Elizabeth Dwoskin e Gopal Ratnam
Sete noites por semana, exatamente às 19h30, o general de divisão do Exército dos Estados Unidos Thomas Richardson inicia uma conversa telefônica com os comandantes americanos em todo o Iraque e os sabatina sobre a última missão militar no país: a retirada. Quantos coletes à prova de bala, capacetes e armas de fogo ainda há no país? Quantas refeições prontas de espaguete estão estocadas nas bases remanescentes do Exército? Quem vai ficar com as pilhas de teclados, rádios, extintores de incêndio, baterias, cabos de computador, cadeiras e material higiênico velhos que terão de mudar de mãos?
Como chefe de logística do Exército na retirada do Iraque, é tarefa de Richardson fazer a contagem de todos os equipamentos e suprimentos despachados pelo Pentágono ao Iraque ao longo de oito anos de guerra, e se certificar de que nenhum deles fique inadvertidamente para trás a 31 de dezembro, o dia em que os Estados Unidos se retirarão oficialmente do país.
Quando assumiu a tarefa, em setembro de 2010, o Exército tinha identificado pouco mais de 2 milhões de itens em 92 bases que tiveram de ser mandados de volta aos Estados Unidos, transferidos para o Afeganistão, vendidos, distribuídos ou destruídos. Ele estimou que seriam necessários cerca de 20 mil carregamentos de caminhão para retirar tudo. "No Exército contamos tudo", diz Richardson, que é lotado em Camp Buehring, no Kuait, de onde o Exército americano realiza a retirada.
Deixar o Iraque exigiu uma mobilização de soldados e de equipamentos equivalente à de uma invasão militar, só que em sentido oposto. Ao longo do terceiro trimestre, dezenas de milhares de caminhões viajaram do Iraque à Jordânia e ao Kuait. Em meados de dezembro, só 50 mil itens da enorme planilha de Richardson não tinham sido retirados, e apenas duas bases tinham sido mantidas em condições de operar.
Alan F. Estevez, secretário-assistente do Departamento de Defesa americano de Logística e Prontidão de Material, compara a ocupação do Iraque ao ato de alugar uma casa e passar oito anos preenchendo todos os aposentos, armários e espaços de circulação com suas coisas. "E agora você vai sair dessa casa", diz. "É logística pesada, pesada mesmo." (Tradução em termos civis: mudar é tão chato!…)
O Pentágono vai reivindicar uma grande parte desse equipamento, como helicópteros Black Hawk, tanques M1 Abrams, veículos de combate Bradley, equipamentos de proteção pessoal e rádios, que serão enviados de volta às divisões do Exército nos Estados Unidos.
Os geradores serão mandados para os fuzileiros navais americanos acantonados no Bahrein. Veículos blindados conhecidos como MRAPs (Mine Resistant Ambush Protected) – que protegeram soldados das bombas de beira de estrada – terão um novo uso, na proteção de tropas americanas no Afeganistão. Depois de anos de utilização intensa, alguns equipamentos como roteadores de internet obsoletos serão incinerados ou levados para lixões no Kuait.
O maior desafio de Richardson é encontrar destinatários para todas as coisas que o Exército não quer mais. Um distrito escolar do Alabama recebeu de bom grado oito trombones e clarinetes usados. Cidades e condados americanos poderão solicitar ao Pentágono algum material remanescente e pagar apenas o custo do frete.
O Condado de Cleveland, Oklahoma, pagou US$ 42 mil por uma máquina de terraplenagem usada Caterpillar que agora desobstrui ruas e parques públicos. Um departamento de combate a incêndio mantido por voluntários em Dakota do Sul comprou equipamentos avançados de combate a incêndio que, de outra maneira, não teria condições de adquirir.
O escritório de um xerife de Luisiana está usando um veículo John Deere excedente para todo tipo de terreno para chegar a laboratórios clandestinos de anfetaminas instalados em áreas pouco habitadas da zona rural. No Alabama, que recebeu mais peças do patrimônio do que qualquer outro Estado, no Condado de Marshall, na zona rural, atualmente um antigo gerador do Exército ativa uma usina de tratamento de esgoto.
Mesmo depois que os 5,5 mil soldados remanescentes deixarem o Iraque neste mês, os Estados Unidos manterão uma presença significativa no país. A missão diplomática americana no Iraque é a maior do mundo; o Departamento de Estado vai empregar 15 mil pessoas, entre as quais 5 mil seguranças particulares, para proteger prédios e os quadros de funcionários.
A embaixada vai abrigar um programa do Pentágono destinado a promover a venda de armas e equipamentos militares de fabricação americana para os iraquianos. O Iraque está comprando US$ 10 bilhões em equipamentos e treinamento militar americano, e pretende gastar US$ 6,5 bilhões em jatos F-16 produzidos pela Lockheed Martin.
Os Estados Unidos também vão deixar para trás todas as bases desocupadas, que o Exército está repassando sem alarde para as forças de segurança iraquianas. Muitas ainda estão equipadas com cozinhas profissionais, trailers usados como acomodações e geradores industriais – "patrimônio excedente" que o Pentágono considerou oneroso e trabalhoso demais para ser retirado. Outras antigas instalações militares estão se transformando em postos avançados de natureza civil.
O Ministério da Juventude e dos Esportes do Iraque assumiu o controle da Base Operacional Avançada Warhorse na província de Diyala, que no passado abrigou a 4u00aa Divisão de Infantaria. Os trailers da base serão transformados em salas de aula do Ministério da Educação. Richardson diz que os veículos Humvee doados, antes cobertos por camuflagem de deserto, foram repintados com o vermelho, o branco e o preto da bandeira do Iraque.
Os Estados Unidos estão dando ao Iraque US$ 580 milhões em equipamentos, segundo estimativas do Pentágono. Isso preocupa Scott Pepperman, diretor-executivo da Associação Nacional de Agências Estaduais para Patrimônio Excedente, que ajuda os Estados a adquirirem o equipamento fora de uso do governo. "Um caminhão de bombeiro pode poupar uma comunidade de elevar os impostos, de reduzir o efetivo policial", diz Pepperman. "Quem é dono desse patrimônio? São os contribuintes americanos. O melhor é restituí-lo à população que o custeou."
O Pentágono acredita que a ajuda prestada aos iraquianos é um dinheiro bem-gasto, principalmente se as bases e as doações ajudarem o incipiente governo a rechaçar atentados de revoltosos e preservar a boa vontade entre o Iraque e os Estados Unidos, numa região do mundo hostil aos interesses americanos. "O valor justo de mercado é a contribuição à segurança nacional dos Estados Unidos", diz Estevez.
Com a aproximação do prazo final, o repasse das bases americanas aos iraquianos se tornou um ritual do Exército americano. Depois da autorização formal de Richardson, o comandante da base em retirada acompanha os dirigentes iraquianos em visita a seu patrimônio. "Devemos isso a eles", diz Richardson. "É o que temos que fazer."