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A maioridade do F-X2

Cosme Degenar
Diretor de Redação da Revista Defesa Latina
degenar@terra.com.br

 


No início dos anos 1990, o Estado-Maior da Aeronáutica(EMAER), identificou a necessidade de substituir o caça principal que a Força Aérea Brasileira (FAB) operava, já ameaçado pela longevidade. O Projeto F-X foi então concebido com a finalidade de adquirir um interceptador moderno para emprego imediato.  Várias indústrias se interessaram pela requisição da FAB, mas a concorrência acabou cancelada.

Em pouco tempo, o ciclo operacional do antigo vetor da FAB esgotou-se, levando a instituição a comprar um caça da Força Aérea da França para preencher a lacuna – o Mirage 2000C/B (2005), do qual foram adquiridas 12 unidades.

A necessidade na FAB continuou em aberto, pois os jatos franceses tinham vida útil curta. A concorrência foi então relançada em 2008, agora como F-X2, atraindo novas propostas. Do antigo projeto FX, orçado em US$ 700 milhões, saltou-se para gastos previstos em até US$ 4 bilhões para aquisição de caças de superioridade aérea, compreendendo transferência total de tecnologia e até licenciamento para produção da aeronave no Brasil e exportação para o mercado sul-americano.

O novo projeto, que ganhou o nome de F-X2, tornou-se tão grande e ambicioso que passou a ser chamado de “a compra da década”. Mas, de novo, o procedimento licitatório não chegou ao fim.

Concluídas as avaliações, dois modelos de caça usados, mas com excelentes horizontes de operação, foram classificados para a disputa final, juntamente com um projeto de jato militar a ser desenvolvido: o norte-americano F/A-18, da BOEING, e o francês Rafale, da DASSAULT, no primeiro caso; e o Gripen NG (New Generation), da sueca SAAB, no segundo. Em setembro de 2009, o presidente da República anunciou o Rafale como o modelo de caça preferido do governo. Esclareceu que a concorrência continuaria com os exames dos detalhes técnicos, mas que a decisão final seria exercida como prerrogativa do chefe do Executivo – ele próprio –, dada sua natureza político-estratégica. Entretanto, a anunciada preferência não vingou, e o processo continuou em aberto para a nova administração presidencial, que decidiu reiniciar a avaliação dos caças em janeiro de 2011.

A FAB continua a necessitar, com urgência, de um novo interceptador. Desde o início, a ideia era comprar o caça para emprego imediato, sabendo-se que, definido o vencedor, costuma ser necessário pelo menos mais um ano para consolidar as negociações. O novo jato militar deverá entrar em operação na FAB em 2014-2015. Antes disso, só solução de improviso. Se o governo decidir desenvolver um novo caça, certamente o prazo será bem maior.

A seguir, um resumo das contribuições dos três países que participam do F-X2 na aviação militar brasileira.

ESTADOS UNIDOS


Trata-se da nação com a economia mais desenvolvida do mundo. No início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) socorreu os Aliados com o programa Lend-Lease (Lei de Empréstimos e Arrendamento).

Em dezembro de 1941, entrou na guerra ao sofrer o ataque surpresa do Japão em Pearl Harbor, emergindo da guerra como superpotência. Membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), responde por mais de um terço dos gastos militares do mundo.

De acordo com a UNESCO, é o segundo país com o maior número de instituições de ensino superior no mundo e líder em pesquisa científica e em inovação tecnológica.

Desenhou um modelo de educação e formação profissional de alta qualidade, mantendo acordos de intercâmbio científico e cultural com muit países. Em parceria com o Programa Ciência sem Fronteiras, iniciativa do governo brasileiro que busca promover a internacionalização do país em ciência e tecnologia, inovação e competitividade por meio de intercâmbios para alunos de graduação e pós-graduação, os EUA oferecem estágios em suas comunidades científicas.

É o segundo país que mais recebe estudantes bolsistas brasileiros nas várias áreas de prioridades.

A história do país na aviação mundial remonta ao ano de 1903, quando realizou a primeira decolagem não autônoma de aeronave mais pesada que o ar.

É dono da maior indústria aeroespacial do planeta. Quando se fala em mercado aeroespacial, não se imagina de imediato o expressivo número de empresas fornecedoras de partes e componentes que compõem este setor no mundo. A Boeing foi a principal incentivadora da criação dessa cadeia de fornecedores fora dos EUA. O Canadá, por exemplo, tem hoje cerca de 400 empresas na área e conquistou boa demanda em nichos específicos, a partir da estratégica política inicial da Boeing, que ajudou também outros países da Europa e da Ásia.

Na aviação das Forças Armadas do Brasil, a participação norte-americana data do início do século XX. Em 1916, a indústria Curtiss forneceu os primeiros aerobotes de instrução para a então recém-criada aviação da Marinha do Brasil.

Em 1932, a Boeing forneceu caças Boeing F4B-4 para a aviação do Exército Brasileiro. Nessa área, a relação entre os dois países ganhou maior intensidade no período de organização da Força Aérea Brasileira (FAB), a partir de 1941.

