O presidente Barack Obama ameaçou ontem intervir militarmente na Síria, caso o regime de Bashar Assad faça uso de suas armas químicas ou biológicas. Foi a primeira vez que Obama falou abertamente sobre a possibilidade de usar a força contra Damasco, indicando que um eventual cenário envolvendo armas de destruição em massa de Assad não será tolerado pelos EUA.
O presidente americano mencionou dois riscos envolvendo esse armamento irregular sírio: o uso por parte das forças de Damasco ou a possibilidade de os arsenais caírem nas mãos de grupos radicais islâmicos.
"Deixamos muito claro ao regime Assad, e também a outros atores no terreno, que o limite para nós é a possibilidade de vermos um monte de armas químicas sendo transportadas e usadas", afirmou Obama em entrevista coletiva. "Isso mudaria meu cálculo. Não podemos ter uma situação na qual armamento químico ou biológico caia nas mãos das pessoas erradas."
Ainda segundo o presidente, um cenário desse tipo não representaria apenas uma ameaça aos EUA, mas também a "aliados na região, como Israel". Obama, entretanto, reforçou que, até o momento, está "totalmente confiante" de que o armamento clandestino de Assad está bem guardado e não será usado.
Segundo grupos de oposição, confrontos entre rebeldes e forças de Assad deixaram mais de 100 mortos ontem, em meio ao encerramento do feriado de Ramadã. Os confrontos voltaram a se intensificar na cidade de Alepo, centro financeiro do norte do país, e nos subúrbios de Damasco.
Articulação. Do outro lado do Atlântico, o governo da França indicou que quer abrir negociações com a Rússia para aplicar sanções econômicas que estrangulem e abreviem o regime Assad. A revelação foi feita pelo ministro das Relações Exteriores, Laurent Fabius, que ontem descartou a possibilidade de fornecer armas aos rebeldes em luta contra o Exército em Alepo.
A estratégia envolveria um cerco capaz de minar a saúde financeira do governo sírio, que supostamente gasta € 1 bilhão por mês na repressão aos rebeldes.
A guerra civil na Síria foi o centro de interesses do governo de François Hollande no retorno às atividades após duas semanas de férias dos líderes europeus. À tarde, o presidente recebeu no Palácio do Eliseu o novo interlocutor das Nações Unidas, Kakhdar Brahimi, que o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan.
No encontro, realizado a portas fechadas, Hollande teria ressaltado o envolvimento da França na resolução do conflito, em busca de "uma Síria livre, democrática e respeitosa dos direitos de cada uma das comunidades". Mas o presidente francês descartou a possibilidade de armar os rebeldes sírios. "A única saída política é a partida de Assad", argumentou, sem detalhar sua estratégia.
O chanceler francês explicou como a queda de Assad será perseguida pela Europa, sublinhando que, por enquanto, a opção militar não está sendo considerada. Suas declarações esfriaram a verborragia da sexta-feira, quando o ministro do Exterior disse à imprensa que o regime precisava cair imediatamente e acrescentou que o presidente sírio "não merecia estar na Terra".
Rússia. Em entrevista à Rádio RTL, de Paris, Fabius indicou que a estratégia passa pela aproximação com a Rússia. "Nós vamos tentar apertar o pescoço do regime por todos os canais possíveis", adiantou. "Em especial, há um canal que parece paralelo, mas não é: o canal financeiro."
Segundo o chanceler, o regime de Assad precisa de € 1 bilhão por mês para financiar suas operações militares de repressão aos rebeldes. "Ele tem cada vez menos reservas. Nós contamos que ainda existam apenas por alguns meses, salvo se houver apoio da Rússia e do Irã. É por essa razão que nós teremos de discutir o assunto, ao menos com a Rússia."
Na mesma entrevista, Fabius voltou a descartar a hipótese de fornecer armas à insurgência, em especial pelo receio de que caiam nas mãos de grupos extremistas minoritários que apoiam a revolução. "Há países que dão armas ao regime, como a Rússia e o Irã. Há países que dão armas à oposição, essencialmente países árabes", disse, argumentando que a União Europeia impôs um embargo de venda e ao fornecimento de artefatos à Síria, qualquer que seja o lado em conflito.
Fabius receberá hoje em Paris o presidente do Conselho Nacional Sírio, Abdel Basset Sayda.
A urgência em resolver a crise política e humanitária da Síria se tornou ainda maior depois que o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Ahmet Davutoglu, afirmou na manhã de ontem que não poderá aceitar mais de 100 mil refugiados sírios em seu país. Até agora, 70 mil pessoas já estariam abrigadas no país. "Se o número de refugiados chegar a isso, nós não poderemos abrigá-los", afirmou ao jornal turco Hürriyet.
"Nós deveremos acolhê-los em território sírio", completou, sugerindo que a ONU intervenha no interior das fronteiras do país, em uma zona desmilitarizada.