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Com tensão social e pressão econômica, repressão cresce na China

Fernanda Morena

Manifestações de taxistas em outubro em Xangai; revolta de trabalhadores migrantes no sul em novembro; protestos contra a poluição em Haimen em dezembro. Esses foram alguns dos alarmes que soaram na segunda metade deste ano contra o recuo da economia, indicando que, depois de mais de 30 anos gozando dos benefícios de liberalismo econômico, a sociedade chinesa é agora motivo de alerta para o governo do Partido Comunista da China (PCC).

A resposta de Pequim veio através de Zhou Yongkang, um comunista sênior do Partido e membro do Politburo, cujo pronunciamento, publicado pela agência oficial de notícias Xinhua, trazia um comando. "Os governos locais devem encontrar métodos mais eficientes de gerenciar a sociedade, especialmente em face aos efeitos negativos da economia de mercado". "Em outras palavras, podemos estar diante de uma nova onda de repressão", avalia o analista político Wang Zhangxu, da Universidade do Povo.

Em novembro, uma nova medida implementada pela Administração Estatal de Alimentos e Medicamentos (SFDA, na sigla em inglês) na zona rural passou a proibir a realização de banquetes públicos (refeições divididas por grandes comunidades, bastante comum entre as minorias étnicas) sem reserva e autorização prévias das autoridades locais – Polícia e Partido Comunista. "Já controlam o que vemos na TV, na Internet, e agora vão até controlar o quê, onde e quando a gente come com nossos familiares?", critica um usuário do Weibo de nome Laolong.

A ideia de colocar panos quentes sobre o medo de revoltas com a reunião de muitas pessoas já é de praxe e, em geral, recai sobre os grupos "sensíveis" – os mais excluídos das maravilhas do socialismo com características chinesas: os chineses não Han (a maioria étnica que controla o país desde o fim do Império, em 1911), como os tibetanos e os uigures; homossexuais, religiosos. "Os eventos criados pelo nosso grupo para inserir gays e lésbicas à comunidade são ou bloqueados pela Polícia, se fazemos a divulgação anterior, ou fechados minutos antes de acontecerem, que é quando a polícia fica sabendo", conta Xu Bin, diretora do grupo Lala, que serve de apoio às lésbicas na China.

Em fevereiro, a rua Wangfujin, uma dos mais movimentados centros comerciais da capital chinesa, foi fechada durante os domingos, e quem por ali passava estava sujeito a uma abordagem de policias à paisana, em função da possível versão chinesa da Revolução dos Jasmins árabe. O chamado para uma passeata foi publicado na internet e chamava os moradores de Pequim a uma reunião em frente à loja do McDonald's para um protesto.

Na semana passada, uma cerimônia organizada pela Igreja da Vila de Xitan, na província de Zhejiang, para celebrar o Natal, acabou em um confronto entre fiéis e policiais na noite do dia 20. Centenas de pessoas estavam no local da festa quando as autoridades chegaram. Policiais dizem que os religiosos iniciaram uma briga, que teria mandado o chefe da vila para o hospital. Zeng Jianhua, deputado para assuntos religiosos de Ruian, jurisdição para a qual Xitan responde, disse à agência AP que a igreja teria sido avisada de que "qualquer atividade religiosa conduzida em público é proibida no país conforme as leis centrais sobre religião".

O fantasma da Praça da Paz Celestial
O aumento da sociedade urbana, a alta da inflação, o mercado de trabalho incapaz de absorver a mão de obra formada nas universidades, a bolha imobiliária e uma população que está envelhecendo podem ser fatores que levarão a classe média chinesa à condição de perigo à legitimidade do partido comunista no poder. Mais ainda do que as minorias étnicas do oeste do país. O plano de crescimento do PIB anual, que deveria ficar em no mínimo 8% para manter a "sociedade harmônica" de que tanto fala o premiê Wen Jiabao, poderá vir a implodir em 2012, com o crescimento projetado entre 7% e 8%.

Alguns especialistas, no entanto, discordam da tese de que o crescimento do PIB apenas é fator determinante como estopim de revoltas sociais. "As ações sociais agora estão muito mais voltadas às ações do governo, como apropriação de terras, problemas com o meio ambiente, do que com a inflação", explica Pieter Bottelier, especialista na Reforma Econômica da China para a think tank Carnegie Endowment.

Os grandes manifestos vêm de fora de Pequim, e o economista chinês Lu Xiaopeng entende que um dos motivos é a falta de monitoramento dos governos locais pelo poder central da capital, responsável por criar as normativas mas não pela execução delas nas diferentes províncias. Corrupção e uso inapropriado do dinheiro público levaram moradores de Zhili, na província de Zhejiang, a entrar em confronto direto com a polícia e destruir viaturas oficiais em outubro. Conforme a Xinhua, há cerca de 180 mil "incidentes sociais" anuais no país.

Segundo o Lu, um maior controle do governo central sobre a implementação de políticas deverá ser a maior base do governo de Xi Jinping, o vice-presidente da China e prefeito de Xangai que deverá herdar o posto de Hu Jintao em 2012.

Como o governo chinês atua ainda com forte base na memória coletiva (da revolução comunista, do líder Mao Tsé-Tung, das invasões estrangeiras dos séculos 19 e 20), Pequim parece temer uma nova versão do massacre da Praça da Paz Celestial, quando a inflação atingiu dois dígitos e os estudantes não encontravam posições de trabalho.

Para o próprio governo chinês, no entanto, a razão pode estar muito mais alinhada aos esforços em manter a economia pulsante mesmo durante a sonhada transição de uma economia de indústria barata para um de tecnologia e criatividade – a nova fase da parte das "características chinesas" do discurso de Zhou. "É o nosso trabalho urgente pensar em como estabelecer um sistema de gerência social que esteja de acordo com a nossa economia socialista de mercado", declarou Zhou Yongkang.

Mais censura?
Rebecca MacKinnon, especialista em Internet na China, alerta há anos sobre o lado mais obscuro da abertura econômica chinesa e o crescimento exponencial da Internet no país. Para ela, a expansão das mídias sociais no país pode revelar a necessidade de ainda maior controle do Partido sobre os chineses.

A tese tem se mostrado factível sob o ponto de vista das regulamentações do governo sobre os moradores. Dificuldade em conseguir vistos para o país são apontadas pelos estrangeiros expatriados como uma forma de controle que está se apertando sobre a comunidade internacional. A Internet está sob o fogo cerrado dos controladores do partido, que recentemente promulgaram o regulamento que força os usuários do Weibo (o microblog que emula o Twitter, bloqueado no país) a utilizarem identidades reais.

Nesta nova fase do crescimento chinês, que sai do milagre econômico e entra para uma ordem "normal", a esperada reforma política pode ainda ficar mais para trás. Xi Jinping, o provável novo líder da China, vem de linhagem heróica do PCC, sendo seu pai, Xi Zhongxun, um dos fundadores do Exército Vermelho em Shaanxi – na guerra civil que expulsou os Nacionalistas do poder e possibilitou a criação da República Popular da China, comunista em essência. Para Wang Zhangxu, Xi Jinping poderá se mostrar um líder ainda mais conservador, em função de seu histórico familiar dentro do Partido Comunista, o que aumentará ainda mais a censura praticada no país.

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