Anos depois, os EUA foram a terceira nação a fornecer caças ao Brasil. Algumas vezes, entretanto, a interação comercial bilateral foi marcada por barreiras impostas pela rigorosa legislação dos EUA para cessão de materiais de alto teor tecnológico incorporado.

Os países que operam caças estadunidenses não têm acesso aos códigos-fontes dos aviões.

O F-X2 pleiteia acesso aos conhecimentos de ponta do jato militar que venha a adquirir.

No F-X2, a Boeing oferece compensações de contrapartidas para auxiliar a engenharia brasileira a criar condições técnicas e obter acesso à inteligência do caça por meios próprios. Recentemente, a empresa anunciou a intenção de criar um centro de pesquisas científicas e tecnológicas, a Boeing Research & Technology- Brazil para desenvolver de forma conjunta conhecimentos de ponta na área aeroespacial.

“A Boeing é definida por sua excelência tecnológica, e estabelecer a Boeing Research & Technology no Brasil trará novas ideias e processos inovadores para a nossa empresa”, declarou Donna Hrinak, presidente da Boeing do Brasil desde setembro de 2011. “Mas também fortaleceremos nossa relação com a comunidade de P&D do Brasil, de forma a aumentar a capacidade do país para atingir suas metas de desenvolvimento econômico e tecnológico”.

Não há como negar a relevância estratégico-tecnológica do F/A-18, bem como as contribuições da Boeing na cadeia de fabricantes de aeroestruturas mundo afora. Entretanto, o mercado comenta que é ilusório acreditar que os EUA abrirão exceção que permita a transferência das tecnologias embarcadas no caça norte-americano. Nesse aspecto, a história brasileira registra exemplos. No mais recente, o Pentágono negou-se a colaborar com um projeto sobre um míssil antirradiação desenvolvido em São José dos Campos; a colaboração ocorreria na cessão dos segredos da antena do artefato.

O pedido foi feito visando encurtar etapas do projeto. Com a negativa, os engenheiros brasileiros debruçaram-se sobre o desafio e obtiveram o conhecimento que desejavam

FRANÇA

É o maior país da União Europeia em área e a terceira maior nação do Velho Mundo, atrás de Rússia e Ucrânia. Potência mundial, exerce forte influência econômica, política, cultural e militar em nível global. Sua história de liderança e hegemonia na Europa teve início no século XVII, ao constituir o segundo maior império do mundo, dividido em territórios da América do Norte, África Central e Ocidental, Sudeste Asiático e ilhas do Pacífico. Exibe alto nível de escolaridade pública e desenvolvimento científico-tecnológico.

Terceiro maior orçamento militar do mundo, terceira maior força militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e maior exército da União Europeia, a França registra participação em guerras que remontam a passado muito distante. Hoje, mantém um efetivo militar da ordem de 360 mil homens e mulheres. É autossuficiente no atendimento material de suas Forças Armadas

Sua economia é impulsionada por 2,5 milhões de empresas públicas e privadas. No segmento aeroespacial, tem uma indústria forte e consolidada, liderada pelo consórcio europeu Airbus. Mantém bases de lançamentos de satélites próprias. É considerada um dos maiores centros culturais do mundo. Membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, é tida como o país com um dos melhores índices de qualidade de vida do planeta.

Sua participação na economia brasileira é forte. Dados da Embaixada da França indicam que as empresas francesas instaladas no Brasil geram cerca de 450 mil empregos diretos. Nos programas de intercâmbio do CAPES, do Ministério da Educação, a França recebe o maior número de estudantes bolsistas do Brasil (cerca de 1.500 por ano). Nessa condição, os estudantes são incluídos gratuitamente no sistema de saúde francês. O país se comprometeu a receber, por ano, 10 mil estudantes brasileiros a mais pelo Programa Ciências sem Fronteiras. Nas relações franco-brasileiras, o intercâmbio acadêmico é praticado há décadas. Muitas gerações de engenheiros do ITA fizeram pósgraduação na França.

Com vocação acentuada na atividade aérea, a França foi palco dos maiores eventos da história da aviação mundial no início do século XX. Sua relação com o Brasil, nesse campo, remonta àquele período quando forneceu aviões e instrutores de voo para a então recém-criada Escola de Aviação do Exército. Foi o segundo país a fornecer um jato militar à Força Aérea Brasileira. As recentes aquisições feitas pelo Brasil de helicópteros militares e do Mirage-2000 demonstram a relação positiva dos negócios entre os dois países na aviação militar.

O consórcio Rafale propõe amplo programa de compartilhamento tecnológico e cooperação industrial e acadêmica com a indústria e instituições de pesquisa brasileiras.

Segundo informações do consórcio, o Rafale é um avião de combate maduro, em condições de evoluir para uma variante exclusiva futura, através da cooperação tecnológica e industrial.

A transferência de tecnologias e a abertura dos códigos-fontes do caça são oferecidas à Força Aérea Brasileira.

Até recentemente, o Rafale tinha operação restringida apenas às Forças Armadas da França.

