O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou nesta quinta-feira (17/02) temer que a Rússia esteja buscando pretextos falsos para invadir a Ucrânia nos próximos dias.
A ideia de que o governo de Vladimir Putin possa criar uma situação favorável para justificar a ofensiva também foi levantada por outros líderes ocidentais, entre eles o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, e o secretário-geral da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), Jens Stoltenberg.
Em declaração à imprensa nos jardins da Casa Branca, Biden afirmou que a ameaça de invasão à Ucrânia é "muito alta" e que a ofensiva pode acontecer já "nos próximos dias". Segundo ele, o envio de novas tropas russas à fronteira está entre as principais evidências para sustentar sua posição.
O presidente americano disse ainda que seu governo acredita que a Rússia possa forjar um incidente para ter uma desculpa para invadir.
O secretário de Estado americano, Anthony Blinken, levantou a mesma possibilidade em discurso no Conselho de Segurança das Nações Unidas também nesta quinta.
Segundo o chanceler, os Estados Unidos ainda não têm certeza sobre como a Rússia pretende usar o que chamam de "false flag" – um pretexto fabricado, na expressão em inglês.
Washington, porém, crê que o Kremlin poderia forjar um ataque terrorista em território russo, mentir sobre mortes ou realizar um ataque com armas químicas falsas ou reais para culpar a Ucrânia.
De acordo com Blinken, assim que qualquer um desses incidentes acontecer, o governo russo "convocará teatralmente" uma reunião de emergência.
Logo depois lançará mísseis e bombas contra alvos ucranianos, ao mesmo tempo em que implementa um bloqueio de comunicações e ataques cibernéticos no país vizinho.
"Depois disso, tanques e soldados russos avançarão sobre alvos-chave que já foram identificados", acrescentou o secretário.
O que está por trás das acusações?
Esta não é a primeira vez que os Estados Unidos alertam sobre a possibilidade da criação de uma encenação para justificar a invasão. O Pentágono já havia levantado essa possibilidade em janeiro, quando disse que Moscou preparava uma operação para atacar rebeldes pró-Rússia, atribuir ao outro lado e assim ter motivos para retaliações.
Embora Washington tenha oferecido diversos detalhes sobre o plano de Moscou, não forneceu nenhuma evidência para sua teoria.
Nesta quinta, porém, as alegações se tornaram mais acentuadas por conta de relatos de bombardeios na região de Donbas, no leste da Ucrânia, onde rebeldes apoiados pela Rússia lutam contra tropas ucranianas desde 2014.
Até agora há poucas informações sobre o que exatamente aconteceu e os dois lados do conflito divulgam versões conflitantes sobre o ataque. Mas uma das informações divulgadas dá conta de que uma escola infantil com crianças em seu interior teria sido atingida pelo bombardeio.
A aparente escalada na violência levou os EUA, o Reino Unido e a OTAN a afirmarem que a Rússia pode estar preparando o terreno para uma invasão iminente.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, chegou a dizer abertamente que o bombardeio relatado foi um "projetado para criar um pretexto" para atacar.
Já o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, disse que a aliança ocidental viu nos relatos de bombardeio "tentativas" da Rússia de encenar uma operação falsa na Ucrânia.
"Estamos preocupados que a Rússia esteja tentando encenar um pretexto para um ataque armado contra a Ucrânia", disse Stoltenberg em entrevista coletiva nesta quinta. "Ainda não há clareza, nenhuma certeza sobre as intenções da Rússia", acrescentou.
A crise
A Rússia nega repetidamente qualquer plano de invadir a Ucrânia, apesar de reunir mais de 100 mil soldados perto da fronteira.
Na noite de terça-feira (15/02), o governo de Vladimir Putin anunciou a retirada de algumas das tropas, mas os Estados Unidos afirmam duvidar que isso esteja de fato acontecendo.
Segundo o secretário de Defesa americano, Lloyd Austin, Moscou está na verdade aproximando ainda mais seus soldados da divisa com a Ucrânia.
Em uma coletiva de imprensa em Bruxelas, Austin disse que os EUA também identificaram um movimento da Rússia para estocar bolsas de sangue, além de voos "em mais aeronaves de combate e apoio".
"Eu mesmo fui um soldado não muito tempo atrás e sei que você não faz esse tipo de coisa sem motivo", disse. "E você certamente não faz isso se estiver se preparando as malas para voltar para casa."
Ao mesmo tempo, um representante da ONU disse no Conselho de Segurança do órgão que as tensões ao redor e na Ucrânia estão mais elevadas do que em qualquer outro momento desde 2014.
"Especulação e acusações em torno de um potencial conflito militar são abundantes", advertiu a chefe de assuntos políticos da ONU, Rosemary DiCarlo.
