Nara Alves
Eles são jovens, politicamente engajados, vidrados em internet e em novas tecnologias. Em vez de curtir, eles “like”. Em vez de vibrar, eles “vibe”. Adotam termos em inglês sem tradução exata para o português como “crowdsourcing”, “coworking” e “accountability”. Dizem sonhar com uma sociedade envolvida nas questões políticas e, cada vez mais, passam a ser contratados, com salários competitivos, para promover causas, projetos e mudança social. Mas negam qualquer tipo de vínculo com partidos políticos e se autointitulam independentes.
Grande parte desses novos profissionais iniciou a carreira como voluntário, em passeatas contra a corrupção ou em mutirões para coleta de assinaturas. Há pouco mais de um ano, contudo, passaram a receber dinheiro pelos serviços prestados. O salário ainda não supera o que poderiam ganhar em grandes agências de publicidade ou em consultorias, mas eles garantem que os resultados positivos compensam. E dizem que isso é o mais importante.
Os serviços prestados pelos chamados "empreendedores sociais" incluem tarefas similares às executadas em uma campanha política eleitoral, como a produção de conteúdo para sites, elaboração de estratégia de divulgação, criação de layout, desenvolvimento de plataformas, coleta de assinaturas e gerenciamento de eventos. Entre uma atividade e outra, saem às ruas para promover debates e estender faixas com a propaganda da causa. A diferença é que as causas, até agora, não têm vínculo direto com partidos, coligações ou candidatos.
O estudante de Ciências Sociais Henrique Parra Filho, de 22 anos, recebeu em 2011 cerca de R$ 1.500 ao mês para trabalhar no Cidade Democrática, uma plataforma de participação política desenvolvida pelo Instituto Seva. O dinheiro do Instituto vem da venda de oficinas e cursos de webcidadania solicitados por prefeituras e organizações não-governamentais. “O Cidade Democrática é uma plataforma aberta de crowdsourcing (modelo de produção coletivo e aberto), inteligência coletiva voltada para achar soluções para a cidade”, explica. Antes disso, seu trabalho era voluntário.
Ao mesmo tempo, Henrique Parra mantém seu trabalho voluntário em Jundiaí e é sócio da consultoria Enzima, voltada para políticas públicas. A diferença entre sua atividade no Cidade Democrática e na Enzima é clara: “É o mesmo paradigma, mas na Enzima é negócio”. E a empresa está em expansão. Nesta semana, os sócios mudaram a sede para uma sala maior, na Avenida Faria Lima, zona oeste de São Paulo.
"É bom ter o apoio de partidos. O problema é quando querem usar o movimento para alavancar políticos. Isso aconteceu no ano passado com o Movimento Voto Distrital", conta o publicitário Pablo Ribeiro, de 25 anos, uma das lideranças da ação que defende o voto distrital – maior nó da reforma política e uma das principais bandeiras do PSDB. Segundo o publicitário, em 2010, o partido chegou a divulgar o movimento na televisão. "Eles diziam 'assine o nosso manifesto'", lembra. Ele garante, contudo, que eles não têm vínculo nem são financiados pela sigla.
"Sempre é difícil quando envolve política, por mais que a proposta seja neutra. É difícil também conseguir financiamento, já que as marcas não querem se linkar a isso", afirma Pablo Ribeiro. Dos projetos dos quais ele já participou, grande parte é financiada por iniciativas de empresários que desejam investir em uma causa. Por isso, nem sempre é possível receber tanto quanto poderia ganhar em uma grande empresa. "Deixei de trabalhar na Thompson (agência publicitária), onde eu poderia ganhar R$ 4,5 mil por mês, para ganhar menos da metade, R$ 2 mil, no projeto 'Eu Me Lembro' (voltado para incentivar a memória eleitoral), da Webcitizen", calcula.
Maior empresa do ramo no Brasil, com 15 funcionários fixos e diversos voluntários, a Webcitizen, do publicitário mineiro Fernando Barreto, é especialista em aproximar cidadãos entre si, de seus governos e da iniciativa privada, usando principalmente a internet. “Existe um gap de falta de confiança entre governo e cidadão. Nosso propósito é fazer essa ponte. (…) Vimos que ajudar o governo a falar com o cidadão e empresas era um possível mercado”, conta. Entre os clientes da Webcitizen estão o governo de Minas Gerais e a Embaixada Britânica.
A empresa atende governos, mas o empresário garante que não se envolve com partidos. Mas o mesmo não vale necessariamente para seus funcionários tanto na sede em São Paulo como na filial, em Belo Horizonte. “Ser de um partido político não é um critério eliminatório, mas também não é um critério de procura. A gente entende que o processo democrático precisa de um upgrade. Não envolvemos a empresa com partido político”, afirma.
