País já investiu R$ 400 milhões na empreitada. Plano de participar do mercado comercial de lançamentos é incerto.
A empresa binacional criada em 2007 por Brasil e Ucrânia para lançar satélites comerciais da base de Alcântara (MA) está caindo sem nunca ter decolado. Desde dezembro, a Alcântara Cyclone Space (ACS) não paga as empreiteiras que executam as obras do sítio de lançamento do foguete ucraniano Cyclone-4.
A empresa tem R$ 40 milhões em caixa e uma dívida de R$ 50 milhões com os construtores. Seu plano de negócios, que nem chegou a ser aprovado pelo conselho de administração, prevê que ela ficará deficitária por 20 anos.
E, mesmo assim, só vinga se conseguir fechar um acordo polêmico de proteção tecnológica que lhe dê acesso ao maior mercado de satélites privados, o dos EUA. "Pode ser que, por questão de recursos, o projeto tenha de dar uma parada para se rearrumar", diz o diretor brasileiro da ACS, brigadeiro Reginaldo dos Santos.
Ameaça de parar – Segundo o diretor ucraniano, Oleksandr Serdyuk, o consórcio formado por Camargo Corrêa e Odebrecht já cortou pela metade o número de operários nas obras em Alcântara. E disse que vai parar a construção se os pagamentos de R$ 30 milhões por mês não forem retomados. "Não vamos conseguir fazer o primeiro lançamento em 2013, como solicitado pelos governos", declarou Serdyuk.
Para que os planos de lançamento sejam mantidos, a ACS está pedindo mais R$ 802 milhões, metade vinda do governo brasileiro. Isso além de R$ 135 milhões que o Brasil já havia se comprometido a depositar neste ano e que foram cortados no ajuste fiscal feito pelo governo.
À presidente Dilma Rousseff, portanto, caberá decidir até setembro – mês em que a ACS não terá dinheiro para mais nenhum contrato – se joga fora os US$ 197 milhões que o País já investiu na empresa ou se injeta mais R$ 536 milhões no projeto.
Serdyuk e Santos ressaltam o caráter estratégico do projeto. "O Brasil, em três anos e por US$ 500 milhões, está recebendo um centro de lançamento e acesso ao espaço", afirma Serdyuk. "Acho que não custa o preço de um estádio de futebol no Brasil." "Não é um negócio em que se coloque a parte financeira em evidência", diz Santos.
Para o alto e avante – A perspectiva de ganhar dinheiro com lançamentos privados, porém, foi o mote usado pelo então ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral para convencer o presidente Lula a bancar o projeto da ACS. Em 2007, quando a empresa foi fundada, a previsão de capital era de US$ 105 milhões, e o primeiro lançamento estava previsto para 2010.
Especialistas já então alertavam que os custos eram irreais e o mercado, incerto. Amaral falava em seis ou sete lançamentos por ano, mas ninguém de fora da empresa jamais havia visto o plano de negócios da ACS.
Santos disse que a revisão do plano, que está sendo preparada, fala em cinco lançamentos por ano, no máximo. "O plano ficou economicamente muito marginal."
O brigadeiro afirmou, ainda, que a dívida com as empreiteiras brasileiras é "amigável" e que os contratos com as empresas ucranianas estão sendo cumpridos. Ele atribui a escalada nos custos e a demora ao fato de a ACS ser um projeto de desenvolvimento. "Não é um pacote fechado."
As contas da empresa até hoje são mantidas fora do escrutínio público. Por se tratar de uma binacional, o Tribunal de Contas da União (TCU) não pode auditá-la. "Não estou preocupado com o TCU. Tem de passar por mim primeiro", disse Santos.