Os jornais franceses desta terça-feira (25) dão destaque para a tensão que ronda a Ucrânia. A Rússia vai atacar a ex-república soviética? Os ocidentais vão revidar?
Moscou nega, diz que o Ocidente exagera. Mas já são mais de 100 mil soldados russos, com armamentos pesados, que se aglomeram na fronteira com a Ucrânia.
Do lado dos ocidentais, os aliados da OTAN já estão anunciando reforços, mas não há um consenso sobre uma reação conjunta. “Não há dúvidas, os russos estão se preparando, mas para quê?”, pergunta o jornal Libération na manchete de capa, ao lado da foto de um soldado à espreita. “Cacofonia” é o título do editorial do Libé.
“Em um mundo atordoado pela pandemia que não acaba nunca, os ruídos de botas dos dois lados da fronteira ucraniana, no coração da Europa, parecem lunares, surgidos de outros tempos. Mas trata-se da possibilidade de uma guerra que se desenha”.
A tensão é crescente. O texto alerta que a guerra psicológica e tecnológica já começou, principalmente com ataques cibernéticos. “Enquanto Putin avança seus peões, os países do bloco europeu, os Estados Unidos e o Reino Unido não conseguem formar uma frente unida”, diz o editorial.
“Diante do impasse diplomático, o nervosismo domina em Kiev”, afirma Le Figaro. "O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy, faz equilibrismo há semanas. De um lado, o ex-ator quer mais apoio político e militar dos ocidentais e por isso alardeia a ameaça de uma invasão russa. Num outro dia, tenta acalmar a nação, descartando essa possibilidade."
Ondas de insatisfação
Le Figaro destaca a tendência de insatisfação nas ex-repúblicas soviéticas. “Apesar dos regimes autoritários, até ditatoriais e corrompidos, elas estão em movimento e desafiam seus dirigentes”, diz o jornal.
Os protestos de 2015 na Moldávia contra um gigantesco escândalo bancário, a "revolução de veludo" na Armênia em 2018 e a revolta na Belarus contra a reeleição fraudulenta do "último ditador da Europa", Alexandre Loukachenko, são sinais de novas exigências.
A recente crise no Cazaquistão contra o aumento do preço dos combustíveis foi reprimida com violência. O sentimento anti-Rússia, antiga potência colonial, é um dos motores dessas mobilizações, como na Ucrânia, escreve o diário conservador.
O jornal econômico Les Echos analisa as consequências econômicas de um coquetel explosivo, em uma semana de anúncio de alta das taxas de juros nos Estados Unidos, reunião do Banco Central americano (FED), inflação em alta na Europa e, agora, as tensões geopolíticas em torno da Ucrânia.
As ações de gigantes da tecnologia desabaram em Wall Street na semana passada e a pólvora atingiu títulos e criptomoedas. Investidores se voltaram para valores de refúgio, como ouro e dólar.
Ucrânia: À beira de um conflito militar que não interessa a ninguém
As incertezas derivam do fato de pouco se saber, no labirinto de movimentação de tropas e do trânsito de armamentos de um lado e outro do conflito imediato, o que é militarmente para valer e o que é reforço da retórica de uma guerra híbrida entre os beligerantes.
Há duas certezas no ar. Primeira: a Rússia deslocou 100 mil homens e armamento pesado para a fronteira com a Ucrânia. Isto não é uma cortina de fumaça. É uma realidade. Segunda: as Forças Armadas ucranianas vem recebendo armamentos por parte de países aliados dos Estados Unidos, como o Reino Unido, e treinamento por parte de outros e da OTAN.
Outra certeza: no momento, a maior fonte de atrito direto entre os beligerantes está no interior da própria Ucrânia, entre as forças do governo de Kiev e os separatistas na região de Donbas, na fronteira com a Rússia, onde há dois centros urbanos de grande importância, Luhansk e Donetzk. É uma região rica em carvão e siderurgia, estratégica para a economia ucraniana.
Nem o governo da Ucrânia nem os separatistas, que têm apoio russo, querem abrir mão de suas posições. As escaramuças entre as tropas ali acantonadas são frequentes. Desta frente pode, hipoteticamente, partir a centelha que deflagre um conflito de proporções ainda desconhecidas, mas que já vem sendo descrito como potencialmente o maior em território europeu desde a Segunda Guerra Mundial.
E envolvendo as duas maiores potências nucleares do planeta. Há uma outra frente de confronto: aquela entre o governo de Kiev e a península da Crimeia, re-anexada pela Rússia em 2014. A Rússia mantém o controle sobre toda a península, com exceção de duas estreitas faixas litorâneas pantanosas que dão para o mar de Azov.
