Brasília, 27/11/2012 – O ministro da Defesa, Celso Amorim, voltou a defender, em palestra, a participação da sociedade na discussão sobre os rumos da Defesa brasileira. “O envolvimento do conjunto da população no debate sobre as questões da paz e da guerra é da essência da democracia”, disse Amorim na abertura do “Seminário Estratégias de Defesa Nacional”, realizado no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados. Segundo o ministro, o interesse crescente por esse debate, manifestado por variados setores sociais, “expressa a determinação do povo brasileiro de ter parte ativa na construção de seu destino como nação independente.”
O seminário, que acontece hoje e amanhã (28), é promovido pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, com apoio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado à Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE).
"Esse contato estreito e regular que mantive este ano com as duas Casas do Congresso é um reflexo da importância que os temas da Defesa alcançaram na agenda política e, de maneira mais ampla, na agenda da opinião pública”, afirmou o ministro.
A cerimônia de abertura do seminário contou com a participação do ministro-chefe da SAE, Moreira Franco, dos comandantes da Marinha, almirante Julio Soares de Moura Neto; do Exército, general Enzo Martins Peri; e da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito. Na plateia, autoridades civis e militares, parlamentares, adidos militares e jornalistas.
Confira, abaixo, os principais trechos do discurso do ministro da Defesa, Celso Amorim, na abertura do seminário na Câmara dos Deputados.
Aproximação com o Congresso Nacional
“Quero dizer da minha satisfação em retornar à Câmara dos Deputados para participar de um seminário sobre a Defesa do Brasil. Em fevereiro, recebi o honroso convite para fazer a abertura de um seminário sobre política industrial e tecnológica na área de Defesa, promovido pela Frente Parlamentar de Defesa Nacional. Em março e abril, compareci a audiências públicas no Senado Federal e, em julho, em ato com o Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney, entreguei à apreciação do Congresso o Livro Branco de Defesa Nacional e as novas versões da Política e da Estratégia Nacionais de Defesa. Agora, graças à iniciativa da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, tenho a oportunidade de debater aqui assuntos centrais para o pensamento estratégico, como o atual cenário global, o entorno geoestratégico brasileiro, as relações da Defesa com a sociedade e os desafios para o desenvolvimento da Base Industrial de Defesa.”
Profissionalismo militar
“A liderança civil das Forças Armadas é hoje uma realidade não contestada. A ela corresponde, com igual naturalidade, a valorização e o respeito do profissionalismo militar. A altíssima credibilidade de que gozam nossos marinheiros, soldados e aviadores junto à população brasileira – inclusive consignada em estudo do IPEA – dá testemunho disso.”
Interesse da população pela temática da Defesa
“O crescente interesse público por assuntos militares não se confunde com militarismo de qualquer natureza. O envolvimento do conjunto da população no debate sobre as questões da paz e da guerra é da essência da democracia. Segundo o famoso relato de Tucídides, a “oração fúnebre” pronunciada por Péricles aos atenienses, no ano de 430 antes de Cristo, enunciou a importância capital da tomada de decisões de forma democrática para a condução dos destinos da coletividade. Péricles assevera que seus concidadãos – mesmo abatidos pelas adversidades na guerra contra Esparta – têm o dever de (cito) “decidir as questões públicas por si mesmos, na crença de que não é o debate que é empecilho à ação, e sim o fato de não se estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação” (fim da citação). Felizmente, as ações que nos cabe tomar hoje são bastante diversas daquelas que levariam a uma guerra geral e consumiriam a civilização grega. Vivemos em um tempo de paz e nos beneficiamos dele.”
