A Ucrânia disse, neste domingo (16), ter "provas" do envolvimento da Rússia em um grande ataque cibernético contra vários sites do governo nesta semana, em um cenário de escalada de tensão entre Kiev e Moscou.
"Até o dia de hoje, todas as provas indicam que a Rússia está por trás do ciberataque", afirmou o Departamento ucraniano de Transformação Digital em um comunicado.
Essa sabotagem "é a manifestação da guerra híbrida que a Rússia mantém na Ucrânia desde 2014", afirmou o órgão oficial, referindo-se ao ano da anexação, por parte do Kremlin, da península da Crimeia, e que provocou o conflito na região leste entre as forças de Kiev e os separatistas pró-russos, apoiados por Moscou.
Seu objetivo "não é apenas intimidar a sociedade", mas também "desestabilizar a situação na Ucrânia (…) minando a confiança dos ucranianos quanto a seu poder", com "falsas informações sobre a vulnerabilidade das infraestruturas informáticas do Estado" e a respeito "da (possível) fuga de dados pessoais dos ucranianos", acrescentou a mesma fonte.
Este ciberataque aconteceu na madrugada de sexta-feira e teve como alvo sites de vários ministérios ucranianos, que ficaram inacessíveis por várias horas.
O episódio ocorreu em meio a crescentes tensões entre a Rússia e a Ucrânia, com Kiev e seus aliados ocidentais acusando Moscou de enviar tropas para sua fronteira para uma eventual invasão.
Ucrânia suspeita de grupo ligado à inteligência de Belarus por ataque cibernético¹
Kiev acredita que um grupo de hackers ligado à inteligência bielorrussa realizou um ataque cibernético que atingiu sites do governo ucraniano nesta semana e usou malware semelhante ao usado por um grupo ligado à inteligência russa, disse uma autoridade graduada de segurança da Ucrânia.
Serhiy Demedyuk, vice-secretário do Conselho de Segurança e Defesa Nacional, disse à Reuters que a Ucrânia culpou um grupo conhecido como UNC1151 pelo ataque de sexta-feira – que desfigurou sites do governo com mensagens ameaçadoras – e que foi um acobertamento para ações mais destrutivas nos bastidores.
Seus comentários oferecem a primeira análise detalhada de Kiev sobre os supostos culpados do ataque cibernético em dezenas de sites. Na sexta-feira, autoridades disseram que a Rússia provavelmente estava envolvida, mas não deram detalhes. Belarus é aliada próxima da Rússia.
O ataque cibernético inundou sites com um alerta para "ter medo e esperar o pior" em um momento em que a Rússia concentra tropas perto das fronteiras da Ucrânia, e Kiev e Washington temem que Moscou esteja planejando um novo ataque militar à Ucrânia.
A Rússia classificou tais temores como "infundados".
O gabinete do presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, não respondeu imediatamente a um pedido de comentário sobre as declarações de Demedyuk.
O Ministério das Relações Exteriores da Rússia também não respondeu imediatamente a um pedido de comentário sobre as observações. Anteriormente, havia negado envolvimento em ataques cibernéticos, inclusive contra a Ucrânia.
"A desfiguração dos sites foi apenas um acobertamento para ações mais destrutivas que estavam ocorrendo nos bastidores e cujas consequências sentiremos no futuro próximo", afirmou Demedyuk em comentários por escrito.
Em referência ao UNC1151, ele disse: "Este é um grupo de espionagem cibernética afiliado aos serviços especiais da República de Belarus".
"Caminhos totalmente diferentes"
Nesse contexto instável, o retorno previsto para esta segunda-feira (17) do ex-presidente ucraniano Petro Poroshenko (2014-2019), após um mês de ausência, corre o risco de provocar uma crise política.
Principal rival do atual presidente, Volodymyr Zelensky, Poroshenko é acusado de "alta traição" por Kiev, por ter negociado com os separatistas pró-Rússia no leste.
Além disso, várias conversas realizadas esta semana entre a Rússia e o Ocidente não conseguiram acalmar as tensões.
