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Exército corta aula de guerra antiga e foca no terrorismo e conflito em cidades

Tahiane Stochero
 

A formação dos jovens que ingressam no serviço militar está sendo reformulada com base nas mudanças estruturais e de atuação do Exército brasileiro.

A Estratégia Nacional de Defesa (END) elenca ensino e doutrina como pontos fundamentais para que futuros combatentes adquiram uma visão múltipla e estejam preparados para atuar não apenas em situações de guerra, mas em missões de paz e de ajuda humanitária.

A revisão do aprendizado também leva em conta novos armamentos e tecnologias que a Força planeja adquirir.

Foram ouvidos oficiais e praças das mais diversas patentes – da ativa e da reserva -, além de historiadores, professores e especialistas em segurança e defesa. O balanço mostra o que está previsto e o que já foi feito em relação a fronteiras, defesa cibernética, artilharia antiaérea, proteção da Amazônia, defesa de estruturas estratégicas, ações de segurança pública, desenvolvimento de mísseis, atuação em missões de paz, ações antiterrorismo, entre outros pontos considerados fundamentais pelos militares.

O ensino nas escolas militares, antes voltado para a guerra convencional entre Estados (cada vez mais rara desde a Segunda Guerra Mundial), sofre reformulações e incorpora aprendizados obtidos em operações realizadas com diversos órgãos nas áreas de fronteira e nas missões de Garantia da Lei e da Ordem (como é denominado o uso de tropas em segurança pública), como greves das polícias e ocupação de morros do Rio de Janeiro.

“O Exército é sempre o mesmo, mas a realidade muda. A América do Sul é uma região pacífica, mas não podemos abrir mão de que eles [jovens militares] aprendam como atuar em grandes combates de guerra convencional", diz o general Fernando Vasconcellos Pereira, diretor do Departamento de Educação e Cultura do Exército.

"Em 2012, começamos a reduzir a carga horária de aulas sobre guerras da antiguidade e clássicas, tentando trazer isso mais para a nossa realidade, com os conflitos modernos, como Iraque, Afeganistão, guerra ao terror. O mundo agora é outro”, acrescenta o general.

“Não entramos em nenhuma ação sem preparação específica. Seja para ocupar o morro do Rio de Janeiro ou para enviar tropas para a missão de paz no Haiti, nos dedicamos para isso. E, no nosso ensino, o que é vivenciado nas ruas passa a fazer parte do dia a dia”, garante.

Para o capitão Flavio Américo, que liderou, por um ano, um grupo de observadores da ONU que monitorava o conflito no Sudão e também comandou tropas durante o emprego do Exército em morros do Rio de Janeiro, nas eleições de 2008, o Exército ainda está aprendendo a atuar perto da população.

"A preparação que eu tive, tanto para atuar na segurança do Rio quanto para a missão de paz, foram excelentes. Somos treinados para essas situações", diz o oficial, com ponderações.

"Mas a formação que temos é voltada para a guerra, no modelo de combate convencional e com armamento pesado, como canhões. Hoje, o conflito é entre a população, com um inimigo não definido, com armas e equipamentos diferentes e com uma grande atuação interagências. Nesse tipo de guerra é fundamental o apoio da população. O choque entre as forças é, na realidade, um confronto de vontades para ter a população a seu lado”, defende o capitão.

Segundo o general Fernando Vasconcellos, da diretoria de ensino do Exército, houve, em todas escolas militares, o incremento do ensino de novas tecnologias, guerra cibernética, inteligência, missões de paz e terrorismo. "O nosso oficial e praça, hoje, sai formado disciplinarmente, sabendo atuar em vários tipos de operações”, garante.

Serviço militar obrigatório

Ao contrário da Marinha e da Aeronáutica, que realizam concursos para praças de baixa patente, o Exército não conta com soldados profissionais. A maioria dos jovens ingressa na Força através do serviço militar obrigatório, aos 18 anos. O tempo máximo de permanência é de oito anos, e o pedido para continuar sendo militar é feito anualmente.

Com isso, o Exército perde soldados que receberam pesados treinamentos e que acabam contratos por multinacionais e por empresas de segurança. Nos últimos oito anos, o corte de recursos para a Defesa diminuiu em quase 50% o número de vagas para o serviço militar. Em 2004, eram 117.779 vagas disponíveis, reduzidas para 61.430, em 2012.

Segundo dados do Exército, mais de 92% dos jovens convocados são voluntários, que recebem aulas de tiro, de sobrevivência na selva, cumprem tarefas de limpeza do quartel e ganham R$ 500 por mês.

“Eu quero ser militar porque é algo de família. Meus avós seguiram carreira, eu quero fazer o mesmo. Quero ter uma vida independente, sem ajuda de pai ou mãe, e não precisar correr atrás de emprego”, diz o estudante Ronan Ferreira de Lima, de 18 anos.

Filho de empresários do interior de São Paulo, Ronan compareceu à Junta de Serviço Militar em Santo Amaro em 30 de abril, último dia disponível para o alistamento militar neste ano.

“Eu acho que [servir] ajuda psicologicamente a ter determinação. Eu não tenho medo das dificuldades, de serem carrascos. Não me importo com isso, não”, acrescenta ele.

Só na capital paulista, 98 mil jovens se alistaram em 2012. Apenas 1,2 mil serão convocados, segundo o tenente Nelson Paravani, coordenador das juntas de serviço militar de São Paulo.

