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Liderança alemã na crise do euro resgata fantasmas de guerra na França

Daniela Fernandes

A liderança da Alemanha na dobradinha Merkel-Sarkozy para salvar o euro da crise desencadeou na França uma polêmica sobre uma suposto sentimento de "germanofobia" no país. Membros da oposição citam embates dos tempos das guerras para acusar o presidente francês de "capitular" nas negociações com a chanceler alemã.

Sarkozy, por sua vez, defende a aliança França-Alemanha para salvar o euro. Os dois países são considerados o eixo da integração europeia e da moeda comum. Membros do partido socialista afirmam que Sarkozy estaria deixando de lado os interesses da França e abdicando da soberania do país ao se submeter às exigências da Alemanha, que tentaria impor uma nova ordem econômica à Europa, com maior disciplina e controles orçamentários.

Nesta segunda-feira, Sakozy e Merkel defenderam que os tratados europeus sejam revisados para prever sanções automáticas aos países que não respeitarem regras de déficit público, de até 3% do PIB. O deputado socialista Arnaud Montebourg (pré-candidato nas primárias para as eleições presidenciais de 2012) associa a política de Merkel à conduzida pelo ex-chanceler Otto von Bismarck, que liderou a unificação alemã em 1870 em meio a uma guerra com a França.

"Bismarck fez a escolha política de reunificar os principados alemães, buscando dominar os países europeus, em particular a França. Com uma semelhança evidente, Merkel tenta resolver seus problemas internos impondo medidas dos conservadores alemães ao resto da Europa", disse Montebourg.

Para o deputado socialista, a antiga política de expansão territorial da Alemanha, que chegou a seu ápice na Segunda Guerra (1939-1945), quando a maior parte da França foi ocupada por tropas alemãs, estaria agora voltada "para o campo do domínio econômico".

"Expansão alemã"
O também socialista Jean-Marie Le Guen comparou Sarkozy ao político francês Édouard Daladier. O diplomata assinou os acordos de Munique de 1938 (entre França, Reino Unido, Itália e a Alemanha de Hitler), que permitiram à Alemanha anexar parte do território da antiga Tchecoslováquia, sem contrapartidas aos demais países signatários.

Le Guen associou a reunião entre Sarkozy, Merkel e o novo premiê italiano, Mario Monti, em Estrasburgo, no final de novembro, aos Acordos de Munique. O pacto, firmado em 1938 por franceses, italianos e britânicos, permitiu à Alemanha nazista a anexar parte da então Tchecoeslováquia. A referência de Le Guen foi vista como uma comparação entre Merkel e Hitler.

O socialista Julien Dray lembrou que Toulou, onde Sarkozy fez um discurso especial defendendo o euro, na última semana, é o local onde a Marinha francesa decidiu afundar voluntariamente sua frota, em 1942, para escapar do Exército alemão e impedir que os nazistas tomassem os navios atracados na costa do Mediterrâneo.

"Há coincidências na História que são surpreendentes. O discurso de Toulon marca uma reviravolta na direita francesa, a do abandono do princípio da independência nacional", afirmou Dray, referindo-se às declarações de Sarkozy sobre a união entre a França e a Alemanha para assegurar a estabilidade da zona do euro.

"Velhos demônios"
O governo reagiu às críticas da oposição afirmando que os socialistas, por razões eleitorais, "estão assumindo os riscos de ressuscitar os velhos demônios da germanofobia" na França, disse o ministro das Relações Exteriores, Alain Juppé.

Sarkozy declarou nesta segunda-feira, após se reunir com Merkel em Paris, "desejar, qualquer que seja o calendário eleitoral, que cada um (dos partidos) saiba corresponder (o papel político que lhes deve), à altura de suas responsabilidades, e que não brinquem com a história dos dois países, que foi muito dramática". O presidente disse ainda que "Merkel e nossos amigos alemães sabem que esses comentários não são feitos por pessoas responsáveis".

A chanceler alemã também reagiu as críticas feitas ao seu país. "Os que dizem isso estão na oposição. Fiquemos contentes de estarmos no comando", disse Merkel.

"Germanofobia"
Pascal Perrineau, diretor do centro de Pesquisas Políticas do instituto Sciences-Po de Paris, diz que a "germanofobia é uma marca profunda" da cultura política francesa desde o século 19. "Claro… a percepção em relação à Alemanha melhorou muito nas últimas décadas. Mas os esteriótipos só estão adormecidos. Eles podem acordar em um contexto onde a Alemanha pode ser acusada de não agir coletivamente e de ser muito rígida", diz o especialista.

Sarkozy defendia a ideia de que o Banco Central Europeu (BCE) pudesse comprar títulos da dívida dos países em crise para acalmar os mercados, uma antecipação do plano de emissão de eurobônus (títulos comuns de todos países da zona do euro), defendido por alguns analistas. Diante da insistência de Merkel de que o BCE é independente, o presidente francês também passou a ressaltar a independência do banco.

O governo francês espera que o BCE continue comprando, como já fez, de maneira discreta, papéis de países da zona do euro, mas não conseguiu que isso fosse incluído no acordo com a Alemanha.

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