Assis Moreira
A crise econômica acelera cortes bilionários nas despesas militares na Europa, provocando temores de que o velho continente se desarma quando o resto do mundo se rearma e perde influência na cena internacional.
No começo do mês, o influente jornal Le Monde, de Paris, publicou editorial com o título Perigo, a Europa renuncia a se defender, alertando para consequências civis e militares, como aumentar a desindustrialização que alguns países dizem querer combater.
Num relatório ao presidente francês, François Hollande, o ex-chanceler Hubert Védrine diz que desde o fim do império soviético, em 1991, o que os europeus esperam são os dividendos da paz, do social e do aumento do poder de compra ou da afirmação dos direitos individuais.
Ou seja, a Europa está muito longe da dialética de ameaças à segurança/respostas militares, mesmo na área do terrorismo, ou da visão americana de riscos e ameaças estratégicas. Mas nota que o choque enorme da "crise da economia cassino americano-global" desde 2008, a crise da dívida soberana europeia e a necessidade imperiosa de pegar emprestado entre € 8 trilhões e € 9 trilhões por ano para manter o nível de vida acentua a tendência que se traduz por baixa dos orçamentos de defesa europeus. E o que é ambivalente: menos meios e capacidades, mas em princípio também mais obrigações de agir em comum, diz.
Globalmente, as despesas militares alcançaram US$ 1,7 trilhão em 2011, quando pararam de crescer. O que muda é a repartição. Em 2012, os EUA fizeram 46% do total. Por sua vez, os Bric – Brasil, Rússia, China e Índia – aumentaram as despesas militares em 38,6% entre 2007 e 2011. Somente a China elevou os gastos em 62%, pulando de US$ 87,7 bilhões a US$ 142,8 bilhoes no período. A Índia aumentou em 42%, a Rússia, em 40% e o Brasil, em 30,7%. Azerbaijão, Polônia, Turquia e Colômbia estão também entre os países que aumentaram os gastos nos últimos anos.
Já a Europa em 15 anos viu sua fatia diminuir de 31% para 19%. Grécia e Espanha, especialmente afetados pela crise, cortaram as despesas militares entre 30% e 40% em 2011. Itália e Bélgica, entre 10% e 15%, e vários outros países, entre 15% e 30%. A França e o Reino Unido diminuíram a conta em cerca de 5%. Já a Alemanha aumentou suas despesas militares ligeiramente. Na Suécia, o chefe do Estado-Maior, general Sverker Goeranson, irritado, sugeriu suprimir uma das Forças Armadas, dizendo que o país não dispõe de meios que permitam defender o país por mais de uma semana.
Os EUA insistem para os europeus não se privarem de meios estratégicos. A ex-secretária de Estado Madeleine Albright estimou num relatório em 2% do PIB o mínimo que um país da Otan, a aliança militar ocidental, deve gastar em defesa para não comprometer a segurança comum.
Atualmente, somente o Reino Unido está acima de 2% do PIB – é o primeiro da Europa, mas prevê corte de 7,7% nas despesas até 2015. Os gastos da França ficam em 1,7% do PIB, da Espanha, em 0,65% e da Itália, em 0,8%. A crise leva países nórdicos e do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo) a juntarem seus esforços militares.
A guerra contra terroristas no Mali ilustra dificuldades da capacidade francesa e da ausência de defesa europeia. Para transportar soldados ao país africano, Paris teve que alugar também aviões comerciais de grande porte. Na Líbia, 80% dos alvos atacados pelos franceses foram a partir de informações de drones dos EUA.
No momento, os franceses dizem que a guerra no Mali não vai aumentar muito sua fatura militar porque uma hora de voo de jato Rafale custaria de toda maneira € 40 mil em treinamento ou no combate. Já um míssil custa € 300 mil, e essa fatura vai crescer.
Para o jornal Le Monde, as consequências do desarmamento europeu são estratégicas. Estima ser provável que a indústria europeia de defesa desapareça definitivamente das licitações de países emergentes, dando como exemplo o fiasco até agora das tentativas francesa e sueca de vender jatos de combate ao Brasil.
Considera que a espiral de austeridade pode tanto afundar as indústrias de defesa europeias como fortalecer definitivamente a órbita de um complexo americano sem dúvida ávido de compensar além de suas fronteiras os cortes orçamentários que também sofre em casa. E adverte para que a perda de influência, emprego e autonomia seja levada em conta.
Já o Instituto Internacional de Estudos da Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês) vê outro cenário. Sam Perlo-Freeman, diretor do Programa de Despesas militares, considera "muito forte falar em desarmamento" na Europa, apesar dos cortes significativos nas despesas militares.
Vários países estão cortando tropas, recuando em compras de equipamentos. Mas grandes países como Reino Unido, França e Alemanha continuam a atualizar e modernizar seus armamentos, só que num ritmo menor.
Além disso, segundo Freeman, outras capacidades estão sendo expandidas, como no caso dos drones. Avalia também que menos forças convencionais não significam perda de segurança. Isso significará diminuição de capacidade em se engajar em missões no estrangeiro, embora alguns países estejam de fato expandindo o número de tropas disponíveis, como a França no Mali, diz.
Freeman contesta a percepção de que menos capacidade militar conduz à perda de influência. De várias maneiras a influência econômica e cultural pode ser mais importante no mundo moderno do que a militar, embora a influência econômica da União Europeia também esteja baixando por causa da crise, diz. Para ele, uma consequência mais provável "será crescente tensão na Otan, com os Estados Unidos vendo um valor menor na contribuição militar de membros europeus na aliança".