Virgínia Silveira
Sete consórcios liderados por empresas brasileiras do setor de defesa e por empreiteiras que estão iniciando suas atividades neste segmento estão finalizando as propostas para disputa da primeira etapa do Sisfron (Sistema de Monitoramento das Fronteiras), projeto orçado em cerca de US$ 6 bilhões e coordenado pelo Exército Brasileiro para ser concluído em dez anos. As propostas serão entregues amanhã. O valor do negócio atraiu tradicionais empresas americanas e europeias do setor de defesa.
Segundo o Valor apurou, a Embraer fechou parceria com a Atech, Orbisat e AEL Sistemas. A fabricante brasileira de aviões tem participação na Atech (50%) e uma joint venture com a AEL. Ainda na área de tecnologia, o Instituto C.E.S.A.R (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife), empresa com 16 anos de atuação, e a nova brasileira SDS (Synergy Defesa e Segurança), que oficialmente será apresentada amanhã, estão definindo suas propostas separadamente.
Entre as grandes empreiteiras, aparecem a Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão. A Odebrecht terá ao seu lado uma das maiores companhias do mundo no setor, a europeia Cassidian, além da Mectron e da IACIT Soluções. A OAS se associou à italiana Finmecânica. O consórcio da Andrade Gutierrez tem a francesa Thales. A Queiroz Galvão vai para a disputa com a americana Northropp e a brasileira Flight Technologies.
Esta primeira etapa, de acordo com o Exército, consiste em um projeto piloto que contempla o monitoramento de aproximadamente 600 km de fronteira terrestre, na divisa do Estado do Mato Grosso do Sul com o Paraguai e a Bolívia. O vencedor da disputa poderá monitorar uma extensão de até 900 km nesta fase, em razão dos sensores, que contemplarão toda a área de responsabilidade do Comando Militar do Oeste.
O valor desta primeira licitação não foi informado. Segundo o Centro de Comunicação Social do Exército (Cecomcex), o valor depende das propostas a serem apresentadas pela empresas.
Previsto para ser implementado de forma gradual ao longo de dez anos, o Sisfron está orçado em cerca de R$ 11,9 bilhões. Vai monitorar uma área total de 16,8 mil quilômetros quadrados de fronteira seca, envolvendo dez países, onze Estados e 588 municípios brasileiros.
O objetivo do projeto é ampliar o monitoramento da Amazônia e assim permitir que a tomada de decisões e as ações sejam feitas de forma mais eficaz e integrada com as diversas Forças Armadas e policiais. O funcionamento integrado se dará com tecnologia de ponta vinda de satélites, sensores, radares de vigilância, sistemas de tecnologia da informação e comunicações, optrônicos e recursos de defesa cibernética.
A Atech, empresa que a Embraer comprou 50% do capital social em 2011, foi contratada pelo Exército em 2011 para fazer o projeto básico do Sisfron e definir de que forma será feito o trabalho de vigilância do território e os equipamentos que serão utilizados. O trabalho da empresa custou R$ 17,2 milhões.
O presidente da Embraer Defesa e Segurança, Luiz Carlos Aguiar, disse que a exigência de conteúdo nacional nesta licitação deverá ser superior a 60%, e que este será um dos principais diferenciais da proposta que será apresentada pela companhia. "O nosso modelo de empresa está baseado no desenvolvimento de tecnologia nacional e de soluções para o governo brasileiro que depois poderão se tornar uma plataforma competitiva de exportação", afirmou.
Graças ao desenvolvimento de projetos para as Forças Armadas Brasileiras e também às vendas internacionais do Super Tucano, a Embraer prevê fechar o ano de 2012 com um faturamento de R$ 2 bilhões, cerca de 23% superior ao registrado em 2011. "Nosso "backlog" [pedidos em produção] atual, de US$ 3,4 bilhões, mais que triplicou em relação ao número de 2006", ressaltou.
No primeiro trimestre deste ano, segundo Aguiar, a Embraer alcançou um crescimento de 32% na receita da área de defesa e segurança em relação ao mesmo período do ano passado. "Isso nos dá fôlego para investir em projetos e soluções e para ajudar no crescimento das nossas empresas adquiridas", comentou.
Aguiar destaca que 2012 tem sido um ano de concretização efetiva de negócios para a área de defesa. A modernização de aeronaves da Força Aérea Brasileira (caças F-5 e AMX), da Marinha (A-4), o desenvolvimento do novo avião de transporte militar KC-390, a prestação de serviços pela empresa Ogma, de Portugal e as vendas de Super Tucano realizadas este ano estão entre os principais projetos da área de defesa da Embraer em 2012.
