Igor Truz
Agência USP
Há 30 anos, no dia 20 de dezembro de 1982, zarpou do Porto de Santos em direção ao polo sul o navio oceanográfico W. Besnard, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP. A embarcação conduziu o primeiro grupo de pesquisadores brasileiros para a Antártida e foi decisiva para o reconhecimento da ciência brasileira por toda a comunidade internacional.
Em 1959, 12 países assinaram o Tratado Antártico. O Brasil viria assinar o documento somente em 1975 e em 1983 passou a integrar a Parte Consultiva, que dava direito a voz e voto sobre as decisões do destino do continente. Para ser membro consultivo, o pré-requisito exigido pelo Tratado era que o país promovesse algum tipo de pesquisa na região.
A Antártida interessa ao Brasil, essencialmente, por três razões: Segurança nacional, pois é uma das únicas passagens do oceano Atlântico para o Pacífico, através do estreito de Drake; Econômica, por conta das riquezas naturais; e Científica, devido as especificidades da região em todos os sentidos, principalmente no papel exercido pelo oceano sobre as condições climáticas do planeta.
Por conta disso, o Brasil lançou em janeiro de 1982 o Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), um esforço interministerial que contou com o apoio da Marinha e financiamento do CNPq, a fim de possibilitar condições para que pesquisadores brasileiros pudessem chegar a Antártica. “O coração do PROANTAR é a logística oferecida, o favorecimento da pesquisa lá. Não basta apenas o pesquisador querer ir. É necessário que o país ofereça condições de embarque e recursos financeiros para viabilizar a pesquisa”, afirma a professora do IO, Elisabete S. Braga, que já esteve em quatro expedições antárticas.
Até os dias de hoje, o PROANTAR garante a presença científica dos brasileiros no continente gelado. Com média anual, desde a primeira expedição, de 20 projetos de pesquisa, o programa é dividido basicamente em duas partes, pesquisas em mar e em terra.
Em 1984, o PROANTAR construiu a estação Comandante Ferraz, onde eram realizadas as pesquisas em terra na Antártida. No entanto, estes estudos foram interrompidos devido a um incêndio que destruiu a estação, em 25 de fevereiro de 2012. Todos os esforços do programa hoje estão direcionados para a reconstrução da base. As pesquisas nas águas prosseguem. Para Elisabete, é imprescindível que as pesquisas continuem. “Não podemos interromper 30 anos de pesquisa, inclusive porque seria colocada em risco a própria presença do Brasil enquanto membro consultivo do Tratado Antártico”. As pesquisas oceanográficas na região são fundamentais, por conta da importância do continente enquanto “radiador” do planeta.
Primeiro brasileiro
Muito antes da primeira expedição brasileira, o primeiro brasileiro a fazer parte de uma expedição científica para a Antártida foi o meteorologista Rubens Junqueira Villela, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. A bordo do navio norte-americano Glacier, Villela embarcou no ano de 1961 enquanto jornalista. Apenas quando já havia embarcado, recebeu do CNPq o título de observador científico, o que lhe deu a condição de ser o primeiro brasileiro a fazer parte de um grupo científico no continente.
Entretanto, Villela considera de maior relevância a sua participação na primeira expedição brasileira. O meteorologista participou de toda a preparação do W. Besnard e foi um dos 12 pesquisadores que, juntamente com 24 tripulantes, todos homens, desbravou os mares e garantiu uma posição inédita para o Brasil ante a comunidade internacional.
Além de promover pesquisas meteorológicas, Villela foi o responsável por garantir a segurança da viagem, através de previsões de tempo e produção de cartas sinóticas, que faziam uma espécie de mapeamento da região por meio de informações recebidas via rádio.
Villela participou de outras cinco expedições à Antártida. Contudo, ele ressalta as dificuldades daquela primeira expedição brasileira, que eram desde o próprio navio, considerado inadequado para enfrentar o percurso, às condições climáticas desfavoráveis, e até os incidentes diplomáticos na Argentina, onde todos os presentes no W. Besnard foram obrigados a subir ao convés, durante a madrugada, para preenchimento de formulários. Na época, a Argentina fazia campanha contra a presença brasileira na região, e a incorporação do Brasil enquanto membro consultivo do Tratado Antártico. A chegada a Antártica aconteceu no dia 9 de janeiro de 1983.
W. Besnard: Um patrimônio Histórico
Responsável pela condução dos primeiros pesquisadores para a Antártida, e por mais seis expedições para o continente até o ano de 1988, o W. Besnard não está mais em atividade, e foi substituído recentemente pelo navio Alpha Crucis.
Como não será mais utilizado para qualquer trabalho de campo, W. Besnard, de propriedade da USP, terá seu destino decidido após a análise de algumas possibilidades. A manutenção da embarcação, mesmo em água, é muito cara, e um dos fins cotados é o afundamento controlado, a fim de transformá-lo em um recife de corais.
Para Elisabete, este seria um fim trágico para o navio. “Aqui no IO somos contrários ao afundamento. Poderíamos transformá-lo em um museu visitável, o que seria bom para a educação ambiental e para sua preservação histórica. Hoje o instituto se esforça para mantê-lo enquanto patrimônio visitável, histórico e educativo. É preciso reconhecer o que significa o navio W. Besnard.”
O W. Besnard foi uma plataforma da USP, utilizada pelo IO, que mudou o estatus político do Brasil no cenário internacional.