estados Unidos, o primeiro. São motivos suficientes para tornar essa guerra um evento improvável. Mas, diante da magnitude do que está em jogo, ninguém está disposto a desdenhar do risco.