Estratégia Nacional de Defesa
"A Estratégia Nacional de Defesa, por sua vez, estabelece as orientações e as formas de alcançar os objetivos de defesa por meio de ações de médio e longo prazo. Um dos desafios que identifica é o fato de ser “indispensável para as Forças Armadas de um país com as características do nosso, manter, em meio à paz, o impulso de se preparar para o combate e de cultivar, em prol desse preparo, o hábito da transformação”. O primeiro eixo dessa transformação é a reorganização e reorientação das Forças Armadas, de modo a que estejam preparadas para desempenhar sua missão constitucional de defesa da pátria no contexto dos riscos e ameaças do século XXI.Outro eixo é a organização da indústria nacional de defesa, orientada pelo preceito de que a política de defesa é indissociável da política de desenvolvimento. O documento define três setores estratégicos em que o país deve alcançar autonomia tecnológica: o nuclear, o cibernético e o aeroespacial. Destaco o importante papel do Congresso Nacional na apreciação e implementação dessas e de outras ações previstas na Estratégia."
Livro Branco de Defesa
“(…) o Livro Branco divulga e detalha a visão geral do Governo na área da Defesa. É uma medida concreta que visa à sensibilização do público para a importância da defesa. Nas palavras da Sra. Presidenta da República, Dilma Rousseff, o Livro “é um convite à reflexão e ao diálogo. Sua leitura indicará, sobretudo, que Defesa e Democracia formam um círculo virtuoso no novo Brasil que estamos construindo” (fim da citação). A publicação do Livro Branco, pioneira no Brasil, cumpre duplo propósito: de um lado, comunica com transparência à sociedade os objetivos traçados para sua defesa bem como as carências que terão de ser supridas para a sua realização; de outro, sinaliza as estratégias de preservação dos interesses brasileiros, de modo a manter os altos níveis de confiança junto a nossos parceiros no exterior. O Livro Branco é, ele mesmo, indicador da transformação do lugar ocupado pela Defesa na agenda pública no Brasil – e da transformação da própria Defesa."
Multipolaridade
Associações de Estados também contribuíram para mitigar a preponderância de uma única potência. A maioria delas assumiu uma dimensão regional, com ênfase em aspectos econômicos, mas com indiscutíveis implicações políticas. A União Europeia – em que pese às dificuldades do momento – é a mais notável. Mesmo aqui, na América do Sul, demos passos importantes, com a preservação (sempre difícil) do Mercosul e a criação da Unasul. Em 2003, um fato novo ocorreu: três grandes países em desenvolvimento e democráticos do Sul, Índia, Brasil e África do Sul, juntavam-se em um Foro de Diálogo, o IBAS, voltado para a busca de soluções a desafios internos e externos semelhantes. Três anos mais tarde, em 2006, começaria a tomar forma outro grupo político que, aos três países do IBAS, associaria China e Rússia. IBAS e BRICS tornaram-se símbolos, ainda que talvez embrionários, das novas perspectivas abertas pela incipiente multipolaridade.
Primeira mulher oficial-general no Brasil
“É com enorme satisfação que registro, neste foro, a promoção da primeira mulher ao posto de oficial-general das Forças Armadas brasileiras, a Contra-Almirante Dalva Maria Carvalho Mendes. Suas novíssimas platinas dão um brilho especial às muitas conquistas que as mulheres brasileiras vêm obtendo em nossa sociedade.”
Segurança internacional
“Trabalhamos, assim, para o fortalecimento da multipolaridade, que, em tese, reduz as vulnerabilidades e aumenta as margens de liberdade para a ação externa do Brasil. Há indícios de uma desconcentração do poder mundial, que conduziria a essa multipolaridade. Mas tal desconcentração não se tem feito acompanhar da observância das regras universais (ou multilaterais) de conduta inscritas na Carta da ONU. Por outro lado, nada garante que essa desconcentração ocorra de forma pacífica. Uma rápida passada d’olhos no panorama da segurança internacional ajuda a dimensionar os desafios para que uma multipolaridade orgânica – isto é, baseada em normas de ampla aceitação – lance raízes no campo das relações internacionais. Ou, para dizê-lo de outra forma, para que a cooperação prevaleça sobre o conflito. Aprofunda-se, por exemplo, a assimetria na aplicação do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, quase exclusivamente dirigida aos esforços de não-proliferação (Art. I, II e III), em detrimento dos objetivos igualmente fundamentais de promoção dos usos pacíficos da energia nuclear (Art. IV) e de abertura de negociações “em boa fé” rumo ao desarmamento nuclear (Art. VI)."
