O Brasil está assumindo a presidência do Mercosul no momento mais delicado do grupo nos últimos 21 anos. A crise deflagrada em Mendoza, na Argentina, com a suspensão do Paraguai e a inclusão da Venezuela terá profundas consequências sobre o funcionamento do Mercosul nos próximos anos, cabendo ao Brasil administrar até dezembro os primeiros meses dessa situação inédita.
Os desafios e incertezas colocados pela ausência do Paraguai e pela presença da Venezuela com direito a voto darão à presidência do Brasil uma característica especial e bem distinta das exercidas até aqui.
No tocante aos temas econômicos e comerciais, herdados de reuniões anteriores, dificilmente poderão ser concluídas as conversações sobre inovação, integração produtiva, interligação de centros de pesquisa, a criação de uma agência de ciência e tecnologia, assim como o fundo de garantia de pequenas e médias empresas, criado em Mendoza, e a possível instalação de escritório regional de aduanas com sede no Rio de Janeiro.
O reinício das negociações com a Venezuela sobre a definição dos compromissos assumidos no Protocolo de Adesão terá prioridade. Foi constituído um grupo de trabalho com a Venezuela, que deverá concluir a definição dos prazos para a entrada em vigor da Tarifa Externa Comum, para a liberalização do comércio com os parceiros do Mercosul, para a incorporação dos regulamentos e normas aprovados pelo bloco ao ordenamento jurídico venezuelano.
Não menos importante, serão negociados prazos para a aceitação da nomenclatura de produtos do Mercosul (hoje a Venezuela aplica a nomenclatura do Grupo Andino), além da aprovação dos acordos comerciais firmados pelo Mercosul com o Egito e com a Autoridade Palestina e Israel, tendo em mente que Hugo Chávez rompeu relações com Tel-Aviv.
O grupo, a partir do último dia 12 de agosto, terá 180 dias, prorrogáveis por mais seis meses, para concluir seus trabalhos. A expectativa brasileira – aparentemente corroborada por declarações de Chávez – é de que o processo esteja concluído até o final do ano, já que o Protocolo de Adesão foi amplamente discutido até 2008. Novos prazos terão de ser ajustados e o governo de Caracas terá de tomar decisões políticas quanto à participação nos fundos do Mercosul, como o Focem (recursos para obras de infraestrutura), que deverá ser ampliado e revisado, e ao acordo com Israel, com relações rompidas pela Venezuela. Deverá também ser examinada a adesão da Venezuela ao Acordo de Alcance Parcial n.º 18, que incorpora o Tratado de Assunção à Aladi, base legal para que as preferências tarifárias concedidas pela Venezuela não se estendam aos demais países aladianos.
Talvez com o objetivo de atrair o setor privado, crítico do ingresso da Venezuela, deverá ser criado o Fórum Empresarial, que passará a reunir-se em paralelo aos encontros presidenciais do Conselho do Mercosul.
O Brasil terá de coordenar, durante a sua presidência, o ingresso de novo membro, visto que o Equador, convidado, já aceitou. A adesão da Bolívia, do Suriname e da Guiana deverá ficar para mais tarde. Nesse particular, certamente serão discutidos critérios mais flexíveis – a exemplo do que ocorreu com a Venezuela – para a incorporação de outros países ao bloco. Parece clara a intenção de ampliar o Mercosul para incluir todos os países sul-americanos, o que poderá coincidir com a composição da Unasul e propiciar a fusão de ambos.
A agenda externa do grupo, em sua nova composição – acordo com a União Europeia e o Canadá e a oferta da China de ser feito um estudo de viabilidade sobre um eventual acordo de livre-comércio com o Mercosul -, também deverá ser examinada, com poucas possibilidades de avanços por causa das barreiras protecionistas argentinas e das dificuldades da indústria brasileira.
O Mercosul entra decididamente em nova fase. Os temas políticos e sociais certamente serão ampliados (pacto social, cidadania, nova composição do Parlamento).
Menor país do Mercosul, o mais pobre e extremamente dependente da economia brasileira, o Paraguai não tem alternativa e não deverá abandonar o bloco. O Executivo paraguaio enviou ao Congresso o Protocolo de Adesão da Venezuela e ameaça tomar uma série de medidas de natureza política, como levar a decisão de suspendê-lo à Corte Internacional de Justiça de Haia, não ceder a energia gerada em Itaipu ao Brasil, conforme o tratado que regulou a criação da hidrelétrica binacional, aproximar-se dos EUA, cogitar do ingresso na Aliança do Pacífico (acordo entre Chile, México, Peru e Colômbia) e outras. Dificilmente, contudo, o governo de Assunção terá condições de levar a cabo essas bravatas nacionalistas, mais para consumo interno do que com intenção de criar uma crise com seus principais vizinhos.
No caso do rompimento do Tratado de Itaipu, que prevê a cessão da parte não utilizada dos 50% da energia que cabe ao Paraguai, além de não ter a quem vendê-la, pois não existem linhas de transmissão para a Argentina ou o Chile, o Brasil poderia reagir vigorosamente por ser um assunto de segurança nacional, uma vez que 20% da energia é consumida na área mais industrializada, no Sul e no Sudeste do País. O Congresso paraguaio, se rejeitar o ingresso de Chávez, criará uma situação que, a partir da sua reintegração ao Mercosul depois das eleições presidenciais, em abril de 2013, levará o país ao confronto com a Venezuela e os demais membros do Mercosul. O entendimento do governo brasileiro é que Assunção não poderá questionar as decisões tomadas pelo bloco no período de suspensão, em especial a adesão da Venezuela.
O grande desafio para o Brasil – agora, na presidência do Mercosul, e também no futuro – será administrar as frustrações e os ressentimentos do pequeno Paraguai.