LIBERDADE DE AÇÃO
Gen Ex R1 Marques de Santa Rosa
A essência da estratégia é a luta pela liberdade de ação
André Beaufre
Em conceito amplo, estratégia consiste em converter ideia em ação. Liberdade de ação é a capacidade de agir sem restrições ao processo decisório. Na guerra e na paz, a liberdade de ação está na base do sucesso de todo e qualquer empreendimento, público ou privado.
Em 1944, os aliados invadiram o continente europeu, sob controle nazista, após uma operação gigantesca de travessia do mar do Norte. A liberdade de ação foi obtida graças à supremacia aérea e naval que havia sido conquistada anteriormente.
A Inglaterra do século XVIII ganhou a vanguarda mundial, graças à liberdade de ação de que desfrutaram os seus empreendedores no aproveitamento das novas invenções da ciência. A França só embarcou na Revolução Industrial, após removida a cultura feudal de privilégios, servidões e mercantilismo pela Revolução Francesa.
O sistema mercantilista caracterizava-se por servidões exclusivistas e privilégios de mercado impostos pelas metrópoles às suas colônias e às demais potências concorrentes. A adesão às propostas de Adam Smith, em “A Riqueza das Nações”, consagrou a liberdade nas trocas econômicas, plantando a semente do capitalismo, responsável pelo progresso europeu e norte-americano do século XIX.
Em 1792, a Assembleia Nacional Francesa aplicou, de modo implacável, a ideia consensual entre os fisiocratas, para impulsionar o desenvolvimento nacional: “Laissez-faire, laissez passer”, lema que resume o ideal de liberdade de ação.
Os países que imitaram a França progrediram. Os que permaneceram mercantilistas foram ultrapassados. A liberdade de ação está associada ao progresso, enquanto que as servidões artificiais induzem o atraso.
Evidentemente, liberdade de ação não pode ser um conceito absoluto, pois encontra limites nos direitos dos demais atores intervenientes no mesmo contexto. Na primeira fase da Revolução Industrial, a insensibilidade de empreendedores associada à inexistência de regulação pelos governos, criou o ambiente explosivo que ensejou as revoluções europeias de 1848 e deflagrou o movimento socialista.
A dialética evolutiva que se seguiu por mais de um século, a duras penas conseguiu aperfeiçoar as relações capital x trabalho, beneficiando os Estados que conseguiram preservar o ambiente de liberdade.
No Brasil pós-1988, as corporações influentes no Congresso avançaram sobre as rubricas do orçamento federal, carimbando a sua destinação e, com isso, restringindo a liberdade de gestão do Poder Executivo. Em 2020, restou apenas 8% da receita orçamentária para administrar o país. Como o custeio da máquina absorve 5,4%, sobrou 3,6% para investimento, equivalente a R$ 20 bilhões, quando o país precisa de pelo menos R$ 150 bi por ano.
A Constituinte de 1988, sob forte influência de lobbies, inseriu no Art. 5º da Constituição Federal, o inciso XVIII, que estabelece: “A criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. Com isso, atou as mãos do governo e interditou o direito de defesa do Estado à proliferação de Organizações-Não-Governamentais e Movimentos Sociais, inclusive, com patrocínio estrangeiro. Atualmente, há mais de 700 mil no Brasil.
A crise do coronavírus levou o Congresso a aprovar o aumento de despesas às custas da dívida pública, que já se aproxima de 100% do PIB. Contudo, permanecem as servidões restritivas da gestão.
Infelizmente, continua adormecida a consciência coletiva da sociedade, permitindo as influências corporativas. O Poder Executivo, eleito legitimamente, precisa de liberdade de ação para implementar a agenda aprovada pelo voto, até para possa prestar contas ao eleitorado. Com as regras existentes, nenhum governo, seja de esquerda ou de direita, será capaz de reverter a estagnação do país.
Portanto, é preciso despertar no Brasil a consciência da importância da liberdade de ação dos gestores públicos e privados, simplificar a legislação e dar efetividade à punição dos abusos.