Ivo Ribeiro e Francisco Góes | De São Paulo e do Rio
Os sócios do Estaleiro Atlântico Sul (EAS) estão envolvidos em um intrincado jogo de xadrez que envolve dois movimentos simultâneos, vitais para a sobrevivência do negócio. Um deles é a entrada do novo sócio estratégico, após a saída da coreana Samsung, negociação que está mais avançada com as japonesas Mitsui, associada à IHI, e Mitsubishi. Dois outros grupos estão no páreo: um estaleiro polonês e outro de origem coreana. O segundo movimento passa pela renegociação do prazo – fixado até 2016 – de entrega dos 22 petroleiros encomendados pela Transpetro em um pacote de R$ 7 bilhões.
Apenas o João Cândido, o primeiro de um lote de dez navios tipo Suezmax encomendados por R$ 2,75 bilhões, tem atraso de um ano e meio. Teria que ter sido entregue em setembro de 2010, mas até hoje, depois de sucessivos adiamentos, continua no estaleiro. Agora, extra-oficialmente, comenta-se que poderá ser entregue no fim de abril. Estimativas de mercado indicam que o João Cândido não sairá por menos de R$ 350 milhões, aumento de 23% sobre a média do contrato original.
Antes de renegociar prazos de entrega dos navios, o EAS corre para fechar a entrada do novo sócio com de cerca de 33% do capital do estaleiro [a Samsung tinha 6%], o que na expectativa de uma fonte pode ocorrer o mais breve possível. Além dos japoneses, apontados como favoritos, correm por fora a polonesa Remontowa, com estaleiro em Gdansk e considerada uma dos líderes europeias em reparação de navios, e a coreana STX. O problema dos coreanos, como o caso da Samsung deixou claro, está na falta de disposição para repassar tecnologia para a construção das sete sondas de perfuração, outro dos contratos na carteira do EAS, este no valor de US$ 5,2 bilhões.
A renegociação que o EAS terá que fazer envolve dois pontos básicos: a multa prevista em contrato por atrasos e o encarecimento do financiamento bancário do projeto como consequência da demora na entrega dos navios. Uma fonte do setor disse ao Valor que o EAS pode tentar discutir com a Transpetro o não pagamento das multas, que costumam ser aplicadas depois da entrega do navio. O problema é que, conforme a multa, a Transpetro, pode decidir rescindir o contrato.
Outra questão é o financiamento. Se o estaleiro se compromete, por exemplo, em entregar o navio em 36 meses, mas leva 50 meses para fazê-lo, terá que pagar mais juros no financiamento. Dessa forma, quando receber o pagamento do armador, o dinheiro será insuficiente para pagar ao banco, disse a fonte. O financiamento aos 22 navios, com recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM), é com o BNDES.
O banco, por sua vez, tem que pagar o FMM. Da carteira de R$ 7 bilhões, 46% ou cerca de R$ 3,3 bilhões referem-se a compromissos assumidos pelo estaleiro junto ao BNDES. Além disso, o estaleiro entrou com recursos próprios equivalentes a 8% do projeto de construção dos navios. O banco financia outra parte do projeto diretamente à Transpetro. A Transpetro não comenta o assunto e, no setor, as indicações são de que a empresa só vai pagar o preço estipulado em contrato.
No setor, acredita-se que o EAS tem condições de fazer os navios em função da estrutura moderna que montou no complexo industrial de Suape (PE), com uma linha de montagem apta a processar 160 mil toneladas de aço por ano. Com isso, em tese, poderia fazer oito Suezmax por ano, considerando, em média, o uso de 20 mil toneladas por navio. Tem contratos para fazer 14 Suezmax e oito navios do tipo Aframax. Desse total, só quatro estão em construção efetiva.
A questão é saber se o estaleiro conseguirá resolver os problemas de gestão, produtividade e mão de obra que o levaram a essa situação crítica. O investimento enterrado no EAS já soma cerca de R$ 3 bilhões, sendo R$ 1,2 bilhão do BNDES e o restante dos sócios Camargo Corrêa e Queiróz Galvão, agora donos do EAS com 50% cada um.
O que era para uma grande novo negócio da Camargo Corrêa acabou se transformado em um enorme problema. Apenas em 2011, o grupo foi obrigado a aportar mais de R$ 500 milhões no empreendimento. Os prejuízos são elevados e o retorno do capital empregado é incerto.
O EAS enfrentou três problemas básicos na avaliação de uma fonte próxima de um dos sócios: instalação simultânea à construção do primeiro navio (uma exigência da Transpetro para conceder o contrato), formação de mão de obra – de 6 mil soldadores treinados, muitos com origem do setor canavieiro, apenas 2 mil mostraram aptidão, levando a uma forte queda na produtividade – e a parceria com a Samsung, mal costurada, o que demandou cinco meses para retirá-la do EAS.