“Eles chegam nas juntas, apresentam os documentos e fazem o alistamento, dizendo se é ou não voluntário. Isso é obrigatório, segundo nossa Constituição. A maioria que quer servir é de nível escolar baixo. Por isso, selecionamos os melhores”, diz Paravani.

Os jovens que são dispensados devem prestar juramento à bandeira brasileira, afirmando que, em caso de guerra, ajudarão a defender a Pátria. Quem já está fazendo faculdade é chamado para o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), em que recebe, durante meio turno, instruções militares básicas para comando.

O tenente diz que o alistamento militar pela internet será testado, no próximo ano, como forma de diminuir as longas filas durante o período e a espera dos jovens para apresentar documentos e saber o resultado.

“A partir de 2013, pretendemos que o processo seja feito pela internet, através do site da prefeitura. Será um piloto que o Exército testará primeiro em São Paulo. A forma é semelhante ao agendamento para inspeção veicular: o jovem escolhe a data e o horário para comparecer e evita os tumultos”, diz o oficial.

O estudante Igor Pedro Santos começou a servir em um quartel no Rio de Janeiro em março deste ano. Voluntário, ele comemora a convocação. “Tenho três irmãos que trabalham e não quiseram servir. O sonho do meu pai sempre foi ter um filho militar e eu, desde pequeno, gosto disso. Minha família me apoia”, diz.

“Vida de militar não é mole, não. Tem que gostar para conseguir chegar longe. Passei muita dificuldade nos treinamentos, mas lembrava que minha família torcia por mim e não desisti”, afirma o jovem ao relembrar de rastejamentos, de comida escassa e das longas marchas no curso de preparação para ser soldado.

A lei que trata do serviço militar no país é de 1964 e obriga que todo homem, ao completar 18 anos, apresente-se a uma Junta de Serviço Militar em sua cidade para o alistamento.

Como o número de vagas é pequeno, um dos objetivos da Estratégia Nacional de Defesa (END), promulgada em 2008, é promover mudanças na legislação para “tornar o serviço militar obrigatório realmente obrigatório”. No futuro, segundo a END, os dispensados do serviço militar deveriam ser usados em um serviço civil, “de preferência em uma região do país diferente da que vivem”.

No entanto, na reformulação do texto, que foi entregue em julho deste ano pelo Ministério da Defesa ao Congresso e que ainda precisa ser aprovado, o trecho foi retirado. A nova versão diz apenas que, “como o número dos alistados anualmente é muito maior do que o número de recrutas", eles serão selecionados de acordo com “o vigor físico, a aptidão e a capacidade intelectual”.

Segundo o general Walmir Almada Schneider Filho, que trata dos projetos da END no Exército, ainda não há nenhuma definição sobre mudanças. "O serviço militar é obrigatório só no nome, porque mais de 90% dos nossos soldados são voluntários. O que queremos é melhorar o nível de profissionalização desse jovem, que terá que atuar com novas tecnologias e inteligência nos próximos anos. Dizem que o nível do nosso soldado é muito baixo. Mas ele é o extrato da sociedade", afirma.

Transformações internas

Em 2011, o Exército incorporou a primeira tenente mulher de descendência indígena. Natural da terra Waiãpi, localizada no município de Mazagão (AP), Silvia Nobre Lopes, de 36 anos, é fisioterapeuta e atua no Rio de Janeiro.

Quando criança, Silvia ficava triste por não poder hastear a bandeira nacional. “Jurei para mim mesma que ainda faria isso”, diz a oficial. “Sempre ouvia que, como indígena, eu era o verdadeiro brasileiro. Mas a realidade era diferente”, relembra.

A tenente foi vítima de uma tentativa de estupro, na adolescência, e precisou fugir do agressor.

“Decidi que aprenderia a correr e me tornei uma atleta”, afirma sobre a decisão tomada após o episódio. Durante uma competição, foi observada por treinadores do Vasco da Gama e recebeu uma bolsa para estudar fisioterapia na capital carioca. Ela prestou concurso para oficial temporário e se formou em 2011, ingressando no Exército.

“Para mim, hastear a bandeira agora, no Hospital Militar, e ainda ajudar na reabilitação das pessoas são dois sonhos realizados”, diz.

Para Silvia, a presença de indígenas nas Forças Armadas, apesar de ainda incipiente, só tende a aumentar e a trazer benefícios. “Na Amazônia, os índios são os que melhores conhecem a selva, são preparados para aquele ambiente. Vários pelotões de fronteira usam indígenas como soldados no serviço militar obrigatório. Tenho muitos amigos índios que estão se formando e querem seguir carreira militar também.”

O Exército também aceitou, em 2012, o casamento de um oficial gay, que passou a morar com o companheiro. O major, que é médico e trabalha no Hospital Militar de São Paulo, não quis falar sobre o tema. Ao G1, o Centro de Comunicação Social do Exército diz estar ciente da cerimônia social de casamento do oficial, apesar dele não possuir registro civil do matrimônio nem de união estável.

“O Exército Brasileiro não discrimina qualquer de seus integrantes, em razão de raça, credo, orientação sexual ou outro parâmetro. O respeito ao indivíduo e à dignidade da pessoa humana, em todos os níveis, é condição imprescindível ao bom relacionamento entre seus integrantes e está alinhado com os pilares da Instituição: a hierarquia e a disciplina”, diz a nota.

DefesaNet

Série de matérias publicadas pelo Portal G1 de autoria da jornalista Tahiane Stochero

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