Um dos projetos do qual Fernando Barreto mais se orgulha é o Vote na Web, patrocinado pela própria empresa, que traduz projetos da Câmara e do Senado para que pessoas leigas consigam entender. Por causa dele, a Webcitizen foi convidada para o Gov 2.0, em Washington, nos EUA. “Por aconselhamento da ONU, estamos abrindo uma fundação chamada Webcitizens, para que eles possam nos ajudar”, diz.
Assim como a Webcitizen, outras empresas estão ingressando nesse segmento. Inspirada no uso das redes sociais na campanha de Barack Obama nos Estados Unidos, a cientista social Beatriz Dalla Costa Pedreira, de 25 anos, pretende criar, em 2012, uma área voltada exclusivamente para mobilização no Instituto Tellus, que incentiva a elaboração de políticas públicas por parte de cidadãos. “Estou indo lá para fazer uma startup”, explica. “Startup” é o termo em inglês usado para designar uma nova empresa que procura fazer dinheiro como uma ideia diferente.
A ideia inicial da startup de Beatriz é cobrar por hora de projeto. “É como uma consultoria. Você precisa ter um pool de consultores, mas a gente ainda não tem um mapeamento dessas pessoas. Agora é que está se criando uma rede”, afirma. Até lançar a startup, Beatriz Pedreira segue como voluntária no movimento Voto Distrital. “Chegamos ao voto distrital porque queríamos melhorar a relação entre o eleitor e o seu político. (…) O accountability (algo como prestação de contas) é muito maior”, defende.
Há três anos, quando deixou Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo, Geraldo Milet queria ser político. Hoje, aos 20 anos, o estudante de Políticas Públicas da USP Leste pensa em lançar um projeto de engajamento para comunidades no Catarse, um site de financiamento coletivo.
Para elaborar o projeto, Geraldo Milet conta com sua experiência no núcleo de empreendedorismo social que existe há pouco mais de um ano na USP. “Eu fui o primeiro diretor no núcleo e trouxe iniciativas para dentro da USP Leste. (…) A última ação que a gente realizou foi TedX”, conta. TED é uma sigla mundial criada em 1984 que corresponde a Tecnologia, Entretenimento e Design. Os TED são conferências realizadas em diversos países para debater ideias que merecem ser espalhadas. O TEDx é a conferência TED organizada de maneira independente.
Na USP Leste, Geraldo e outras quatro pessoas do núcleo de empreendedorismo social desenvolveram o sistema Oasis, uma solução disponível para download no Portal do Software Público Brasileiro, para controlar a gestão de contratos de serviços de tecnologia da informação. Além disso, por 32 dias, ele realizou com 60 jovens de todo o mundo uma “ação de empoderamento” na comunidade Pantanal, em Santos, no litoral paulista. Após a ação, a própria comunidade criou uma microempresa e reformou um clube onde acontecem aulas de capoeira, costura e outros cursos.
Morando em Londres para cursar graduação em Regeneração Comunitária na universidade de Middlesex, o estudante João Felipe Scarpelini, de 25 anos, recebe de R$ 4 mil a R$ 10 mil por mês para trabalhar como empreendedor social em diversos projetos e como consultor da ONU. Na última semana, esteve na Turquia para o uma reunião do Fundo de População da ONU e em Nova York para reuniões preparatórias para a Rio+20. O salário, explica ele, não é compatível com o que ganha um empreendedor social no Brasil, mas dá para pagar as contas na capital inglesa, onde o custo de vida é alto.
“Coordeno um coletivo de jovens empreendedores sociais chamado Change Mob e trabalhamos apoiando e empoderando organizações, movimentos, governos, empresas e indivíduos que de alguma forma querem fazer a diferença, sejam eles da Grécia ou o Banco Mundial”, conta. Ao comparar sua experiência no Brasil e no exterior, João Scarpelini afirma que um dos principais problemas no País é a legislação brasileira, que obriga empresas a escolher, no momento do registro, se buscará lucro ou se será uma organização social, tendo acesso a inúmeras formas de financiamento.
João Scarpelini acredita que a nova carreira no Brasil tende a crescer entre os jovens porque não há no mercado de trabalho hoje muitas oportunidades que fujam do modelo e da estrutura de empresa convencional. “Fui voluntário dos 13 aos 17 anos. Desde então, meu ativismo virou profissão e sou pago para trabalhar. (…) Claro que eu ainda sou voluntario em vários projetos. Eu conheço a realidade das organizações de juventude, então, aproveito que tenho meu salário, que dá para pagar as contas tranquilo, para dedicar todo meu tempo extra pra projetos e idéias que são boas, mas que não teriam recursos pra começar”, diz.