Há dez anos, no dia 11 de janeiro de 2002, chegavam à base de Guantánamo os primeiros 20 prisioneiros encapuzados, algemados e vestidos com um macacão laranja, acusados por Washington de serem suspeitos de envolvimento na onda de terrorismo que chocou tanto o povo americano quanto a população mundial.
Hoje, presos em celas nessa remota prisão construída numa base americana alugada pelos americanos na ilha de Cuba desde 1903, 171 homens permanecem detidos, apesar da polêmica em torno de sua situação e das promessas de que o local seria fechado.
Guantánamo se converteu rapidamente em símbolo dos piores excessos dos Estados Unidos em sua chamada "guerra contra o terrorismo", lançada contra a Al-Qaeda pouco depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 contra Nova York e Washington.
Apesar da famosa promessa do presidente Barack Obama, que a dois dias de assumir, em 22 de janeiro de 2009, se comprometeu a fechar a prisão em um ano, os edifícios permanentes construídos desde maio de 2002 ainda estão ali.
E entre suas paredes envelhecem 171 homens, de um total de 779 que passaram pela prisão na última década.
"Embora o presidente Obama siga comprometido com a meta de fechar Guantánamo, o Congresso americano tomou medidas para evitar as medidas que contribuiriam para a conquista deste objetivo", disse o porta-voz do Pentágono (Departamento de Defesa), tenente coronel Todd Breasseale, à AFP.
A capacidade de manobra de Obama foi muito reduzida. Uma controvertida lei, que o próprio presidente promulgou no fim de dezembro após uma luta no Congresso, impede, de fato, o fechamento da prisão.
A lei proíbe o uso de fundos públicos para transferir detidos em direção aos Estados Unidos e decreta que os suspeitos de terrorismo devem ser julgados em tribunais militares especiais.
"A esperança se desvanece. Fechar Guantánamo é mais difícil politicamente e legalmente porque devido a esta lei os detidos estão no limbo legal", disse Jonathan Hafetz, professor de direito na escola de leis Seton Hall, que representa dois dos detidos.
Apenas seis detidos foram declarados culpados pelos tribunais militares, de acordo com o Pentágono, e outros sete – incluindo o autodeclarado cérebro dos ataques de 11 de setembro – se apresentarão perante estes tribunais nos próximos meses.
Cerca de 89 prisioneiros foram absolvidos de todas as acusações, mas são uma dor de cabeça para o governo de Obama, que não consegue encontrar países dispostos a recebê-los diante dos temores por sua segurança em suas nações de origem.
Entre eles encontram-se alguns uigures, parte de um grupo de 22 originários do noroeste da China, presos nas montanhas do Afeganistão após a ofensiva contra os talibãs – lançada com o apoio dos Estados Unidos – em outubro de 2001.
Embora muitos dos uigures tenham sido enviados a países como Albânia, Bermuda, Palau e Suíça, outros lutam em tribunais americanos para serem aceitos neste país.
"Guantánamo se converteu no símbolo de 10 anos de falhas sistemáticas por parte dos Estados Unidos no respeito aos direitos humanos em sua resposta aos ataques de 11 de setembro", disse Rob Freer da Anistia Internacional.
A especialista em terrorismo da Universidade Forham Karen Greenberg disse: "O tema legal foi que capturaram estes indivíduos no Afeganistão e outros países e não tinham uma categoria legal na qual incluí-los".
"Não eram prisioneiros de guerra e não eram realmente mais nada", acrescentou, afirmando que o dilema foi deixado nas mãos "das pessoas no local".
Um relatório da Anistia Internacional para marcar o décimo aniversário de Guantánamo, chamado "Guantánamo, uma década de danos aos direitos humanos", estabelece que "a incapacidade do governo dos Estados Unidos para fechar as instalações de detenção na Baía de Guantánamo deixa um legado tóxico para os direitos humanos".
"As raízes do problema jazem mais atrás, na histórica dificuldade que os Estados Unidos têm de aplicar a si mesmos os padrões internacionais de direitos humanos que normalmente dizem esperar dos outros", acrescenta o informe.
Freer acrescentou que, "se Guantánamo fosse operada por outro país, sem dúvida" apareceria no relatório anual sobre direitos humanos do Departamento de Estado.
Os presos de Guantánamo em números
Quando os primeiros presos chegaram à base americana de Guantánamo, na ilha de Cuba, o então secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, afirmou que a prisão iria abrigar "o pior do pior".
A maioria dos 779 homens que passaram por estas instalações nos últimos 10 anos está, atualmente, em liberdade ou cumpre condenação em seus respectivos países.
Ainda não se sabe o que fazer com os presos que continuam sob custódia.
— 598 detidos foram transferidos para outros países. Cerca de 25% dos transferidos estão "confirmados ou são suspeitos de retomar suas atividades terroristas ou insurgentes", indica o Pentágono. Desses 25%, 13 foram mortos, 54 se encontram presos e 83 permanecem livres.
— 171 homens, de 20 países, permanecem detidos em Guantánamo, de acordo com cifras de maio de 2011. Cerca da metade deles é de iemenitas, com outros detentos do Afeganistão, Argélia e Arábia Saudita.
— 89 detidos em Guantánamo estão "aprovados para serem transferidos", mas continuam presos porque não possuem um destino, já que a maioria é de iemenitas. O presidente Barack Obama impôs uma moratória às transferências em janeiro de 2010.
Seis chineses muçulmanos da etnia uigur foram aprovados para a libertação, mas continuam na base por não terem destino e vivem num regime de semiliberdade no acampamento Iguana, um pequeno complexo dentro das instalações.
— 48 detidos não receberam aprovação para serem transferidos. Apesar de não poderem ser julgados por falta de provas, são considerados muito perigosos. Entre eles, há 14 de "alto valor", mantidos no Campo 7 de Guantánamo.
— Seis detidos foram julgados e condenados em tribunais militares. Dois deles foram transferidos para seu país de origem porque se declararam culpados e um terceiro, o canadense Omar Khadr, será transferido em breve.
Um juiz federal sentenciou no ano passado à prisão perpétua o tanzaniano Ahmed al-Ghailani por sua participação nos ataques contra as embaixadas dos Estados Unidos na Tanzânia e no Quênia em 1998.
— Sete detidos, incluindo o cérebro dos ataques de 11 de setembro de 2001 contra Nova York e Washington, Khalid Sheikh Mohammed, e outros quatro acusados de estarem por trás desses ataques foram transferidos para um tribunal militar especial.
Abd al-Rahim al-Nashiri, um saudita que teria organizado o ataque contra o navio americano "USS Cole", em outubro de 2000, espera o mesmo destino.
Seis desses sete detidos enfrentam a pena de morte e foram alvo de abusos na prisão, de acordo com um relatório da Anistia Internacional.