O presidente americano, Joe Biden, viaja na quarta-feira (9) à Europa para tranquilizar seus aliados e demonstrar firmeza a respeito da Rússia, uma visita que englobará uma reunião de cúpula do G7, um encontro da Otan e outro com a União Europeia (UE), antes de uma reunião com seu colega russo, Vladimir Putin.
Para sua primeira viagem ao exterior, o 46° presidente dos Estados Unidos optou por destacar os vínculos transatlânticos, que enfrentaram muitas tensões durante a presidências de seu antecessor, Donald Trump.
"Minha viagem à Europa é uma oportunidade para que os Estados Unidos mobilizem as democracias de todo o mundo", escreveu, apresentando-se como um personagem central no que descreveu como um confronto ideológico ante as "autocracias" lideradas pela China.
Desde sua chegada à Casa Branca, Biden insiste que o país retornou à mesa do multilateralismo, decidido a desempenhar um papel-chave, da luta contra a pandemia da covid-19 até a mudança climática.
Mas, além de um verdadeiro alívio após as divergências e ataques dos anos Trump, uma forma de impaciência é percebida do lado europeu.
Para Benjamin Haddad, do Atlantic Council, apesar de um tom claramente mais construtivo, uma certa "decepção" é palpável.
"Se fala muito 'America is back' (Estados Unidos estão de volta), há uma retórica positiva, mas agora é o momento de agir", disse à AFP.
Para muitos, a distribuição de vacinas americanas para outros países é muito lenta. A falta de reciprocidade de Washington após a decisão da União Europeia (UE) de reabrir as fronteiras aos viajantes americanos provocou descontentamento. E a forma como anunciou a retirada do Afeganistão, sem nenhuma consulta prévia real, não foi apreciada nas capitais europeias.
A situação pode se ser explicada por fatores conjunturais relacionados com as prioridades do início de mandato. Mas também há razões mais profundas. "Fundamentalmente, a Europa é muito menos importante para a política externa americana do que era há 20 ou 30 anos", disse o pesquisador francês.
As "dúvidas" dos aliados
Além disso, o mandato de Trump, que chamou a Otan de "obsoleta", deixou feridas.
"Os aliados continuam com dúvidas e consideram as forças que levaram Trump ao poder em 2016", afirmou o diplomata americano Alexander Vershbow, ex-número 2 da Aliança Atlântica.
Após o desembarque na quarta-feira à noite na Cornualha, sudoeste da Inglaterra, Biden participará na reunião de cúpula do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) após um encontro com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.
No domingo, ao lado da primeira-dama Jill Biden, visitará a rainha Elizabeth II no Castelo de Windsor.
Com exceção de Lyndon B. Johnson, a monarca se reuniu com todos os presidentes americanos em 69 anos de reinado.
Em seguida, ele embarcará no Air Force One com destino a Bruxelas (reunião de líderes da Otan e encontro de cúpula UE-EUA), antes de finalizar a viagem de oito dias em Genebra com uma aguardada reunião com Putin.
Ucrânia, Belarus, o destino do opositor russo detido Alexei Navalny, ciberataques: os debates com o líder russo devem ser duros e difíceis. A Casa Branca, que alterna mensagens conciliadoras e advertências, insiste que suas expectativas são modestas.
A única meta apresentada é tornar as relações entre os dois países mais "estáveis e previsíveis".
A recordação de Helsinque
A presidência americana divulgou poucos detalhes sobre o encontro, dando a entender apenas que uma entrevista coletiva conjunta dos dois presidentes não está na agenda.
A reunião entre Putin e Trump em Helsinque, em julho de 2018, continua na mente de todos em Washington.
Naquela ocasião, em uma entrevista coletiva estranha, que provocou protestos inclusive entre os republicanos, o presidente pareceu dar mais valor às palavras de Putin que às conclusões unânimes das agências de inteligência americanas sobre a interferência russa na campanha presidencial de 2016.
A equipe de Biden afirma que o tom será muito diferente agora. "Não vemos uma reunião com presidente russo como uma recompensa para ele", destacou Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional.
O motivo principal do encontro? "Poder olhar o presidente Putin nos olhos e afirmar: Aqui estão as expectativas americanas", completou.
O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, insistiu que o diálogo com a Rússia não é sinal de fragilidade.
E em uma sequência cuidadosamente pensada, dois dias antes de deixar Washington, Joe Biden convidou o presidente ucraniano Volodimir Zelenski a visitar a Casa Branca nos próximos meses.
Para a cidade de Genebra, a reunião terá um sabor especial: em 1985 a localidade recebeu o encontro de cúpula entre o presidente americano Ronald Reagan e o líder soviético Mikhail Gorbachev.
"A América voltou": Bruxelas mostra otimismo na véspera da viagem de Biden à Europa¹
A viagem do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, à Europa nesta semana assinalará que o multilateralismo sobreviveu aos anos Trump, e preparará o cenário para uma cooperação transatlântica em desafios que vão de China e Rússia à mudança climática, disse o presidente das cúpulas da União Europeia.
"A América voltou", disse o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, usando o bordão que Biden adotou depois que o ex-presidente Donald Trump retirou Washington de várias instituições multilaterais e, a certa altura, ameaçou romper com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
"Isto significa que voltamos a ter um parceiro muito forte para promover a abordagem multilateral… uma grande diferença do governo Trump", disse Michel a um grupo de repórteres em Bruxelas na noite de segunda-feira.
Michel e a chefe do Executivo da UE, Ursula von der Leyen, encontrarão Biden no dia 15 de junho, o que acontecerá após uma cúpula do G7 no Reino Unido e uma reunião de presidentes de nações da Otan em Bruxelas no dia 14 de junho.
Michel disse que a ideia de que "o multilateralismo voltou" é mais do que um slogan, é um reconhecimento de que uma abordagem global é necessária para resolver problemas, sejam cadeias de suprimento para vacinas contra Covid-19 ou impostos corporativos mais justos na era digital.
Ele disse que a cúpula de três dias do G7 na Cornualha, Inglaterra, pode ser um "divisor de águas importante" que mostraria um compromisso político sério por trás das promessas de Biden de "reconstruir melhor" na esteira da devastação econômica da pandemia de coronavírus.
Também seria uma oportunidade de tratar da pressão sentida por democracias liberais, disse Michel, que espera haver um debate do G7 sobre a necessidade de o Ocidente adotar uma abordagem mais proativa na defesa de seus valores frente à ascensão da China e a assertividade russa.
Michel disse que conversou durante 90 minutos com o presidente russo, Vladimir Putin, na segunda-feira, dizendo-lhe que Moscou precisa mudar de comportamento se quiser relações melhores com as 27 nações da UE.
A UE e a Rússia discordam em diversos temas, como os direitos humanos, a intervenção russa na Ucrânia e o tratamento de Moscou a Alexei Navalny, crítico do Kremlin atualmente preso, e Michel disse que as relações entre as partes estão em baixa.
¹com Reuters