Portal Estadão
Blog Fausto Macedo
13 Abril 2021
O juiz substituto Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, reconheceu em decisão o relatório da Polícia Federal que concluiu pela impossibilidade de confirmar a autenticidade das mensagens hackeadas da Lava Jato apreendidas no âmbito da Operação Spoofing. O magistrado cita o documento ao barrar o compartilhamento do acervo da investigação com procuradores do Ministério Público Federal e alvos da Lava Jato que foram citados nas conversas entre integrantes da força-tarefa.
Como mostrou o Estadão, o relatório de quatro páginas assinado pelo delegado Felipe Alcantara de Barros Leal, chefe do Serviço de Inquéritos da PF, foi entregue à Justiça na semana passada e aponta que não é possível garantir a autenticidade das conversas. O relatório reforça argumentos da Procuradoria-Geral da República contra inquérito conduzido pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, sobre a atuação da Lava Jato.
Em decisão proferida nesta terça, 13, o juiz Ricardo Leite afirma que o relatório atesta que a integridade das mensagens não pode ser verificada e, por isso, não iria compartilhar o acervo com os procuradores Lívia Nascimento e Vladimir Aras, que foram citados em conversas entre integrantes da Lava Jato, mas não tiveram seus aparelhos hackeados. O ex-diretor da Engevix Gerson Almada e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral também tiveram o pedido rejeitado.
“Recentemente, em 05/04/2021, a autoridade policial ao periciar as mensagens interceptadas pelos hackers, no âmbito da Operação Spoofing, concluiu por meio do laudo 640/2021-INC/DITEC/PF que: ‘Ressalte-se que os arquivos de bancos de dados SQLite e os arquivos de texto no formato HTML mencionados na seções III.1, III.2 e III.3, com características indicativas de terem sido obtidos por acessos diretos a contas do aplicativo Telegram, não possuem assinatura digital, resumos criptográficos, carimbos de tempo emitidos por autoridade certificadora ou outro mecanismo que permita identificar a alteração, inclusão ou supressão de informações em relação aos arquivos originalmente armazenados nos servidores do aplicativo Telegram. Deste modo, a identificação de tais ocorrências dependeria do confronto dos dados armazenados no material apreendido com dados cuja procedência ou integridade pudessem ser atestados por outros meios, como por exemplo os bancos de dados armazenados nos servidores centrais da empresa mantenedora do aplicativo Telegram ou dados armazenados em dispositivo sabidamente utilizado pelo usuário do Telegram cujas mensagens se pretende examinar.'”, anotou o juiz.
Ricardo Leite relembrou na decisão que tem adotado a postura de negar acesso ao acervo da Spoofing a terceiros e que a consulta deve ser ‘extremamente restrito às partes envolvidas’ na ação penal da operação e limitado apenas ao direito de defesa.
“Deferir o compartilhamento das mensagens hackeadas com terceiros que não foram vítimas dos ataques cibernéticos, mas, apenas citados nas conversas de autoridades públicas que tiveram sua intimidade violada, tumultuaria ainda mais o andamento da presente ação penal e ocasionaria a abertura de precedente para que todos aqueles que supostamente tenham sido mencionados nos diálogos, tivessem acesso aos arquivos, violando novamente a privacidade dos interlocutores das mensagens que tiveram seu aparelho celular ou dispositivo informático invadido”, anotou o juiz.
STJ contra Lava Jato. Ao concluir que não é possível confirmar a autenticidade das mensagens da Spoofing, a Polícia Federal turbinou argumentos da Procuradoria-Geral da República para trancar inquérito conduzido pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, contra a Lava Jato. A PGR alega no Supremo que a investigação é ilegal por ter sido aberta com base em provas obtidas por meio ilícito, no caso, diálogos hackeados.
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Em um trecho do relatório, o delegado Barros Leal afirma que o uso dos diálogos ‘não se pode – ou mesmo não se espera – ser superada com flancos de investigação em face das próprias vítimas’. Para ele, uma postura contrária ‘levaria à eutanásia dos rumos da Polícia Judiciária, atingindo por ricochete, em visão holográfica, todos os princípios que inspiram a atuação policial’ e poderia configurar crime de abuso de autoridade.
No último dia 30, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, mandou suspender a tramitação do inquérito até a Corte formar um entendimento se a investigação deve ou não continuar. Não há data para esse julgamento ocorrer. Procurado para comentar sobre o relatório da PF, o Superior Tribunal de Justiça afirmou que o inquérito contra os procuradores da Lava Jato ‘está em sigilo’ e suspenso por decisão da ministra Rosa Weber. “Quanto às provas, se são lícitas ou não, compete a análise e decisão da ministra Rosa Weber, relatora do HC, afastando-se qualquer abuso de autoridade, já que o caso está sendo apreciado e decidido pelo STF”, afirmou o tribunal, em nota.
A reportagem também entrou em contato com os advogados Marcelo Knopfelmacher e Felipe Locke Cavalcanti, que representam os procuradores da Lava Jato. Ambos preferiram não comentar o caso.
COM A PALAVRA, OS ADVOGADOS MARCELO KNOPFELMACHER E FELIPE LOCKE CAVALCANTE, QUE REPRESENTAM OS PROCURADORES DA LAVA JATO
A reportagem entrou em contato com os criminalistas Marcelo Knopfelmacher e Felipe Locke Cavalcanti, que representam os procuradores da Lava Jato. Os advogados não quiseram se manifestar.
COM A PALAVRA, O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O processo em questão está em sigilo, suspensa a investigação por decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, até a decisão de mérito pela Primeira Turma. Quanto às provas, se são lícitas ou não, compete a análise e decisão da ministra Rosa Weber, relatora do HC, afastando-se qualquer abuso de autoridade, já que o caso está sendo apreciado e decidido pelo STF. Dessa forma, não há mais nada a informar.