Se você já viu algum filme de ação, deve conhecer o clichê: é o do fornecedor de armas para as Forças Armadas, geralmente uma megacorporação com interesses mesquinhos, que não se importa em arriscar a segurança da população para vender tecnologias perigosas, envoltas em projetos secretos.
Giovani Thibau já viu produções do gênero, mas sua empresa, a TechBiz Forense Digital, não poderia estar mais distante desse lugar-comum. Criada em 2005, a companhia prevê atingir uma receita de R$ 25 milhões neste ano – bem distante dos conglomerados bilionários da ficção – e seus contratos com o Exército brasileiro não têm nada de secretos. Os negócios, que começaram há dois anos, com acordos cujos valores variavam entre R$ 100 mil e R$ 250 mil, hoje chegam a R$ 4,6 milhões.
Como a TechBiz, outras empresas relativamente jovens e centradas em tecnologia – e não em armamentos – estão encontrando espaço para negociar com as Forças Armadas. O movimento cresce à medida que os requisitos de segurança também migram do mundo analógico para o digital, onde é preciso defender um novo tipo de fronteira, a do ciberespaço, sem descuidar das tarefas militares tradicionais.
"Esse é só o começo", diz Thibau, cofundador e diretor executivo da TechBiz, sobre as perspectivas de fornecimento futuras para os militares brasileiros. O pano de fundo é a retomada dos investimentos do governo em programas de reaparelhamento das Forças Armadas. Atualmente, estão em andamento projetos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que vão do desenvolvimento de mísseis até a instalação de sistemas de vigilância de fronteiras, passando pelo lançamento de satélites geoestacionários, a compra de veículos aéreos não tripulados e a defesa cibernética. Todos, praticamente, requerem algum tipo de conhecimento disponível em empresas brasileiras.
Só no reaparelhamento das Forças Armadas, a estimativa do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia do Instituto de Economia da Unicamp (NEIT-IE) é de que até 2020 sejam investidos, em média, R$ 6 bilhões por ano. "A defesa é um dos vetores para o crescimento da economia", afirmou recentemente o general Aderico Visconde Pardi Mattioli, do Ministério da Defesa, em visita ao polo de eletroeletrônica de Santa Rita do Sapucaí, no interior de Minas.
A viagem de Visconde, da Secretaria de Produtos da Defesa, visava identificar potenciais fornecedores de software para redes de comunicação, sistemas de rastreamento e localização etc.
São áreas que interessam diretamente à Dígitro. A companhia, que há mais de 30 anos atua na área de segurança pública, firmou recentemente uma parceria com a Israel Aerospace Industries (IAI), uma das maiores fabricantes daquele país, para criar produtos para defesa. O primeiro resultado é um sistema para monitorar sistemas de vigilância que pode ser usado no controle de fronteiras e em grandes eventos.
Segundo Marco Arie, diretor da IAI para América Latina, toda a tecnologia foi transferida para a Dígitro, que também adicionou recursos próprios. A previsão é fazer o mesmo em projetos futuros. "Estamos começando as conversas com as Forças Armadas", diz Geraldo Faraco, presidente da Dígitro. A disputa, diz o executivo, não será fácil: diversas companhias têm interesse em disputar as mesmas oportunidades.
Um decreto presidencial de 2008, a Estratégia Nacional de Defesa, favorece companhias nacionais como a Dígitro, ao estipular a preferência de compra de tecnologias desenvolvidas empresas brasileiras sempre que elas estiverem disponíveis. Foi esse mecanismo que tornou possível a compra de um sistema antivírus da BluePex, e do simulador de guerra cibernética de outra brasileira, a Decatron, no fim do ano passado. As licitações somaram R$ 6 milhões.
Ao vender produtos para a área militar, as empresas não só ganham um novo cliente, como se beneficiam da possibilidade de melhorar seus produtos para o mercado civil. A BluePex incorporou uma série de recursos criados com o Exército na nova versão de seu antívírus, que será lançada em maio. O produto vai ganhar até novo nome: AVware Defesa BR. "O Exército acaba funcionando como uma vitrine muito importante para conquistar a confiança dos clientes", diz Jefferson Penteado, presidente da companhia.
Na avaliação de Rodrigo Acioli, analista do Departamento de Institutos de Pesquisa em Áreas Estratégicas da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o desenvolvimento de tecnologias nacionais é importante para evitar problemas de suprimento e no uso de determinados sistemas, além de melhorar as negociações com fornecedores internacionais. "Quando você tem tecnologias próprias, o nível das discussões muda", afirma o especialista.
A independência tecnológica também pode ter efeitos positivos na exportação. Pelas regras internacionais, se uma empresa brasileira criar um tanque e usar sistemas desenvolvidos em outros países, o fornecedor pode impedir a venda do veículo brasileiro para nações com os quais seu próprio país tenha restrições na área de defesa.
Nos últimos anos, a Finep definiu as áreas de defesa e segurança pública como parte de seus alvos principais. Um dos projetos patrocinados foi um sistema de navegação robótica que pode ser usado em aviões, submarinos e até carros não tripulados, em desenvolvimento pela Mogai Tecnologia. "A ideia já existia, mas sem esse recurso [R$ 1,86 milhão], nunca teríamos apostado no desenvolvimento, por conta do custo", diz Franco Machado, fundador Mogai. A tecnologia começou a ser vendida a empresas no ano passado. Entre os clientes está a Petrobras. A expectativa é testar o sistema com um carro sem motorista em 2013.