ROBERTO SIMON
A Argentina temeu que as ambições internacionais do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levassem o Brasil a rever seus compromissos na área de proliferação nuclear – caminhando perigosamente rumo à bomba atômica. Em conversa reservada com diplomatas americanos no dia de Natal de 2009, funcionários argentinos disseram que uma "luz amarela" acendera em Buenos Aires diante da aproximação do Brasil com o Irã de Mahmoud Ahmadinejad e da abertura de uma embaixada brasileira na Coreia do Norte.
O relato completo do encontro está entre as centenas de cabos da Embaixada dos EUA em Buenos Aires divulgados pelo WikiLeaks. "Confidencial", a mensagem revela como traços da rivalidade histórica no campo nuclear entre os vizinhos não foram totalmente apagados, nem mesmo com a aproximação a partir do fim dos anos 80 e a calorosa relação entre os governos Lula e Néstor Kirchner.
Chefe da direção de assuntos atômicos da Chancelaria de Buenos Aires, Gustavo Ainchil falou sobre o temor argentino à embaixadora americana Vilma Martínez. Amparado em sua "imensa popularidade", Lula adotou uma política externa "arriscada", analisou o argentino. Além do Irã e da missão em Pyongyang, Ainchil cita o fato de o Brasil ser "o único Bric" sem a bomba atômica – em 2009, a África do Sul ainda não integrava o grupo. Ainchil diz que há "certo alívio" na Argentina com o iminente fim do governo Lula. "Nenhum sucessor tentará manter uma política externa tão arriscada."
Preocupação. Antes dessa conversa, outro diplomata argentino, não identificado, havia procurado a Embaixada dos EUA em Brasília com a mesma mensagem de preocupação. O despacho revelado pelo WikiLeaks foi enviado dois meses após o vice-presidente José Alencar ter defendido uma arma nuclear brasileira, o que "daria mais respeitabilidade" ao País. Procurados pelo Estado, os governos da Argentina, EUA e Brasil não quiseram se pronunciar oficialmente.
A Argentina chegou a pensar numa resposta a uma eventual retirada do Brasil da agência argentino-brasileira de controle nuclear (ABACC) ou mesmo na possibilidade – "improvável" – de o País fabricar a bomba. Os argentinos, então, buscariam "desenvolver tecnologia nuclear pacífica avançada para mostrar sua capacidade, mas sem seguir o caminho todo até a bomba".
Federico Merke, da universidade argentina de San Andrés, diz que o cabo do WikiLeaks "é uma boa descrição da incerteza que existe entre funcionários e analistas argentinos". "O Brasil não é visto como um país que logo terá a bomba, mas como um Estado que não termina de tornar transparente seu programa nuclear", afirmou ao Estado.