As margens deste mar dão para a Ucrânia, a noroeste, e para a Rússia, a sudeste. Mas esta frente está mais calma que aquela na região do Donbas. O mar e suas águas, que as unem, também as separam. Por ora, as demais frentes de conflito, envolvendo a OTAN, os Estados Unidos e seus aliados na Europa, de um lado, e a Rússia, do outro, ainda estão se atritando sobre mesas de negociação que, se são precárias, não deixam de acenar com a possibilidade de uma ação diplomática que neutralize o risco do conflito armado.
Estratégia dos aliados
Ambos os lados parecem apostar no que desponta como possíveis fragilidades dos contendores. A economia russa está estagnada desde 2014, e o país depende das exportações de gás para países da Europa, inclusive as vitais para a Alemanha.
A OTAN, os Estados Unidos e seus aliados mais próximos, como o Reino Unido, parecem apostar em que a economia russa não resistiria a um conflito militar prolongado, nem às sanções econômicas que dele decorreriam.
Por sua vez a Rússia parece apostar nas divisões dos oponentes. Países europeus mais próximos dos Estados Unidos, inclusive, de novo, a potência econômica alemã, dependem das importações do gás russo, por exemplo. Isto vem provocando divergências sobre como reagir através de sanções a uma possível invasão da Ucrânia pela Rússia.
Se o Reino Unido vem enviando armas para Kiev, a Alemanha se negou a fazer o mesmo na semana passada. A Europa se vê fragilizada por uma inflação crescente, em cujo vórtice está o aumento galopante dos custos de energia.
O próprio presidente Biden admitiu que há dúvidas sobre a intensidade das reações militares ou econômicas, dependendo do tipo de invasão que possa ocorrer, se mais ou menos limitada.
O presidente dos Estados Unidos está numa posição enfraquecida internamente, pressionado pela agressiva disposição de seus adversários do Partido Republicano para vencer as eleições legislativas de novembro deste ano.
No Reino Unido Boris Johnson não está numa situação melhor, graças ao “partygate” – as investigações sobre festas na sua residência oficial durante a pandemia. E se a OTAN não abre mão do que vê como seu “direito” de se expandir para os países da antiga órbita da ex-União Soviética, também há dúvidas dentro dela sobre como reagir no caso de um conflito armado.
Nisto há uma certeza: o Exército ucraniano não é páreo para o russo. Uma medida das dificuldades internas da OTAN apareceu durante o fim de semana: o chefe da Marinha alemã, vice-almirante Kay-Achim Schönbach, teve de renunciar depois de dizer que a ideia de que a Rússia quer invadir a Ucrânia “é um absurdo”, e que o que Vladimir Putin deseja é “respeito”.
Além disto, cometeu a heresia de dizer que a Crimeia jamais voltará à Ucrânia. Em meio a este mar encapelado de incertezas, há uma certeza: nos tempos recentes a paz nunca esteve tão dependente de apenas um fio de esperança.
E podemos estar à beira de um conflito militar que não interessa a ninguém, exceto àqueles que nos tempos da Guerra Fria eram chamados de “os Falcões” – “the Hawks” – de todos os lados, a começar pela indústria bélica e os militaristas, mas passando hoje também pelos centros de inteligência e serviços secretos para quem os povos não passam de peões subalternos ou até irrelevantes no tabuleiro de suas operações.
Impor sanções à Rússia agora por Ucrânia prejudicaria poder de dissuasão, diz Blinken, dos EUA¹
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, rebateu neste domingo a ideia de impor sanções econômicas sobre a Rússia neste momento, dizendo que fazê-lo prejudicaria a habilidade do Ocidente de impedir uma possível agressão da Rússia contra a Ucrânia.
O acúmulo de tropas russas na fronteira com a Ucrânia deixou o Ocidente preocupado com uma possível invasão. Se a Rússia invadir, o Ocidente ameaçou com sanções que teriam efeitos econômicos profundos. Moscou neta ter planos de invadir.
"O propósito dessas sanções é impedir uma agressão russa. E, portanto, se elas forem impostas agora, você perde esse efeito de dissuasão”, disse Blinken em entrevista ao programa “State of the Union” da emissora CNN.
Blinken afirmou que a entrada de mais uma força russa à Ucrânia de maneira agressiva geraria uma resposta significativa.
Questionado se os EUA estavam com as mãos atadas em relação à Ucrânia porque precisam do apoio da Rússia em negociações separadas para conter o programa nuclear do Irã, Blinken, no “Face the Nation”, da emissora CBS, respondeu: “Nem um pouco”.
¹com Reuters