O presidente do Haiti, Michel Martelly, está espalhando controvérsia dentro e fora do país com sua proposta de restaurar o Exército haitiano, desmantelado em 1995. Martelly diz que o Haiti precisa defender suas fronteiras e argumenta ainda que um Exército serviria para criar emprego a milhares de jovens haitianos.
Críticos veem com reservas a proposta, já que as Forças Armadas estiveram sempre associadas à violência política que marca a história haitiana. Os críticos também questionam se a restauração do Exército é prioridade, quando o país tenta se reconstruir após o trágico terremoto que espalhou destruição em 2010.
Enquanto a proposta é discutida, um terreno na periferia de Porto Príncipe serve como campo de treinamento para cerca de 200 jovens, que sonham integrar as Forças Armadas do Haiti. Vestidos com camuflagem, ele improvisam treinamento esperando a hora que o Exército seja restaurado. O local ostenta, inclusive, uma insígnia não oficial do "Exército do Haiti".
O recrutamento dos jovens é feito por um ex-militar, o comandante Jeudi Yves. Os voluntários precisam comprar os próprios uniformes e custear o treinamento. Yves defende a proposta de Martelly e diz que a restauração é necessária. "Nós poderemos proteger nossas próprias fronteiras, nosso aeroporto e nossas águas. Os haitianos deveriam estar fazendo isso, não estrangeiros. Os soldados da ONU são estrangeiros e eles não nos conhecem", diz.
O ressentimento contra a presença da ONU aumentou após o estouro da epidemia de cólera no país, em 2010. Soldados nepaleses são suspeitos de ter disseminado a doença.
Memória ruim
Em entrevista à BBC, o presidente Martelly disse que a proposta não deveria ser vista com reservas. "Nós hoje temos um Exército aqui que não é nosso. Por que ter um Exército estrangeiro e não ter o nosso próprio? Eles poderiam ser todos haitianos", argumentou. "Precisamos de trabalho para os nossos jovens. Por que oferecer tantos empregos aos estrangeiros e não aos haitianos? Não faz sentido", disse.
A restauração do Exército tem provocado polêmcia no país sobretudo por causa do passado controverso dos militares. O Exército foi desmantelado em 1995, pelo então presidente Jean-Bertrand Aristide, após os militares tomarem parte em uma série de tentativas e de golpes de Estado.
Direitos Humanos
Durante a ditadura da família Duvalier, dos presidentes Papa Doc e Baby Doc, as milícias conhecidas como Tontons Macoutes também espalharam terror pelo país. Pierre Esperance, diretor da Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti é contra a proposta.
"O Exército que tínhamos aqui sempre esteve envolvido em uma série de crimes, tráfico de drogas e violação dos direitos humanos", disse. "Se criarmos uma nova força, ela tem de estar a serviço do movimento democrático no Haiti", argumenta.
A grande preocupação de Esperance e de outros ativistas é manter as Forças Armadas independentes dos interesses políticos, a fim de que não se tornem uma força opressora a serviço de determinados grupos. Martelly, um ex-cantor, responde que os tempos são outros no país.
"Estamos falando de um Exército moderno, que possa intervir em caso de emergência, como foi no terremoto, com unidades médicas e de engenharia", disse. Martelly reconhece que o Exército traz memórias ruins para boa parte dos haitianos, mas diz que é preciso investir em uma nova doutrina para as Forças Armadas. "A questão é ter a formação certa. Por isso queremos que nossos aliados e parceiros nos ajudem a formar o Exército correto para a missão correta".
Polícia
Até o momento, os países ocidentais que têm atuado na reconstrução do Haiti têm se mostrado relutantes a financiar a restauração do Exécito, questionando se essa seria a prioridade de um país com tantos desafios. O embaixador dos Estados Unidos no Haiti, Ken Merten, disse à BBC que a prioridade é outra. "Em termos de prover a segurança para o povo haitiano, estamos comprometidos a ajudar na materialização e no crescimento da polícia nacional do Haiti", disse.