Para o presidente da Cassidian Brasil, empresa que disputa a licitação do Sisfron sob a liderança da Odebrecht, Christian Gras, o Exército exige que 90% da produção dos equipamentos do projeto sejam feitos no Brasil. "A Mectron, que integra o nosso consórcio, é uma empresa 100% brasileira e está preparada para receber todas as tecnologias de interesse do governo brasileiro no Sisfron", afirmou.
Uma das gigantes mundiais em soluções e sistemas de segurança, a Cassidian pertence ao grupo europeu EADS, controladora também da Airbus. Com 28 mil funcionários, o grupo registrou receitas de € 5,8 bilhões em 2011. No Brasil, segundo Gras, a expectativa é de terminar o ano com um faturamento de € 100 milhões.
Parte do crescimento da empresa, segundo o executivo, será impulsionado por meio da joint-venture com a Odebrecht. Por conta das novas demandas do Brasil na área de defesa e segurança, a empresa tem planos de transformar o país em um dos três principais centros no mundo para o desenvolvimento de tecnologias.
Interesse das empreiteiras causa preocupação
nas entidades do setor
A entrada das grandes empreiteiras na área de defesa e a estratégia definida pelo governo para fortalecer o setor tem gerado dúvidas entre as entidades do setor. O diretor do departamento de Indústria de Defesa da Fiesp (Comdefesa), Jairo Cândido, disse que essas empresas, apoiadas nas tecnologias das suas parceiras internacionais, têm fôlego financeiro, mas precisam definir suas vocações, porque do contrário estarão apenas explorando oportunidades de negócios, colocando em risco os objetivos de capacitação e fortalecimento da indústria brasileira de defesa.
Segundo Cândido, de todas as empresas que decidiram explorar negócios na área de defesa, motivadas inicialmente pelo programa de reequipamento das Forças Armadas, apenas duas possuem base industrial no país: Embraer e Odebrecht, que adquiriu o controle da Mectron, fabricante de mísseis e de sistemas eletrônicos.
"Tem que haver uma regra para essas empresas entrarem e isso ainda não está claro. Os grandes grupos são bem vindos, mas precisam definir um nicho e instalar uma indústria correspondente no país", ressaltou. As vantagens tributárias e condições especiais para a compra e desenvolvimento de produtos de defesa no país oferecidas pela Lei 12.958, criada em março, segundo Cândido, só deveriam beneficiar as empresas que efetivamente se comprometerem em desenvolver conhecimento no Brasil.
Para o presidente da Abimde (Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança), Carlos Frederico Queiroz de Aguiar, a intenção do governo ao trazer as empreiteiras foi aliar a fortaleza econômica de grandes empresas nacionais ao "expertise" tecnológico de companhias brasileiras de menor porte na área de defesa e segurança, para interagir com grandes estrangeiras que agreguem as tecnologias necessárias aos projetos em curso.
"Esse modelo, se bem gerido, poderá fortalecer a capacidade nacional de absorção e desenvolvimento de tecnologias críticas no país", afirmou. O executivo lembra, no entanto, a importância de um fluxo contínuo de recursos ao longo de todo o cronograma dos programas para que não haja aumento dos custos e a evasão de recursos humanos. As empresas, na sua opinião, também não devem ter como meta apenas o mercado brasileiro, pois a demanda interna não será capaz de sustentar os altos custos de investimentos das empresas do setor.
Segundo Aguiar, a indústria de defesa brasileira tem potencial para exportar mais de US$ 7 bilhões nos próximos vinte anos. Já as vendas para o mercado interno foram estimadas em US$ 4,4 bilhões.
A Akaer, empresa especializada no desenvolvimento de aeroestruturas e em gestão de projetos para os setores aeroespacial e de defesa, é um exemplo do movimento que grandes grupos internacionais do setor tem feito para se estabelecer no mercado nacional. "Temos sido constantemente abordados por esse grupos e, mais recentemente, recebemos uma oferta do grupo francês Safran de comprar 80% do capital da Akaer, mas decidimos manter o controle da companhia, porque somos uma empresa estratégica para o governo brasileiro", afirmou o presidente da empresa, Cesar Augusto da Silva. Atualmente, segundo ele, 75% do faturamento da Akaer vem da área de defesa.
Para o executivo, quando surge uma oportunidade no país, as pequenas empresas ficam às margens do processo ou são absorvidas por grupos estrangeiros.