Nos últimos meses, a Dassault conquistou um dos maiores contratos do mercado militar, para fornecer à Índia 126 unidades do Rafale, por mais de US$10 bilhões de dólares (contrato ainda pendente de formalização).

SUÉCIA

Localizada na Península Escandinava, a Suécia chegou a conquistar territórios e formar um império, que foi perdido entre os séculos XVII e XIX. A metade oriental da Suécia, formada hoje pela vizinha Finlândia, foi conquistada pela Rússia em 1809. Embora de tradição guerreira, a Suécia viveu seu último conflito armado em 1814, quando pressionou a Noruega para formar uma aliança e criar o Reino da Suécia e Noruega, união que durou quase um século.

Desde então, adotou a política de neutralidade em tempos de guerra, posição que manteve nos dois grandes conflitos mundiais do século XX e no período da Guerra Fria. Hoje, suas Forças Armadas atuam em manobras conjuntas da OTAN e cooperam com outros países europeus em tecnologias de defesa. Também exporta armamentos. Recentemente, a Suécia participou de operações no Afeganistão, e na Líbia ainda sob o comando da OTAN, e de missões de paz da ONU no Kosovo, Bósnia e Herzegovina e Chipre.

A Suécia constitui uma das democracias mais antigas e consolidadas do mundo e sua economia é desenvolvida. Integrante da União Europeia, tem tradição no comércio. O setor de engenharia do país responde por cerca de 50% da produção e das exportações, resultado do talento de seus inventores.

Sua estrutura econômica é sustentada por indústrias intensivas em conhecimentos de ponta. Mas também tem uma das mais elevadas cargas tributárias do planeta, que o governo compensa com contrapartidas sociais, inclusive educação e saúde de qualidade.

Do portfólio industrial sueco, a SAAB, fabricante do Gripen, é expoente do ramo da construção aeronáutica. Fundada em abril de 1937, com base numa decisão do Parlamento de que o país deveria ter sua própria capacidade nesse setor, desde então se revelou uma indústria sintonizada com a inovação.

A empresa atende aos mercados interno e de exportação e tem histórico de mais de 4 mil aeronaves produzidas de variados modelos. No setor de defesa, fabrica e exporta uma diversificada gama de equipamentos, inclusive para as Forças Armadas brasileiras.

Segundo o marketing do Gripen, o Brasil é um parceiro comercial importante para a Suécia.
São Paulo é considerada a principal cidade industrial sueca no exterior, embora os mercados prioritários do país escandinavo sejam Europa, Ásia e Estados Unidos. As diversas indústrias suecas instaladas no Brasil empregam cerca de 50 mil brasileiros. Regularmente, comitivas do país escandinavo visitam o Brasil.

Poucos meses atrás, Marcus Wallenberg, chairman da Investor e acionista de empresas suecas; Hakan Buskhe, principal executivo da SAAB; e Per Westerberg, presidente do Parlamento sueco, estiveram em Brasília e em São Paulo, tratando de negócios em encontros com autoridades brasileiras e reforçando lobby pelo Gripen.

A Suécia mantém parques de ciência e investe maciçamente em P&D e inovação tecnológica.

No âmbito do Programa Ciência sem Fronteiras, apresenta a menor contribuição em termos de intercâmbio com o Brasil, recebendo o menor número de estudantes bolsistas brasileiros.

Em maio de 2011, a SAAB criou em São Bernardo do Campo, região do ABC paulista, o Centro de Pesquisa e Inovação Sueco-Brasileiro (CISB), a fim de incrementar acordos de cooperação em ciência, inovação e tecnologia entre os dois países. O modelo de operação do CISB é o mesmo dos parques de ciência suecos – laboratórios de P&D das indústrias, universidades, institutos de tecnologia, empreendedores e investidores de capital de risco atuam na colaboração. A SAAB pretende financiar, juntamente com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia, 100 bolsas para alunos brasileiros na Suécia. Na primeira chamada, pretende aprovar 30 bolsas para pesquisadores plenos, doutorandos e pós-doutorandos.

No campo dos materiais de defesa, a Suécia é uma antiga colaboradora do Exército e da Marinha. Na aviação militar brasileira, entretanto,não tem tradição de fornecimento a não ser o radar aéreo ERIEYE, fornecido pela então ERICSSON, agora SAAB no E99 do SIVAM.

O Gripen também tem críticos e simpatizantes. Uma das críticas diz que o caça tem limitação de alcance e não seria adequado a países com extensas dimensões geográficas. A SAAB rebate, alegando que o caça tem raio de ação perfeitamente adequado ao Brasil e realça que seu custo  de operação é menor comparativamente aos jatos bimotores; o Gripen é monoturbina.

Outra crítica diz respeito à impossibilidade de ser empregado de imediato pela FAB, porque esse caça é um projeto.

Um problema levantado é sua dependência de tecnologias norte-americanas em motorização e sistemas inteligentes embarcados. Segundo a SAAB, a Suécia tem total autonomia para abrir os códigos-fontes do caça para a FAB e transferir suas tecnologias à indústria brasileira: “A FAB poderá manter e integrar seus próprios sistemas de armas de forma absolutamente autônoma e independente”.

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