Conselho de Segurança da ONU
“A última década assistiu a mais de uma situação em que ações armadas ocorreram à revelia da vontade do Conselho. A invasão do Iraque foi um caso patente. Há que se notar também a evidente extrapolação do mandato conferido por aquele órgão no caso da Líbia. O desrespeito às regras de conduta multilaterais determinadas pela Carta das Nações Unidas é uma fonte de instabilidade no sistema internacional, com implicações para a segurança de nosso país. Debilitada a âncora multilateral que disciplina o emprego da violência, o sistema internacional corre sério risco de ver-se à deriva. Não custa insistir: o Brasil beneficia-se da paz. Apenas um Conselho de Segurança reformado em seus métodos de trabalho e na composição de seus membros permanentes poderá lidar eficazmente com os desafios da segurança internacional.”
Riqueza do Brasil
"Disputas entre as grandes potências são – e sempre serão – parte integrante da realidade internacional. A possibilidade de que possam assumir a natureza de um conflito militar é o que motivaria preocupação, uma preocupação que não pode ser descartada. A escassez de alimentos e de energia, assim como a deterioração das condições ambientais ou a busca por recursos como a água doce ou a biodiversidade, podem constituir-se em pontos de fissura nas placas tectônicas da ordem global. Do nosso ponto de vista, esse quadro hipotético agrava-se quando se leva em conta ser o Brasil dotado de abundantes reservas justamente desses recursos."
Dissuasão
"Não me canso de dizer: ser país pacífico não é sinônimo de estar desarmado. A dissuasão é a estratégia primária da política de defesa brasileira. E defesa, volto a repetir, não se delega. Seu objetivo é evitar, por meio da posse de adequadas capacidades militares, agressões ao patrimônio brasileiro ou ações que afetem, ainda que indiretamente, interesses nacionais."
Cooperação na América do Sul
"A estratégia dissuasória se complementa com a estratégia de cooperação, sobretudo na América do Sul. Nas relações com nossos vizinhos, o interesse brasileiro é servido por medidas de apoio a outros países, que revertem em benefícios a médio ou longo prazos. A incompreensão por vezes suscitada por essa lógica de cooperação – incompreensão que se apega à retórica do egoísmo e da reciprocidade imediata – não encontra amparo no pensamento do Patrono da diplomacia brasileira. Há 103 anos, o Barão do Rio Branco advertia que o Brasil sempre havia suscitado na América espanhola “grandes preconceitos e desconfianças, que pela nossa parte procuramos ir modificando pela cordura e pela longanimidade” (fim da citação). Em outras palavras, o Barão advogava, com lucidez de estadista, uma atitude de bom senso e generosidade para com nossos vizinhos. Isso é especialmente válido na área de Defesa: o Brasil, um dos países com maior número de vizinhos no mundo, mantém com todos eles uma paz centenária, podendo evitar o dispêndio de recursos e energia em diferendos fronteiriços."
Operações Conjuntas
“Além de desenvolver a doutrina de interoperabilidade entre as Forças e conduzir exercícios como as operações Amazônia 2012 e Atlântico III, cabe ao EMCFA conduzir a Operação Ágata, que é uma operação de prevenção e repressão a ilícitos transfronteiriços, inserida no Plano Estratégico de Fronteiras, estabelecido pela Sra. Presidenta da República, Dilma Rousseff, em junho de 2011. O EMCFA tem aprofundado estudos relativos à recomposição das capacidades de defesa antiaérea brasileira, carência sentida em todas as frentes de Defesa.”
Confira a íntegra da conferência do ministro Celso Amorim Link.