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ÁFRICA – BRASIL – Empresas brasileiras fincam os pés no continente africano

Publicado The Economist

No calor escaldante do norte de Moçambique, a Vale do Rio Doce está empenhada na extração de carvão em sua mina, perto da vila de Moatize. Uma montanha de 400 mil toneladas do mineral está pronta para ser transportada. A mina produz 4 mil toneladas por hora, mas as ferrovias e os portos não comportam tamanha carga. Então, a Vale está construindo uma linha ferroviária que atravessa o  Malawi para poder exportar seu mineral. Pelo mesmo motivo, a OAS Construtora, outra empresa brasileira, fechou um acordo com a Vale para construir parte de um novo porto em Nacala, mil km ao nordeste da mina da Vale.
 
O continente africano é uma parte importante do futuro da mineradora brasileira, afirma Ricardo Saad, chefe da Vale na região. Ele não está sozinho em sua empolgação com as perspectivas do Brasil. As relações com a África se fortaleceram durante a presidência de Lula. Ele viajou para lá uma dúzia de vezes, e os líderes africanos vieram ao Brasil frequentemente. O zelo de Lula era, em parte, ideológico: o ex-presidente dedicou grande parte da sua diplomacia para as relações “sul-sul”, às custas de negligenciar parceiros comerciais mais poderosos e ricos, como os Estados Unidos, dizem os críticos.
 
Lula salientava a “dívida histórica” ??do seu país com a África, uma referência aos 3,5 milhões de africanos levados para o Brasil como escravos. Fora da Nigéria, o Brasil tem a maior população negra do mundo. A presidente Dilma está dando continuidade às políticas de seu antecessor, embora com mais ênfase nos benefícios que a relação pode trazer para o Brasil. E há muitas maneiras pelas quais o Brasil pode tirar vantagem. A África precisa de infraestrutura, e o Brasil tem muitas empresas de construção. A África tem petróleo e minerais em abundância, o Brasil tem as empresas para extraí-los. Gigantes brasileiras do agronegócio também estão de olho na África. Se a economia africana continuar a crescer ao ritmo dos últimos anos, irá produzir milhões de consumidores em potencial, bem como vem ocorrendo no Brasil com sua nova classe média.
 
Investimentos se multiplicam
 
Empresas brasileiras estão animadas. Em 2001, o Brasil investiu US$ 69 bilhões na África. Em 2009, o último ano com dados disponíveis, este número havia chegado a US$ 214 bilhões. A princípio as empresas brasileiras concentraram seus esforços na África lusófona, Angola e Moçambique em particular, capitalizando a afinidade linguística e cultural para fincar suas raízes. Agora elas estão se espalhando por todo o continente.
 
Por enquanto, algumas grandes empresas dominam o mercado. A mina de carvão da Vale em Moçambique é a sua maior operação fora do Brasil. A Odebrecht tem construído instalações e infraestrutura na África desde a década de 1980. Logo no início, a construtora estava envolvida na criação da vasta barragem de Capanda, em Angola. A construtora ergueu o primeiro shopping do país, na capital, Luanda. Em Gana, onde a demanda por casas é tão feroz que os inquilinos têm que pagar aluguel com até dois anos de antecedência, a OAS, uma empreiteira da Camargo Corrêa, está construindo habitações populares.
 
A Andrade Gutierrez, outra construtora brasileira, faz vários tipos de trabalhos, de portos a habitações a infraestruturas de saneamento em Angola, Argélia, Congo e Guiné. A Petrobras já extrai petróleo em Angola e Nigéria e está buscando mais em Benin, Gabão, Líbia e Tanzânia. Empresas voltadas para o mercado de consumo também voltam suas atenções para o continente. O Boticário, empresa brasileira de cosméticos, está vendendo seus produtos em Angola desde 2006.
 
Brazil X China

Já que o Brasil não pode competir com a China em termos da escala de seus investimentos, o país tem que oferecer algo a mais: em particular, sua experiência técnica. Com climas semelhantes, a agricultura tem sido um campo fértil de colaboração. Em 2008, a Embrapa, o instituto brasileiro de pesquisas agrícolas, montou um escritório em Gana. Por meio da Embrapa, o Brasil tem fornecido assistência técnica à indústria do algodão em Benin, Burkina Faso, Chade e Mali. As empresas brasileiras que produzem soja, cana-de-açúcar, milho e algodão foram farejar investimentos na Tanzânia no início deste ano.
 
As empresas brasileiras esperam que a sua boa reputação garanta que as oportunidades continuem chegando. Estão ansiosas para se distinguir dos concorrentes, especialmente dos chineses. Elas não querem ser vistas como se estivessem agarrando tudo o que podem sem retribuição, explica Rodrigo da Costa Fonseca, presidente da Andrade Gutierrez na África. Considerando que as empresas chinesas são muito criticadas por suas práticas trabalhistas, seus colegas brasileiros enfatizam que jogam pelas regras, são bons empregadores e querem construir relacionamentos duradouros, oferecendo ajuda para o desenvolvimento do continente, bem como investimentos privados.
 
Em particular, os brasileiros salientam que na África eles empregam africanos (as empresas chinesas são muito criticadas por enviar chineses para trabalhar na África). Cerca de 90% dos funcionários da Odebrecht em Angola são moradores locais, assim como 85% dos empregados da Vale em Moçambique.
 
Nem tudo são flores
 
Os brasileiros não conseguiram escapar de todas as críticas. A Vale gerou polêmica ao reassentar mais de mil famílias para abrir caminho para sua mina de carvão. A maioria foi transferida para uma aldeia nova em Cateme, a 40 km de Moatize. Moradores descontentes dizem que o custo de vida aumentou por causa da despesa adicional para se chegar até a capital da província. O solo é menos fértil e a água menos abundante no novo local, dizem os moradores, e as casas fornecidas pela Vale foram mal construídas. Em janeiro, moradores irritados bloquearam uma linha de trem próxima, em protesto.
 
Com sua proeminência na mineração, há sempre o perigo de que o Brasil seja visto como um novo poder colonial. Embora sua presença esteja crescendo, ainda é insignificante comparada com a da China. Ao contrário do gigante asiático, o Brasil não depende de recursos da África, mas está mais interessado em diversificar seus mercados. Não há mais o que construir na Europa, disse Leonardo Calado de Brito, chefe da OAS na África. “A África é o lugar onde devemos estar.”

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