Mauro Santayana
Os Estados Unidos celebram a morte de bin Laden, e um ex-embaixador brasileiro considerou-a “espetacular”. É melhor ver a morte de qualquer homem, bom ou mau, como a morte de parte de nós mesmos. Como no belo poema em prosa de Donne, any man’s death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee.
A morte de qualquer homem me diminui, disse o poeta, porque sou parte da Humanidade, e, por isso, não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por você. Todos nós morremos um pouco, quando as Torres Gêmeas vieram abaixo, e todos nós morremos quase diariamente com os que tombam e tombaram, na Palestina, no Iraque, no Afeganistão, na Costa do Marfim, no Realengo, em Eldorado dos Carajás, na Candelária e nas favelas brasileiras.
Os americanos comemoram nas ruas a morte de bin Laden, enquanto nos países muçulmanos outros oram pelo homem que consideram mártir. Como parte da Humanidade, talvez não nos conviesse a euforia pela execução sumária de bin Laden, nem a consternação por sua morte. Os atentados de Nova York – de resto, nunca assumidos de forma cabal pelo saudita – foram crime brutal contra a Humanidade, bem como todos os atos de terrorismo, ao longo das duas últimas décadas. Mas a vingança exercida pelos comandos norte-americanos não pode ser aplaudida. Foi um ato de guerra, cometido contra a soberania do Paquistão, desde que ao governo de Islamabad não foi solicitada autorização prévia para a operação – segundo informou o diretor da CIA, Leon Panetta.
Isso nos leva a outra leitura de John Donne: não pergunte que povo foi atingido pela intervenção militar norte-americana. Todos nós fomos atingidos, não só por essa operação bélica e pela agressão à Líbia, mas também, no passado, pela intromissão, política, militar, econômica, das elites que controlam o governo de Washington, desde a guerra de anexação de territórios soberanos do México, movida pelo presidente Polk, em 1846. O México perdeu a metade de seu território, e os Estados Unidos ganharam mais de um quarto do que já ocupavam no norte do hemisfério. Essa vitória excitou a voracidade imperialista dos Estados Unidos, mais tarde explícita no fundamentalismo do Destino manifesto.
Devemos ser cautelosos quando procuramos entender o momento atual. Comentaristas internacionais, sob o calor destas horas, tentam pensar nas conseqüências imediatas, e há os que discutem se o homem morto em Abbottab (o nome da cidade é homenagem ao general James Abbott, que serviu nas forças de ocupação da Índia no século 19) é mesmo bin Laden – que começou a sua vida de combatente como aliado dos norte-americanos contra os soviéticos, no Afeganistão dos anos 80. Tenha sido ele, ou não, importa pouco. Osama era apenas um símbolo, na clandestinidade imposta pelas circunstâncias. O que importa, e muito, é o que virá a ocorrer não nos próximos dias, que serão de pausa e perplexidade, mas nos próximos meses e anos.
O perigo maior, e desdenhado, é o de que o conflito atual, iniciado com a ocupação da Palestina por Israel, se transforme realmente em guerra declarada entre os países capitalistas ocidentais, que se identificam como cristãos, e os muçulmanos. Quem definiu a agressão como cruzada foi Bush, ao afirmar que Deus o havia convocado a matar Saddam.
E conforme o livro clássico de Essad Bey, todos os movimentos no Oriente Médio, entre eles a ocupação judaica da Palestina, se fazem na busca da posse de seu petróleo. No passado, o saqueio se fazia em nome da “civilização” e, hoje, se faz também em nome da “modernidade”.
No fundo do regozijo, há terríveis sementes de medo. Esse medo é muito mais poderoso do que foi o saudita, de 54 anos e, segundo informações não desmentidas, a um tempo amigo e sócio dos Bush nos negócios de petróleo.