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Cultivo da papoula ressurge como ameaça no Afeganistão

A região de Nakil Abdil Kalay, no Vale do Rio Helmand, coração da área de cultivo da papoula no Afeganistão, permanece como uma vitrine para uma das ofensivas mais ambiciosas da Otan contra o Taleban e o tráfico de drogas. Mas agora também tem se tornado a pior lição sobre a resistência dos insurgentes e dos produtores de ópio.

Há quatro anos teve início uma ofensiva militar enorme, primeiro orquestrada por tropas britânicas e depois mantida por fuzileiros navais americanos, que tomou a grande parte do vale antes mantido pelo Taleban. Ao mesmo tempo, houve um esforço para educar e encorajar os agricultores a mudar o cultivo, com o objetivo de acabar com a produção da papoula de corte. O governador provincial reforçou esta iniciativa com um programa de erradicação nas terras à margem do rio.

Hoje, a maioria dos agricultores neste distrito conhecido como Nad Ali, bem como em Marjah e outros assentamentos da região, planta trigo e algodão. O governador acabou de abrir uma escola nesta aldeia remota e há um pequeno bazar com um punhado de lojas de paredes de barro que mantêm um negócio estável com a venda de goma, doces e artigos de higiene. Patrulhas das tropas da Otan, do Exército afegão e da polícia são frequentes.

Para além das terras férteis do rio, no entanto, um padrão incômodo tem emergido. De acordo com entrevistas com agricultores, anciões e autoridades afegãs e ocidentais, os agricultores pobres que costumavam cultivar a papoula perto do rio mudaram-se para áreas mais afastadas do deserto, que transformaram em campos de ópio extremamente produtivos. Integrantes do Taleban também se mudaram, fugindo da ofensiva da Otan e oferecendo proteção aos produtores da papoula.

Em poucas temporadas estes agricultores, sem a interferência de qualquer presença militar, conseguiram minar os ganhos iniciais da ofensiva contra a produção de papoula deste distrito. Isto, por sua vez, criou questões difíceis sobre o futuro de aldeias como esta quando as Forças Internacionais de Assistência à Segurança começarem a sua retirada.

"Quatro anos atrás, ninguém poderia ter uma loja aqui como hoje", disse um homem que se recusou a informar seu nome, enquanto observava de sua bicicleta o toldo de palha esticado diante de sua pequena loja. "E quando as forças forem embora, ninguém poderá ficar aqui."
 

A atração das papoulas é difícil de resistir. Apesar dos sucessos da Otan em equilibrar a saturação militar com incentivos agrícolas em Helmand, a província fornece matéria-prima para mais de 40% do ópio do mundo. No geral, o cultivo de papoula no Afeganistão aumentou 7% em 2011 em relação ao ano anterior. Ele deve continuar crescendo nos próximos anos, tanto porque os preços do ópio são elevados quanto porque a rentabilidade das culturas alternativas é limitada, em parte por dificuldades de comercialização destes produtos, segundo agricultores e acadêmicos que estudam a economia da papoula.

O cultivo prospera sob uma combinação de um sentimento antigoverno, uma insurgência armada e uma gritante corrupção governamental. Especialistas antidrogas descrevem uma situação em que os agricultores que querem fazer dinheiro procuram o Taleban para proteção. Ao mesmo tempo, os fazendeiros se ressentem do governo pelo que veem como hipocrisia na tentativa de erradicação do cultivo, que tira o sustento do agricultor, e por estarem abertos à corrupção, que permite que agricultores que pagam oficiais do governo possam continuar a cultivar o produto.

No Afeganistão, a política de desenvolvimento e economia da produção de ópio faz parecer como se "você está na Colômbia nos estágios iniciais, ou no México, nos primeiros anos", disse Jean-Luc Lemahieu, que dirige o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime no Afeganistão.

Ele disse que os rebeldes colombianos das Farc começaram como um movimento ideológico e antigoverno, que mais tarde foi tomado por interesses financeiros. Ele descreveu um "conluio" entre os donos do poder de Helmand e o Taleban, que, por um preço, protegem os agricultores contra a erradicação da papoula pelos oficiais responsáveis pela segurança do governo. Isso contribuiu para a sensação de que o governo tem pouco a oferecer – um sentimento agravado pela falta de serviços públicos como escolas ou clínicas de saúde em áreas de cultivo da papoula.

Os anciãos de Nad Ali concordam que o esforço de erradicação da papoula tem promovido uma ligação entre os agricultores e os insurgentes.
 

