A OTAN inicia, nesta segunda-feira (14), uma série de exercícios militares na Noruega, na região do Ártico, que acontecem a cada dois anos. A operação, que vai até o dia 1º de abril, se chama Cold Response e envolve cerca 30 mil militares de 27 países, que treinam técnicas de combate em condições climáticas difíceis.
As manobras já estavam previstas há muito tempo e serão essencialmente "defensivas", segundo o correspondente da RFI em Estocolmo, Frédéric Faux. Os exercícios ocorrem a cerca de 450 quilômetros da fronteira com a Rússia. Mais de 14 mil soldados, 8.000 marinheiros e 8.000 membros das forças aéreas participam da operação.
De acordo com a OTAN, ela consiste em avaliar como seu contingente é capaz de combater em condições climáticas difíceis, como o Pólo Norte, já que o Ártico e os países bálticos poderiam ser os próximos alvos do presidente russo, Vladimir Putin.
A participação da Finlândia e da Suécia também pode gerar tensões: os dois países não são membros da OTAN, mas se aproximaram da organização desde a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014. Como de costume, a OTAN propos à Rússia que participasse das manobras, mas o governo de Vlamidir Putin recusou o convite.
A RFI entrevistou o professor de geopolítica Mikaa Mered. Ele disse que a operação tem, de fato, uma relação com o atual "papel ofensivo" assumido abertamente pela Rússia desde a invasão da Ucrânia.
RFI : Cold Response é um exercício da OTAN previsto de longa data, mas ocorre em um contexto tenso, que é o da invasão russa da Ucrânia, não é mesmo?
Mikaa Mered : É normal que as forças da OTAN façam um treinamento no Ártico, por três razões. Não se trata apenas de enviar uma mensagem para a Rússia, mas também de se reapropriar das técnicas de combate nessa área estratégica e "rude" em termos climáticos.
Os Estados Unidos e outros países, exceto os da região, não dominam mais a estratégia militar nesse ambiente. Isso é importante principalmente após a reabertura de um flanco norte na área, em caso de conflito potencial com a Rússia, que nunca é mencionada de fato nesse tipo de exercício, apesar desse ser um dos objetivos.
A segunda razão é que as manobras de 2020 foram mais curtas por conta da pandemia. Isso gerou um problema, principalmente para os franceses, que planejavam a travessia do porta-aviões Charles De Gaulle na região, que teve que voltar para o porto de Toulon antecipadamente. O último motivo é o contexto atual.
A OTAN se volta para o Ártico não porque haja o risco de uma guerra iminente na região, mas porque um conflito mais amplo pode ser "exportado" para essa área, principalmente se envolver a Ucrânia.
RFI – O Pólo Norte é um campo de manobra com suas próprias exigências, e isso é ainda mais complexo se há dezenas de milhares de soldados envolvidos?
A questão é a capacidade dos sistemas a realizarem operações conjuntas. É o controle dos desafios climáticos. Há um desafio ainda maior que é o controle da superfície do espaço marítimo. Os russos estão tentando se reposicionar nesse sentido.
Se um conflito for parar no Ártico, essa não será uma guerra "clássica", como conhecemos. Não será terrestre, como na Ucrânia, mas um conflito que mobiliza o conjunto das forças armadas, especialmente Marinha e a Aeronáutica.
Um treinamento que resulte na capacidade de controle do conjunto das capacidades de ação e de defesa é um pré-requisito para a proteção dessa região.
RFI- Os russos foram convidados para manobras como observadores e recusaram o convite. O senhor acha que eles vão pelo menos observá-las com atenção?
Como sempre! Não é a primeira vez que eles são convidados e não participam das manobras. Há uma cooperação militar, que surgiu de uma iniciativa de parceiros ocidentais da Rússia, desde o início de 2010.
Essa cooperação foi afetada pela anexação da Crimeia em 2014. Muito além da guerra da Ucrânia, hoje existe a questão sobre o tipo de cooperação que os sete outros países do Ártico querem ter com a Rússia. Desses sete países, cinco são membros da OTAN.
Os dois outros são as Suécia e a Finlândia, que participam dos exercícios que começam hoje. A Cold Response 2022 integra um contexto diplomático mais complicado. Por conta da guerra na Ucrânia, os sete países decidiram, durante o período em que a Rússia presidir o Conselho do Ártico, até maio de 2023 ou até o fim da guerra na Ucrânia, interromper a cooperação dentro da organização e não participar de nenhum evento organizado pela Rússia.
O exercício acontece, então, em meio a uma grande tensão diplomática.