STen Fábio César Santos de Assunção
A Escola de Aviação Militar, criada em 1919, foi a primeira Unidade de Aviação do Exército Brasileiro. Em suas instalações, localizadas no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, então capital federal e principal região a ser defendida militarmente, foram estabelecidas, sob a influência técnica dos franceses, as bases para o início do desenvolvimento de uma cultura aviatória ainda inexistente no âmbito da Força Terrestre. Apesar das preocupações com a proteção da capital federal, eram as fronteiras do sul do Brasil, principalmente aquelas com a Argentina, os locais que despertavam grandes inquietações na época. Estudos apontavam que dali poderia partir um ataque invasor.
Naquele período histórico, há muito superando, na análise estratégica brasileira, a Argentina era sempre considerada potencial invasora em uma hipótese de guerra. Especulava-se quanto a uma possível mobilização de suas tropas na fronteira com o Rio Grande do Sul. A partir de Corrientes, os argentinos poderiam lançar ataques sobre as cidades de Uruguaiana, Itaqui e São Borja. Estudos argentinos também demonstravam preocupações com relação ao Brasil.
Um plano de defesa contra os supostos invasores deveria prever a proteção de Santa Maria, importante entroncamento ferroviário por onde se deslocariam reforços do Exército, além das cidades para onde viriam o hipotético ataque como Uruguaiana, Itaqui e São Borja.
Em 1922, ano em que as atenções do Brasil se voltavam para as comemorações de seu primeiro centenário de independência, o Exército Brasileiro, preocupado com a fragilidade das fronteiras do País, tomou diversas medidas que elevaram não só a sua capacidade de ação como também a de dissuasão.
Uma dessas medidas veio através do Decreto n° 15.235, de 31 de dezembro de 1921, que foi publicado em 2 de fevereiro de 1922. Nesse Decreto, marco inicial dos planos de desdobramento da Aviação Militar para fora do Rio de Janeiro, era prevista a criação de 12 esquadrilhas de aviação que se distribuiriam pelos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina e atual Mato Grosso do Sul.
A primeira região escolhida para receber esse apoio aéreo foi justamente o extremo sul do País. No dia 31 de dezembro de 1921, data da edição do Decreto n° 15.235, duas composições ferroviárias partiram do Rio de Janeiro com destino à Santa Maria, levando material aeronáutico para a implantação dos novos campos de aviação.
No dia 7 de janeiro de 1922, chegou em Santa Maria o comboio chefiado pelo Capitão Alzir Mendes Rodrigues Lima que, trazendo mecânicos franceses, 50 praças, aviões e várias máquinas destinadas às oficinas, teve como missão preparar as instalações para três esquadrilhas e um parque de aviação.
Na prática, a distribuição das esquadrilhas se deu de uma maneira ligeiramente diferente do que previa o Decreto n° 15.235. Santa Maria recebeu um parque de aviação, uma esquadrilha de caça e uma esquadrilha de bombardeio, e Alegrete recebeu uma esquadrilha de observação. Dessa forma, as cidades de Uruguaiana, Itaqui e São Borja ficavam a uma distância inferior a 130 km do apoio aéreo de Alegrete, e o importante entroncamento ferroviário contaria com o apoio aéreo de Santa Maria.
Embora as amplas e modernas instalações do parque tenham sido inauguradas em 2 de abril de 1922, o ato que marca a criação do Grupo de Esquadrilhas de Aviação do Rio Grande do Sul aconteceu através da Portaria do Ministro da Guerra de 5 de junho de 1922. Essa Portaria, publicada no Boletim do Exército n° 26, de 10 de junho de 1922, criou, na 3ª Região Militar, um Grupo de Esquadrilhas de Aviação, subordinado diretamente ao Comandante da Região Militar para questões de disciplina, administração e instrução tática; e ao Estado-Maior do Exército quanto à instrução técnica e inspeção-geral.
O Grupo de Esquadrilhas de Aviação do Rio Grande do Sul foi o embrião, dentro do setor aeronáutico, de um audacioso projeto de reestruturação do Exército Brasileiro, que buscava corrigir vulnerabilidades relacionadas à segurança de nossas fronteiras no início do século passado. A contemplação do Rio Grande do Sul com a imediata implantação de um Grupo de Esquadrilhas confirma o temor específico fundamentado quanto à possibilidade de uma invasão argentina.
Em 1921, de acordo com o planejamento inicial, o Grupo de Esquadrilhas de Aviação do Rio Grande do Sul receberia 45 aeronaves: 15 de caça, 15 de observação e 15 de bombardeio. Em 1922, entraram em operação nove aeronaves de caça (Spad VII), quatro de observação (Breguet XIV) e seis de bombardeio (Breguet XIV). No seu ápice, chegou a possuir 30 aeronaves. No final de 1926, apenas quatro aeronaves Breguet XIV ainda se encontravam em operação: o São Borja, o Uruguayana, o Itaquy e o Livramento, todas pertencentes à esquadrilha de Alegrete. Em um rápido intervalo de tempo, as promissoras instalações de Santa Maria foram transformadas em um cemitério de aviões.
Em 12 de março de 1928, após pouco mais de cinco anos de criação, o Grupo de Esquadrilhas de Aviação do Rio Grande do Sul foi dissolvido. Sua efêmera existência e consequente extinção tiveram como causas os acontecimentos da conturbada década dos anos de 1920, quando as Rebeliões Tenentistas entraram em choque contra o sistema de governo vigente. Esse, por sua vez, desconfiado do perigo que os aviões representavam à manutenção de seus interesses, impôs medidas que impactaram negativamente no desenvolvimento da aviação e levaram à inoperabilidade da frota aérea do Exército.
Em 2022, ano em que as atenções do Brasil se voltam para as comemorações de seu bicentenário de independência, não podemos deixar de assinalar o centenário de criação do Grupo de Esquadrilhas de Aviação do Rio Grande do Sul e relembrar os feitos e as contribuições da Aviação do Exército em prol da defesa de nosso território e do desenvolvimento aeronáutico do País.
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Sobre o autor:
Fábio César Santos de Assunção é subtenente do Exército Brasileiro, oriundo da turma de 1996, do Curso de Formação de Sargentos em Manutenção de Comunicações – Escola de Comunicações. Possui o Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos em Manutenção de Comunicações – Escola de Comunicações (2007), o Curso Avançado de Comutação – Escola de Comunicações (2009) e o Curso Básico de Manutenção de Aviação do Exército – Centro de Instrução de Aviação do Exército (2013).
É licenciado em Física pela Universidade Estadual Paulista (2002) e em História pela Universidade de Taubaté (2021). Foi monitor no Centro de Instrução de Aviação do Exército (2010-2012 e 2015-2017) e mecânico de voo da aeronave HA-1 (Esquilo). Atualmente desempenha a função de Historiador do Espaço Cultural da Aviação do Exército.