"As pessoas que vivem em áreas onde o governo tem controle e onde não podem cultivar papoula não gostam da proibição e optam por seguir para áreas de controle do Taleban", disse um ancião de Nad Ali, que pediu para não ser identificado por temer represálias do governo. "Não há nada mais importante para as pessoas do que as papoulas e não há nada mais produtivo para as pessoas do que as papoulas."

O órgão para drogas e crime das Nações Unidas, bem como pesquisadores acadêmicos do cultivo da papoula, dizem que nas áreas desérticas onde a papoula é cultivada agora, o Taleban tomou uma decisão estratégica de se abster de cobrar o imposto usual baseado na produção e passou a pedir colaborações menores sobre a colheita dos agricultores.

Os grandes lucros não vão para os agricultores ou para o Taleban. As Nações Unidas estimam que, dos lucros totais do ópio que permanecem no país, cerca de 10% vão para os insurgentes, 20% para os agricultores e o restante para os traficantes, a polícia e autoridades do governo que facilitam o transporte da droga para fora do país.

"Dos agricultores em diante há conivência", disse Lemahieu, referindo-se aos pagamentos feitos por agricultores e traficantes para proteger o cultivo da papoula.

Embora o cultivo da papoula tenha continuado a florescer em outras partes, a Otan demonstrou progressos reais no Vale do Rio Helmand, uma área agora chamada de zona de alimentação. Aqui, a papoula foi quase inteiramente eliminada e o Taleban partiu.

Nas áreas irrigadas de Nad Ali, os ingleses, que tinham a responsabilidade militar por Helmand até o ano passado, distribuíram sementes de trigo de alta qualidade para estimular os agricultores a deixar de plantar papoula.

O esforço funcionou melhor entre os agricultores que tinham terras bem irrigadas e foram capazes de plantar trigo suficiente para investir em negócios secundários nas cidades da região e aumentar sua renda, de acordo com David Mansfield, um pesquisador da Universidade Tufts que tem acompanhado os meios de subsistência rurais na província de Helmand por mais de uma década.

O governador de Helmand, Gulab Mangal, acompanhou a distribuição de sementes de trigo com um agressivo programa de erradicação da papoula na zona de alimentação, onde fica Nakilabad Kalay. No segundo ano, os resultados foram impressionantes: uma redução de 33% no cultivo da papoula na zona da alimentação. Mas esta tendência caiu acentuadamente nos anos subsequentes, com uma redução de apenas 7% em 2010 e 3% em 2011, segundo estatísticas da equipe de reconstrução provincial de Helmand, sugerindo que a eficácia do programa de cultura alternativa pode ter atingido o seu limite.

Embora o trigo pague relativamente bem, a sua venda pode ser um problema, segundo vários agricultores de Nad Ali. Isso é ainda mais verdadeiro para o algodão. Os agricultores reclamaram que algumas fábricas de algodão do governo simplesmente não estão funcionando. Muitas vezes uma ou outra demora a pagar os agricultores por suas colheitas. Além disso, o algodão afegão não pode competir com o algodão do Paquistão, que é mais barato.

Para os agricultores pobres, mudar para o deserto para cultivar a papoula significa ter recursos para comprar terras mais baratas e alimentar melhor suas famílias, porque podem ganhar mais. O estudo de Mansfield revela que a maioria dos agricultores nas áreas desérticas pode comprar carne com mais frequência do que aqueles que cultivam produtos legítimos na zona de alimentação e pode ter recursos para casar seus filhos, algo caro no Afeganistão.

"As pessoas estão empenhadas em cultivar papoulas porque não há qualquer outra cultura com a qual possam ganhar dinheiro suficiente para encher o estômago de suas crianças", disse Abdul Rauf, um fazendeiro do deserto de Nad Ali.

Mesmo na zona de alimentação, existem preocupações com a sustentabilidade da política de culturas alternativas por causa da corrupção, de acordo com oficiais ocidentais e anciãos provinciais. Enquanto muitos agricultores na área pararam o cultivo de papoulas, alguns estão pagando a polícia e juízes para poder dar continuidade à cultura.

Alguns agricultores tentam ter as duas coisas, cultivando produtos legais na zona de alimentação e papoulas ilegais no deserto.

"A colheita foi muito boa este ano: estou cultivando trigo e papoulas", disse Hamid Gul, 20, um agricultor de Nakilabad Kalay, sentado em uma cadeira de plástico com alguns amigos diante de uma pequena loja que vende pentes e detergente. "As pessoas vão cultivar mais papoulas no próximo ano", disse ele.

Por Alissa J. Rubin

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