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Fabio Pereira – CRICIÚMA

 

Fábio Costa Pereira

Diário da Manhã

02 Dezembro  2020

 

 

Há um péssimo hábito no Brasil, independentemente do assunto, opiniões assertivas e precoces, sem a necessária preocupação com a sua fundamentação teórico-prática, serem emitidas no calor do momento em que os fatos estão a se desenvolver.

A sacada genial e a “lacração” são mais importantes do que a acurada análise e estudo de caso.

Não foi e não está sendo diferente do que está acontecendo no presente momento no que diz respeito ao ataque criminoso, de grandes proporções, que a bela e pujante cidade de Criciúma, localizada no Sul de Santa Catarina, sofreu na madrugada de segunda para terça-feira, respectivamente nos dias 30 de novembro e 1° de dezembro de 2020.

Logo após os ataques, os “especialistas” em Segurança Pública, do alto de seu conhecimento enciclopédico, passaram a tecer contundentes comentários que peregrinavam do fracasso da autoridade policial, passando pela falha dos serviços de Inteligência até chegar à responsabilização do governo federal por ter flexibilizado o porte e a posse de armas.

De onde eles tiraram tais conclusões, efetivamente não sei, uma vez que estudos de caso, para dele se extraírem as “lições aprendidas”, demandam tempo, profunda análise e, sobretudo, acesso a informações que permitam ao analista ver o “ retrato” do que está sendo estudado por completo e não apenas partes.

Do que se tem até agora, dos dados e informações amealhados, pode-se afirmar que, quando dos atos criminosos, análogos aos praticados por terroristas (infelizmente a nossa legislação não traz tal tipificação), cerca de trinta bandidos, armados com fuzis e dispositivos explosivos, vestidos com coletes balísticos e com os seus rostos cobertos por balaclavas, tripulando dez carros, tomaram a cidade de Criciúma de assalto.

Em momento antecedente, os bandidos, com o fim de assegurarem o sucesso em sua empreitada criminosa, obstruíram a saída do túnel localizado nas proximidades da cidade de Tubarão, cerca de 90 km de Criciúma, ateando fogo a um caminhão previamente subtraído, para evitar o envio de reforços de policiais.

 

 

Ao agirem, já no interior da cidade de Criciúma, os criminosos tomaram reféns, utilizando-os como escudos humanos, espalhando artefatos explosivos em diversos lugares e postaram-se em posições-chave, tudo isso para impedirem a ação policial.

Na sequência, explodiram o cofre da agência do Banco do Brasil localizado naquela cidade para obter acesso ao dinheiro que nele se encontrava.

 

Pelo que se pode extrair das informações até agora ventiladas na mídia em geral, os criminosos, por terem calculado equivocadamente a quantidade necessária de explosivo para abrir o cofre que era alvo de sua ação (aqui demonstraram um certo tom de amadorismo) fizeram com que grande parte do dinheiro nele contido se espalhasse por todos os lados.

O tiroteio que se seguiu ao ingresso dos bandidos na cidade foi intenso, durando por mais de uma hora, tornando Criciúma no palco de um verdadeiro teatro de guerra.

Após a ação, o grupo se dividiu em dois, parte fugindo em direção ao Rio Grande do Sul e parte para o Paraná.

Como saldo negativo da ação, além dos prejuízos materiais e emocionais provocados na população e reféns, duas pessoas resultaram feridas, um policial militar e um segurança privado.

Da narrativa dos fatos, de como eles se passaram, algumas conclusões prévias podem ser extraídas.

A primeira delas é que a ação foi muito bem planejada, preparada minuciosamente e executada com grande precisão. O antes, o durante e o depois da ação foram devidamente planilhados, transcorrendo com sucesso.

 

A segunda conclusão é de que a logística empregada foi altamente sofisticada, pois carros potentes e velozes para a execução do crime e fuga foram providenciados, a comunicação entre os integrantes foi perfeita, os insumos para o cometimento dos ilícitos eram de qualidade e estavam disponíveis em grande quantidade, tanto que não faltaram munições aos criminosos mesmo tendo suportado o combate com a polícia por mais de uma hora.

Além disso, os criminosos que executaram a ação (a não ser pela explosão do cofre) não eram amadores, portando-se fria e profissionalmente durante todo o desenrolar dos fatos.

Para completar as conclusões, não se pode deixar de referir que os armamentos, os coletes balísticos e os explosivos utilizados na ação não são encontrados em qualquer lugar ou em lojas de armas autorizadas, motivo pelo qual a flexibilização da posse e do porte de armas não guarda qualquer correlação com os acontecimentos.

Relativamente à falha dos serviços de inteligência, tão decantada pelos especialistas de sempre, é muito prematuro fazer-se tal ilação.

Explico: a ação criminosa, desde a sua ideação, preparação, execução e pós-crime, mostrou-se altamente qualificada, a demonstrar que os seus idealizadores e executores possuíam e possuem grande conhecimento das coisas que circundam o universo militar, ainda que militares não o sejam (apenas as investigações dirão de quem os autores se tratam).

Nesse contexto, onde inegável a preparação dos criminosos para a realização de seu intento, o sigilo prévio acerca do que e como fariam, ponto nevrálgico de qualquer operação “militar”, por certo não seria e não foi deixado de lado.

As medidas de contrainteligência, tais como a compartimentação das informações sensíveis, parece que foram adotadas eficazmente.

 

Tais medidas de contrainteligência, antes de tudo, servem para negar ao adverso, no caso o poder constituído e as suas Inteligências, o acesso às informações sensíveis que possibilitariam a neutralização prévia do ilícito.

Antes de um fracasso da Inteligência, ainda que isto não nos agrade, podemos estar diante de um retumbante sucesso da contrainteligência criminosa, o que marcará, negativa e disruptivamente, uma nova fase do crime organizado violento.

No ponto, ainda, devemos nos preocupar com a inflexão do “Novo Cangaço” (assim entendidos os grupos, bandos e organizações criminosas especializados em tomar de assalto pequenas cidades e, ao mesmo tempo, realizar múltiplos roubos) para as cidades médias, onde, em tese, o aparato de Segurança Pública é maior e mais preparado para combater tais criminosos.

A ausência de medo dos “cangaceiros 2.0”, a sua ousadia e virulência em suas ações devem, por tudo o quanto exposto, entrar na pauta de preocupação do Poder Público, pois uma coisa é certa, o crime cometido não será isolado, outros como ele irão se replicar pelo país e com iguais características.

Devemos, portanto, estar preparados.

E que Deus Tenha Piedade de nós !

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