"Há alguns entendimentos entre nós. Mas, em geral, em questão de princípio, agora podemos dizer que nos mantemos em caminhos diferentes, em caminhos totalmente diferentes. E isso não é bom. É perturbador", afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, em entrevista transmitida pela rede americana CNN neste domingo.
O governo americano dará uma declaração no início da semana sobre o futuro das negociações.
"Se a Rússia quiser seguir pela via diplomática, estamos totalmente preparados (…) Se a Rússia escolher o caminho da invasão e a escalada, também estamos preparados e responderemos de maneira firme", advertiu o conselheiro americano de Segurança Nacional, Jake Sullivan, em entrevista à rede CBS.
"Estamos preparados para todos os cenários", frisou.
"É importante entender que o agressor é a Rússia", disse o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Jens Stoltenberg, à emissora pública canadense, CBC, também neste domingo.
"A Rússia deve iniciar uma desescalada", mas também devemos "enviar uma mensagem à Rússia de que estamos dispostos a discutir e a ouvir suas preocupações", completou.
Na sexta-feira, os Estados Unidos acusaram a Rússia de ter introduzir agentes na Ucrânia para realizar operações de "sabotagem" e, com isso, inventar um "pretexto" para invadi-la.
Moscou negou qualquer envolvimento.
"Não temos nada a ver com isso", disse Peskov diante das câmeras, em um breve trecho de sua entrevista à CNN.
"Os ucranianos culpam a Rússia por tudo que acontece com eles, incluindo o mau tempo no país", ironizou.
A Rússia nega qualquer plano de agressão contra a Ucrânia, mas exige "garantias" para sua segurança, a começar pelo compromisso da OTAN de não aceitar Kiev como membro.
EUA abordam empresas sobre fornecimento de gás à UE em caso de conflito Rússia-Ucrânia¹
O governo dos Estados Unidos conversou com várias empresas internacionais de energia sobre planos de contingência para o fornecimento de gás natural à Europa se o conflito entre a Rússia e a Ucrânia interromper o abastecimento russo, disseram à Reuters duas autoridades norte-americanas e duas fontes do setor na sexta-feira.
Os Estados Unidos estão preocupados que a Rússia esteja se preparando para a possibilidade de um novo ataque militar ao país que invadiu em 2014. A Rússia nega ter planos de atacar a Ucrânia.
A União Europeia depende da Rússia para cerca de um terço de seu abastecimento de gás, e as sanções dos EUA por qualquer conflito podem interromper esse fornecimento.
Quaisquer interrupções no fornecimento de gás da Rússia para a Europa exacerbariam uma crise de energia causada pela escassez do combustível. Os preços recordes de energia aumentaram as contas de energia do consumidor, bem como os custos das empresas e provocaram protestos em alguns países.
Autoridades do Departamento de Estado norte-americano abordaram as empresas para perguntar de onde poderiam vir suprimentos adicionais se fossem necessários, afirmaram à Reuters duas fontes do setor familiarizadas com as discussões, falando sob condição de anonimato devido à sensibilidade do assunto.
As empresas disseram aos representantes do governo dos EUA que o suprimento global de gás está apertado e que há pouco gás disponível para substituir grandes volumes da Rússia, segundo fontes do setor.
As discussões do Departamento de Estado com as empresas de energia foram lideradas pelo consultor sênior de segurança energética Amos Hochstein, disse um funcionário de alto escalão do departamento, também falando sob condição de anonimato. O órgão não pediu às empresas que aumentassem a produção, acrescentou o funcionário.
"Discutimos uma série de contingências e conversamos sobre tudo o que estamos fazendo com nossos parceiros e aliados", afirmou a fonte.
"Fizemos isso com a Comissão Europeia, mas também com empresas de energia. É correto dizer que falamos com elas sobre nossas preocupações e falamos com elas sobre uma série de contingências, mas não houve qualquer tipo de pergunta quando se trata de produção."
Além de perguntar às empresas qual capacidade elas tinham para aumentar os suprimentos, as autoridades dos EUA também perguntaram se as empresas tinham capacidade de aumentar as exportações e adiar a manutenção de campo, se necessário, disseram as fontes.
Não ficou claro quais empresas as autoridades dos EUA contataram.
¹com Reuters