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Afeganistão: Após 10 anos, EUA ainda não entendem os valores locais

Rod Nordland / NYT

O mulá ficou pasmo e enfurecido ao ser questionado por que a queima acidental do Alcorão no mês passado pôde provocar tantos episódios violentos em todo o Afeganistão, enquanto o assassinato de 16 civis, entre eles 9 crianças, não teve o mesmo efeito. "Como se pode comparar a desonra do sagrado Alcorão ao martírio de civis inocentes?", disse um incrédulo mulá Khaliq Dad, membro do conselho de líderes religiosos que investigou a queima do livro. "A grande meta de toda a nossa vida é a religião."

O fato de muitos americanos ficarem surpresos pelo massacre de 16 pessoas por um militar dos EUA não ter causado amplos protestos ou ataques em retaliação diz muito a respeito da dificuldade da Casa Branca de compreender seus parceiros afegãos, um problema que prejudicou o objetivo mais amplo de conquistar corações e mentes entre a população local. Após mais de dez anos, muitas mortes e o investimento de bilhões de dólares, os americanos ainda não conseguem compreender os valores básicos dos afegãos: a fé está acima de tudo e uma morte pode ser compensada com uma indenização.

"Para os muçulmanos – e os afegãos em especial – a religião representa uma preocupação muito mais importante do que a vida de civis", disse Hafez Abdul Qayoom, membro da mais importante organização religiosa do país, o Conselho dos Ulemás. "Quando ocorre algo que envolve sua religião, eles se mostram mais sensíveis e reagem com muito mais intensidade." Não há dúvida de que o ataque cometido por um soldado americano enfureceu os afegãos. Mas a ira foi manifestada mais sob a forma de debate do que como violência, até agora.

Já houve reações atrasadas a outras ofensas cometidas por estrangeiros, como ocorreu quando um pastor evangélico da Flórida destruiu deliberadamente o Alcorão no ano passado. E as preces de sexta-feira, que muitas vezes resultam em protestos, serão realizadas hoje. Ainda assim, o contraste com a reação à queima do Alcorão é notável. No dia seguinte, protestos violentos eclodiram diante das bases da Otan. E pedidos de desculpas feitos por representantes ocidentais pouco fizeram para frear a violência que deixou 29 mortos.

No caso do massacre em Kandahar, pedidos de desculpas e declarações de repúdio do presidente Barack Obama pareceram afastar as respostas violentas e conter parte das reações negativas. Representantes do governo afegão também ajudaram ao pagar rapidamente uma compensação aos parentes das vítimas, que são muito pobres e fazem parte de uma cultura na qual "indenizações" costumam ser pagas até mesmo por mortes acidentais. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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