A Coreia do Norte disparou dois mísseis balísticos de curto alcance sobre o mar que banha o Japão, na mais recente série de testes.
Segundo as Forças Armadas da Coreia do Sul, relatos indicam que os mísseis foram lançados de um aeroporto próximo à capital norte-coreana, Pyongyang, na manhã da segunda-feira (17/01, no horário local).
O Japão também confirmou a realização do teste. Foi o quarto lançamento de mísseis pela Coreia do Norte em duas semanas.
A Organização das Nações Unidas (ONU) proíbe a Coreia do Norte de realizar testes balísticos e de armas nucleares, além de ter imposto duras sanções ao país.
O país asiático, no entanto, descumpre a proibição com frequência, e o líder Kim Jong-un prometeu fortalecer as defesas norte-coreanas.
Na sexta-feira, Pyongyang disse que havia disparado mísseis balísticos de curto alcance, enquanto dias antes conduzira dois testes do que alegou serem mísseis hipersônicos, que são mais difíceis de detectar.
Por quê?
A frequência dos testes e o momento, neste mês de janeiro, são incomuns. A Coreia do Norte tende a conduzir seus lançamento para marcar eventos de grande importância política no país ou como um sinal de sua insatisfação com exercícios militares realizados em conjunto pela Coreia do Sul e pelos Estados Unidos.
Os lançamentos geralmente servem para o desenvolvimento de capacidades na área de mísseis e manter sua prontidão operacional. Segundo Ankit Panda, especialista do instituto Carnegie Endowment for International Peace, os mais recentes testes parecem confirmar a tendência.
Ao mesmo tempo, "Kim Jong-un também tem considerações domésticas: numa época de dificuldade econômica, esses lançamentos lhe permitem passar a mensagem de que as prioridades de defesa nacional não serão negligenciadas", disse Panda à BBC.
A Coreia do Norte tem enfrentado dificuldades com uma escassez de alimentos e uma economia fraca. São consequências de um bloqueio imposto pelo próprio regime, para manter a covid-19 longe de suas fronteiras, que suspendeu o comércio com a China, seu maior aliado econômico e político – embora tenha havido relatos de que esse comércio possa ser retomado em breve.
Kim admitiu recentemente que seu país enfrentava "uma grande luta de vida ou morte" e também afirmou que aumentaria seu poderio militar, incluindo o desenvolvimento de mísseis hipersônicos.
As negociações com os Estados Unidos, que querem que a Coreia do Norte abandone suas armas nucleares, ficaram paralisadas desde que o presidente Joe Biden tomou posse. O governo Biden impôs suas primeiras sanções à Coreia do Norte na semana passada, em resposta a alguns dos testes realizados no início de janeiro.
O lançamento de segunda-feira poderia, então, ser "uma reação mais dura" às sanções, mostrando que "o Norte não tem intenção de se deixar intimidar pelos EUA", disse Park Won-gon, professor de estudos norte-coreanos da Ewha Womans University (Coreia do Sul).
Tem a ver com a China?
Os lançamentos acontecem apenas semanas antes dos Jogos Olímpicos de Inverno, um evento extremamente sensível politicamente e de grande prestígio para a China e que está previsto para começar em 4 de fevereiro, em Pequim.
"Eu imaginaria que a China não gostaria da Coreia do Norte testando mísseis em sua vizinhança às vésperas de Pequim abrir sua Olimpíada", disse no Twitter o analista Chad O'Carroll, especializado em Coreia do Norte.
"Se isso continuar, não devemos eliminar a possibilidade de [a Coreia do Norte] poder estar incomodada com a China por alguma coisa."
Panda, porém, disse que embora "Pequim possa não estar feliz com esses testes, eles provavelmente serão suficientemente toleráveis", considerando que eles não envolvem o teste de armas nucleares nem de mísseis de longo alcance, que ele chamou de "limites da China".
Com relatos recentes de que a Coreia do Norte possa estar retomando o comércio com a China em breve, "o momento escolhido sugere que Pequim esteja mais do que conivente com as provocações de Pyongyang; a China está apoiando a Coreia do Norte economicamente e coordenando [com os norte-coreanos] militarmente", disse à BBC o especialista em Coreia do Norte Leif-Eric Easley.
"Considerando sua relação estratégica com a China, a liderança norte-coreana provavelmente vai encerrar seus testes de mísseis e exercícios militares deste início de 2022 antes do Jogos Olímpicos de Pequim."
"O momento escolhido também sugere que a Coreia do Norte não deseja ficar quieta antes da eleição presidencial na Coreia do Sul [marcada para 9 de março] ou parecer enfraquecida enquanto a China envia ajuda através da fronteira."
Coreia do Norte diz que testou 'mísseis táticos guiados'¹
A Coreia do Norte informou, nesta terça-feira (18), o lançamento de dois mísseis táticos guiados no dia anterior, em seu quarto teste de armas desde o início do ano.
Esta reativação do programa de armas norte-coreano levou os Estados Unidos a imporem novas sanções ao regime, que continua, no entanto, a rejeitar as ofertas de negociação de Washington.
Pyongyang respondeu às novas sanções, enfatizando seu "direito legítimo" de se defender e, em 2022, já testou mísseis hipersônicos, mísseis táticos guiados e projéteis lançados de uma plataforma ferroviária.
Denunciado no dia anterior pela Coreia do Sul, o teste mais recente envolveu dois "mísseis táticos guiados" que "atingiram precisamente uma ilha-alvo no Mar do Leste da Coreia", segundo a agência oficial de notícias norte-coreana KCNA.
O lançamento "confirmou a precisão, segurança e eficiência operacional do sistema de mísseis em produção", acrescentou.
Na véspera, o Exército sul-coreano havia reportado o lançamento de dois supostos "mísseis balísticos de curto alcance", lançados de perto de Pyongyang, que teriam viajado 380 quilômetros a uma altitude de 42 km. O Japão também detectou os disparos.
Essa espiral de novos testes ocorre em um momento delicado na região. A China, principal aliada de Pyongyang, sediará os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim em pouco mais de duas semanas, e a Coreia do Sul se prepara para as eleições presidenciais em março.
O regime norte-coreano aproveita a desculpa das sanções dos Estados Unidos para realizar testes planejados previamente para diminuir sua distância em termos de armamentos com o Sul, segundo um analista.
Pyongyang "está muito distante neste momento em sua rivalidade com Seul", aponta Cheong Seong-chang, do Centro de Estudos da Coreia do Norte do Instituto Sejong.
"Mesmo que tenha a bomba nuclear, não está em condições de usá-la, a menos que seja atacado primeiro e só pode usar armas convencionais para um possível conflito militar na área de fronteira", ressalta.
Por enquanto, as negociações com os Estados Unidos estão "fora da mesa", já que Pyongyang não vai aceitá-la até que Seul e Washington suspendam seus exercícios militares conjuntos – algo que a Casa Branca descartou, acrescenta.
Na segunda-feira, os Estados Unidos pediram à Coreia do Norte que encerre "suas atividades desestabilizadoras e ilegais" e exortou o líder Kim Jong-un a retornar ao diálogo "sem pré-condições".
Acelerado desde setembro, seu programa militar não esconde a crítica situação econômica do país, mergulhado em sanções internacionais e pelo autoconfinamento imposto para impedir a propagação do coronavírus.
Na tentativa de aliviar esta situação, o comércio transfronteiriço com a China foi restabelecido no domingo. Foi o primeiro comboio de mercadorias da Coreia do Norte enviado para o gigante asiático desde o início de 2020.
¹com AFP