A Operação Arcanjo, em curso nos Complexos do Alemão e da Penha, na cidade do Rio de Janeiro, é o exemplo mais recente de emprego regular das Forças Armadas em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Sendo provavelmente o único caso dessa natureza em curso no Brasil, é previsto na Constituição Federal (CF) / 88, que atribui às Forças Armadas a incumbência de garantir a lei e a ordem quando assim requerido por qualquer um dos poderes constitucionais.
A primeira participação do Exército Brasileiro (EB) em ações de GLO ocorreu em 1824 na cidade do Recife, por ocasião da Confederação do Equador. Desde a primeira CF brasileira, essa forma de emprego já era prevista. Com o passar dos anos, o EB foi chamado diversas vezes e as constituições foram sendo aperfeiçoadas.
Nos últimos quinze anos, o Exército do Brasil foi evidenciado nos meios de comunicação diversas vezes devido ao emprego urbano de tropas nas operações que ocorreram em vários estados e em atividades distintas como: pacificação de comunidades, greve de policiais, garantia do pleito eleitoral, dentre outras. Essas participações da Força Terrestre (FT) foram motivadas principalmente pela evolução do crime organizado e queda na eficiência dos órgãos de segurança pública.
Aspectos legais
Na Operação Arcanjo, além do respaldo constitucional, foram observados diversos preceitos legais existentes em leis complementares que orientam o emprego da FT no exercício dessa atividade. Importante observar a existência do inédito acordo de cooperação firmado entre o Governo do Estado do Rio de Janeiro e o Comando Militar do Leste, passando o comando de todas as operações para o EB. A ação é pontual, episódica e com duração limitada.
O emprego do Exército, neste caso, decorre da necessidade de assegurar o cumprimento da lei e a manutenção da ordem pública. É essencial a observação, por parte da tropa, dos preceitos legais, principalmente aqueles que asseguram direitos individuais e coletivos discriminados na Constituição vigente.
No caso da Operação Arcanjo, cresce em importância a necessidade de conhecimento dos direitos individuais, abuso do poder, medidas restritivas de liberdade, direitos e prerrogativas das crianças e adolescentes, prevenção e repressão ao tráfico de drogas e do porte de armas. Também merecem a mesma atenção o conhecimento dos conceitos referentes aos crimes militares, a regulação do poder de polícia judiciária na esfera militar, o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito.
Na atuação contra o crime organizado, a prática tem mostrado que é importante conhecer alguns dos procedimentos legais a serem adotados nas ações repressivas ao tráfico de entorpecentes, à posse e ao porte ilegal de armas. A legislação que trata desses temas é vasta e complexa, abordando medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito além do uso indevido de substâncias entorpecentes.
A correta compreensão do ambiente e de toda essa legislação foi fundamental para a elaboração de regras de engajamento eficazes, que estabeleçam os procedimentos adequados ao exercício do poder de polícia pela Força Terrestre. Dessa forma, na Operação Arcanjo, as regras de engajamento foram baseadas em diretrizes de emprego emitidas pelo próprio Ministério da Defesa, buscando-se sempre proporcionar oportunidade para conhecimento e adestramento da tropa.
Importante observar que somente em 2010 foi elaborada uma lei estendendo o poder de polícia para quaisquer operações de emprego de tropa na garantia dos poderes constitucionais, antes limitados apenas às faixas de fronteira. Mesmo assim, tem sido necessária a constante verificação da cobertura jurídica em todas as ações por assessores jurídicos do Exército e do Ministério Público Militar.
Um exemplo disso é o cuidado na emissão de mandados judiciais na Operação Arcanjo. A análise tem sido realizada em cada caso, evitando-se o desconforto causado por ocasião da Operação Asfixia (2006), em que não havia a localização exata do imóvel e vários mandados eram genéricos, causando desgaste desnecessário à imagem da FT. Para isso, vêm sendo utilizados GPS amplamente. Na condução do processo de ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha foi estabelecida uma Delegacia Policial Judiciária Militar para gerir os crimes militares e uma Delegacia Policial Civil para tratar dos crimes comuns.
Mudança de abordagem
Apesar do sucesso em andamento, é importante considerar que o militar tem uma formação tradicionalmente belicista, direcionada para a guerra, onde a identificação predominante separa os atores em “amigo” e “inimigo”. Entretanto, a realidade da segurança no Complexo do Alemão possui características bem diferentes. O uso de armamento letal nas condições atuais só deve acontecer em situações extremas. Em diversas ocorrências, é comum a presença de idosos, grávidas e crianças (seja por iniciativa própria, seja forçado pelo crime organizado).
Esse cenário induziu a inúmeras adaptações na preparação e no uso das tropas empregadas na pacificação. O uso das operações psicológicas vem reduzindo significativamente ou tornando desnecessário o emprego de tropas em diversas situações. A atuação dos elementos de inteligência, mesmo não sendo autorizada a interceptação de sinais, tem se mostrado essencial para o sucesso da maior parte das atuações, proporcionando economia de meios e ação oportuna da tropa.
A principal estratégia usada para dissuadir os meliantes foi o uso do princípio da massa, ou seja, a presença ostensiva de grandes efetivos armados. Dessa forma, as companhias de fuzileiros partiram para a missão com quatro pelotões, ao invés de três.
Além disso, cada grupo de combate atuou com dois sargentos quando o normal é apenas um. A finalidade disso é permitir o fracionamento em duas esquadras para aumentar a capilaridade no patrulhamento e ocupação. O sargento é considerado um perito-responsável, em melhores condições de contornar situações e evitar embaraços jurídicos. Importante observar também que na seleção de pessoal foi priorizado o recrutamento de militares possuidores de experiência no Haiti.
Sem danos colaterias
Dentro da diretriz de evitar ao máximo o uso de armamento letal, visando a evitar efeitos colaterais, o Regimento Sampaio desencadeou um intenso bloco de instruções na preparação para a Operação Arcanjo IV. Em face à realidade atual, é essencial que os militares conheçam os níveis de uso progressivo da força, pois será a partir deste conhecimento que poderão atuar dentro dos níveis de abordagem determinados e de acordo com a atitude ou reação dos indivíduos envolvidos. O nível de força a ser utilizado é o que melhor se adequar às circunstâncias dos riscos encontrados, bem como a ação dos indivíduos suspeitos ou infratores durante um confronto.
O conhecimento das regras de engajamento e normas legais foi amplamente abordado. O adestramento em técnicas de defesa pessoal, imobilizações e de proteção do armamento oriundas do Krav Magá (forma de combate com origem Israel), o treinamento com agente incapacitante facilmente reversível (produto colorido com forte odor e aderente à pele), agentes irritantes (sprays de gengibre e de pimenta) e uso de munição de borracha vêm apresentando uma eficaz substituição ao uso dos agentes letais, que provocam indesejáveis efeitos colaterais.
Concluindo, a preocupação com o fiel cumprimento das normas jurídicas vigentes tem sido determinante para o sucesso da operação. Este procedimento operacional padrão está direcionando o preparo das tropas empregadas na operação e a aquisição, em grande escala, de equipamento não letal a ser empregada.
Missão de Paz das Operações Arcanjo
Arcanjo
Brigada de Infantaria Pára-quedista
Arcanjo II
9ª Brigada de Infantaria Motorizada (até o início dos 5º Jogos Mundiais Militares)
Arcanjo III
11ª Brigada de Infantaria Leve (Campinas)
Arcanjo IV
9ª Brigada de Infantaria Motorizada (ao fim dos 5º Jogos Mundiais Militares)