Adriana Nicácio
O cancelamento da compra de 20 aviões Super Tucano da Embraer pelo governo americano pode trazer um grande prejuízo para a empresa de São José dos Campos. Essa seria a porta de entrada para projetos bem maiores nos Estados Unidos e deixa uma expectativa negativa quanto a futuros negócios. A Embraer não perdeu apenas a venda de US$ 355 milhões. Ela ficará de fora dos programas de treinamento e de reaparelhamento da US Air Force, que poderiam render US$ 1 bilhão.
Há um ano, quando o presidente da Embraer, Frederico Curado, inaugurou a fábrica na cidade de Melbourne, na Flórida, dizia-se que se ganhasse a concorrência poderia vender até 200 aviões leves de combate ao Departamento de Defesa americano, mas a estratégia agora está gravemente ameaçada. Sob o argumento de “documentação insuficiente”, os americanos voltaram atrás. Na verdade, o que está em jogo é a insatisfação de Washington com a preferência do governo brasileiro pelos jatos Rafale, da francesa Dassault, na renovação da frota da FAB. Por mais que se tente justificar a decisão, não há argumentos técnicos que a sustentem. Trata-se da mais pura e crua retaliação.
Não há muito a ser feito. A decisão é política. Tanto que o disciplinado comandante da Força Aérea dos Estados Unidos, general Norton Schwartz, decidiu se expor. “Uma das coisas com as quais estou mais triste, sem mencionar a vergonha que esse fato traz para nós como Força Aérea, é que estamos deixando nossos parceiros na mão aqui”, afirmou. Acontece que o cancelamento é oportuno demais para a Casa Branca. Ele acerta dois alvos com uma cajadada só.
Além de mandar o recado para o Palácio do Planalto inclinado pelos Rafale no lugar dos F-18 da Boeing, rebate os ataques republicanos de que o presidente democrata, Barack Obama, estaria favorecendo um grupo estrangeiro, em detrimento da indústria nacional. A decisão pegou Brasília de surpresa às vésperas do encontro da presidenta Dilma Rousseff com Obama, em 9 de abril. No Planalto, não há dúvidas de que a preferência pelos jatos franceses teve forte influência no anúncio. “Dificilmente a Boeing conseguirá melhorar sua oferta”, diz um assessor graduado na área de defesa. Além da transferência de tecnologia, o negócio com a Dassault inclui a venda do KC-390 da Embraer para os franceses. “Cada avião desses custa US$ 100 milhões”, diz outra fonte. “Num pacote com dez, a Embraer ganha US$ 1 bilhão.”
Contra a Embraer pesa também a proximidade das eleições americanas. Desde o primeiro momento, o Partido Republicano reagiu contra a vitória da empresa brasileira. Em novembro de 2011, quando o avião AT-6, da empresa Hawker Beechcraft Corp., foi excluído da competição, o lobby no Congresso começou a agir, criticando a escolha dos aviões Super Tucano, de um fabricante estrangeiro, num momento de crise e alto desemprego. A Beechcraft recorreu à Corte Federal, mas seus instrumentos políticos foram mais eficientes.
A empresa avisou que, se a decisão não fosse revista, fecharia sua fábrica no Kansas e 1,4 mil empregos seriam perdidos. A ameaça levou pânico ao Kansas, que também corre o risco de perder sua fábrica da Boeing. Segundo João Augusto de Castro Neves, analista para a América Latina da consultoria Eurasia Group, o discurso protecionista voltou à tona e é um importante puxador de votos. “Não importa que a tecnologia do Super Tucano seja americana. A população enxerga com mais facilidade que o governo contratou um estrangeiro”, diz Castro Neves.
Na semana passada, as ações da empresa brasileira na bolsa não sofreram grande impacto. O analista-chefe da SLW Corretora, Pedro Galdi, diz que o mercado já esperava o revés, graças ao enorme lobby da Beechcraft. Com o cenário ainda incerto – a Embraer pode recorrer da decisão –, o jogo está longe de acabar. Fonte do governo diz que o Brasil poderá denunciar os Estados Unidos por má-fé no contrato se confirmar que um dos argumentos dos americanos é que ficou mal explicada a estrutura societária da Embraer. Os americanos disseram que não está claro se a empresa é estatal ou privada, porque o governo brasileiro detém uma golden share, que lhe dá poder de veto nas assembleias de acionistas. É uma exigência frágil, que não esconde o verdadeiro motivo da represália.