A imprensa francesa analisa nesta quarta-feira (27) o risco assumido por 40 aliados ocidentais de elevar a pressão contra o presidente russo, Vladimir Putin, acelerando o envio de armas à Ucrânia. A decisão foi tomada ontem em um encontro de ministros da Defesa na Alemanha.
O jornal Libération questiona em sua manchete de capa até que ponto a Ucrânia tem condições de vencer a guerra contra o invasor russo, como acredita o governo dos Estados Unidos. Berlim irá fornecer tanques de guerra à Ucrânia, marcando uma guinada histórica em sua política externa no pós-guerra, enquanto Washington promete ajudar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, "até o sucesso final".
O chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, alertou os ocidentais contra o risco de uma Terceira Guerra Mundial, "um conflito que na realidade já começou", diz o editorial do Libération. Com mais de US$ 4 bilhões em ajuda desde o início da presidência de Joe Biden, Washington continua sendo, de longe, o principal patrocinador do governo ucraniano.
Dois fatores, na opinião de uma fonte diplomática francesa ouvida pelo Libération, explicam a adesão dos europeus ao enfrentamento desejado pela administração democrata. "Em primeiro lugar, a resistência heróica dos ucranianos, que desmentiu todas as análises dos serviços de inteligência europeus, e a luz lançada sobre os erros do Exército russo", afirma a fonte francesa.
Outro aspecto decisivo foi o "choque provocado pelos crimes de guerra provavelmente cometidos pela Rússia na periferia de Kiev" e em outras cidades ocupadas pela tropas do Kremlin. Esses abusos endossaram a necessidade de enfrentar Vladimir Putin, escreve o diário progressista, embora a publicação insista que se trata de "uma estratégia arriscada, devido à imprevisibilidade" de Putin.
O site do Le Monde afirmava na manhã desta quarta-feira que, apesar do "dilúvio de bombas" russas lançadas na região de Donbass, Moscou não consegue conquistar totalmente essa faixa do território cobiçada por Putin. Ele pretendia declarar uma vitória nessa região fronteiriça até a data de 9 de maio, quando os russos celebram a vitória contra o nazismo na Segunda Guerra, mas o Exército ucraniano resiste e nenhum sucesso decisivo desponta no horizonte, na avaliação do jornal francês.
Próximo alvo de Putin
Le Figaro acredita que a próxima meta do Kremlin será a Transnístria, uma região separatista apoiada econômica e militarmente por Moscou na Moldávia. Ontem, várias explosões nesse território danificaram antenas de rádio. Na véspera, as autoridades disseram que a sede do Ministério de Segurança Pública em Tiraspol – a "capital" da Transnístria – tinha sido alvo de um ataque com granadas.
A presidente pró-europeia da Moldávia, Maia Sandu, considera que esses incidentes são uma tentativa de desestabilização de seu país, mas incitou a população a manter a calma. Sandu diz estar reforçando a segurança em todo o território da Moldávia, que faz fronteira com o oeste da Ucrânia, região ainda preservada pelos bomberdeios russos.
Guerra na Ucrânia: por que Rússia diz que existe risco 'sério' de 3ª Guerra Mundial
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, afirmou que existe um risco "sério" de haver uma Terceira Guerra Mundial em decorrência da invasão russa à Ucrânia. Em uma entrevista de TV ao Canal Um da Rússia na segunda-feira (25/4), Lavrov acusou os países da aliança militar Otan de promover uma guerra "por procuração" na Ucrânia, ao oferecer armamentos e ajuda aos ucranianos. Isso, segundo o ministro russo, "joga mais gasolina no fogo" — e disse que é preciso fazer tudo para se evitar uma Terceira Guerra Mundial.
Lavrov foi perguntado sobre uma declaração feita pelo presidente americano, Joe Biden, de que é preciso evitar um conflito nuclear. "Os riscos são muito significativos [de uma Terceira Guerra]. Eu não quero inflar isso artificialmente", disse Lavrov, de acordo com uma transcrição no site do Ministério das Relações Exteriores da Rússia. "O perigo é sério, real. Não pode ser subestimado."
Lavrov disse que Moscou e Washington deveriam renovar o compromisso assumido pelos ex-líderes russos e americanos Mikhail Gorbachev e Ronald Reagan de que "não pode haver vencedores em uma guerra nuclear".
O entrevistador também pediu a Lavrov que comparasse o perigo de um confronto nuclear hoje com o vivido durante a Crise dos Mísseis Cubanos de 1962 entre os EUA e a União Soviética.
"Durante a crise dos mísseis cubanos não havia muitas regras escritas, mas as regras de conduta eram suficientemente claras. Moscou entendia como Washington estava se comportando. Washington entendia como Moscou estava se comportando. Agora restam poucas regras", disse Lavrov.
O ministro das Forças Armadas do Reino Unido disse que os comentários do ministro russo são apenas "bravata". "A marca registrada de Lavrov ao longo de 15 anos ou mais de que ele foi o secretário de Relações Exteriores da Rússia tem sido esse tipo de bravata.
Não acho que agora haja uma ameaça iminente de escalada", disse James Heappey à BBC. "O que o Ocidente está fazendo para apoiar seus aliados na Ucrânia está muito bem calibrado." Questionado sobre a possibilidade de a Rússia usar uma arma nuclear tática, Heappey disse que achava que havia uma possibilidade "cada vez menor" desse tipo de escalada.
Heappey disse que, embora a Otan esteja reforçando seu flanco leste, ela não está fornecendo ajuda militar. O governo britânico afirma que é incorreto colocar a guerra na Ucrânia como um esforço da Otan contra a Rússia.
"Isso não é um esforço da Otan, é uma comunidade de nações doadoras que estão fazendo contribuições bilaterais para os ucranianos e essa comunidade de doadores se estende muito além das fronteiras da Otan", disse o ministro britânico à BBC.
"Convém à narrativa do Kremlin afirmar que eles estão de alguma forma em confronto com a Otan. Eles estavam dizendo isso antes mesmo da guerra começar, mas isso não faz sentido e Lavrov sabe disso."
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kulebo, disse que os comentários de Lavrov são uma tentativa da Rússia de "assustar o mundo para que ele não apoie a Ucrânia". Ele disse no Twitter que "falar de um perigo 'real' de Terceira Guerra Mundial significa apenas que Moscou sente que será derrotada na Ucrânia".
O temor de uma escalada do conflito na Ucrânia para uma guerra nuclear ou até mesmo uma Terceira Guerra Mundial (envolvendo a Otan e a Rússia) é uma preocupação constante deste o começo da invasão.
Em março, dias depois do começo da invasão, o presidente russo, Vladimir Putin, disse que suas "forças de dissuasão" estavam prontas para combate — o que foi entendido como armas nucleares — no modo "prontas para o combate".
Isso levantou temores de que Moscou poderia usar armas nucleares "táticas" — que podem ser usadas em distâncias relativamente curtas. No entanto, até agora nada disso se confirmou. Na terça-feira (26/4), o primeiro-ministro britânico Boris Johnson foi perguntado se está preocupado com a possibilidade de o conflito na Ucrânia escalar ao nível nuclear. Ele respondeu: "Não".