Ele acrescentou que "o que quer que se acredite sobre a perspectiva de tal confronto, a realidade é que a situação atual é extremamente perigosa".
EUA revela informações sobre Rússia em estratégia arriscada para evitar invasão da Ucrânia¹
O governo dos Estados Unidos normalmente mantém informações de inteligência em segredo, mas ao revelar os detalhes dos planos militares da Rússia, espera desta vez evitar uma invasão da Ucrânia.
Desde que a Rússia enviou dezenas de milhares de soldados para a fronteira ucraniana nos últimos meses, Washington adotou uma estratégia não convencional de fazer com que Moscou e o mundo estejam a par do que a Casa Branca sabe sobre os planos de invasão russos.
"Finalmente, Washington está alcançando seus rivais – incluindo a Rússia e o WikiLeaks – usando as informações para traçar o perfil dos eventos", escreveu Douglas London, ex-oficial da CIA, na revista Foreign Affairs.
Com as tensões aumentando, as autoridades americanas disseram no início de fevereiro que Moscou planejava encenar um vídeo com imagens explícitas de um falso ataque ucraniano à Rússia ou a russos dentro da Ucrânia, usando imagens de locais destruídos, "cadáveres" de supostas vítimas e até pessoas que atuariam como enlutados.
O porta-voz do Pentágono, John Kirby, foi um dos vários funcionários que detalhou o suposto plano.
"Vimos esse tipo de atividade dos russos no passado e achamos importante denunciar", disse ele.
As autoridades não explicaram como souberam sobre o plano, que não aconteceu até agora.
Mas para diplomatas e oficiais militares e da inteligência dos EUA, isso pode provar que sua estratégia está funcionando, fazendo o presidente russo, Vladimir Putin, pensar duas vezes sobre um suposto esquema que pode ter em mãos.
Dias depois, as autoridades americanas forneceram aos repórteres detalhes sobre os mais de 100.000 militares concentrados nas fronteiras da Ucrânia, descrevendo a possível estratégia de invasão da Rússia, baixas estimadas e revelando um mapa muito específico do plano com as rotas de invasão planejadas.
Na quinta-feira, o secretário de Estado, Antony Blinken, projetou que uma invasão poderia acontecer "em questão de dias".
"Primeiro, a Rússia planeja fabricar um pretexto para seu ataque", acusou Blinken no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
"Este pode ser um evento violento que a Rússia atribua à Ucrânia", disse.
"Pode ser um suposto atentado terrorista dentro da Rússia, a invenção de uma vala comum, a encenação de um ataque de drones a civis ou um ataque falso ou mesmo real com armas químicas. A Rússia descreveria esses eventos como limpeza étnica ou genocídio", descreveu, referindo-se a uma afirmação feita por Putin na terça-feira.
Para o segundo passo, "os funcionários do alto escalão do governo russo convocariam teatralmente reuniões de emergência para lidar com a suposta crise. O governo emitiria declarações proclamando que a Rússia deve responder para defender cidadãos russos ou a etnia russa na Ucrânia".
"Então o ataque está planejado para começar", concluiu.
Menos saídas para Putin
Tornar públicas essas informações de inteligência não é como as coisas geralmente funcionam em Washington.
No entanto, as autoridades dizem que estão esperançosas de que tal medida revele os esforços hábeis e eficazes de desinformação de Moscou e até detenha um ataque.
"Quanto mais Washington expõe as intenções e ações da Rússia, menos saídas restam para Putin parecer bem", explicou London.
Ele disse que a divulgação de informações de inteligência traz altos riscos, como expor fontes e canais valiosos ou perder credibilidade se estiver errado.
A imagem dos Estados Unidos foi seriamente afetada em 2003 quando o secretário de Estado, Colin Powell, disse às Nações Unidas que os Estados Unidos tinham "provas" da presença de armas de destruição em massa no Iraque, uma acusação que "justificou" a invasão americana e que finalmente acabou por ser falsa.
Em outro caso, London lembra que a inteligência foi divulgada com efeito positivo quando autoridades dos EUA vazaram detalhes específicos para a mídia ligando o príncipe herdeiro saudita Mohamed bin Salman ao assassinato em 2018 do jornalista Jamal Khashoggi.
"Nesse caso, o governo dos EUA achou que valia a pena".
As autoridades americanas dizem que suas acusações sobre a Rússia e a Ucrânia podem estar erradas e admitiram que podem ser criticadas por isso.
Mas, na verdade, esse é seu desejo: que revelar os planos de Putin acabe dissuadindo-o de executá-los.
"É o melhor resultado possível. Salvaríamos milhares de vidas", disse um alto funcionário nesse eventual cenário.
¹com AFP