POSSÍVEIS EFEITOS DAS
AÇÕES PSICOLÓGICAS NA SOCIEDADE
Possíveis Efeitos das Ações Psicológicas na Sociedade
André Luís Woloszyn
Analista de Assuntos Estratégicos
Autor do livro Vigilância e
Espionagem Digital
O uso de ações psicológicas, em especial, a desinformação em um ambiente conflituoso como a sociedade moderna, considerando a diversidade de correntes ideológicas quase sempre conflitantes, mostra-se um fenômeno a cada dia mais complexo e extremamente grave.
Não se trata somente, como acredita o senso comum, de ações sistemáticas individuais ou de grupos que se reúnem em blogs, sites ideológicos, fóruns anônimos ou pseudônimos, fóruns de discussão e sites de mídia social para promover suas ideias por mais radicais que sejam.
Embora este fenômeno ocorra com frequência, não são estes os que acarretam o maior perigo. Já é consenso entre especialistas do ciberespaço que a Internet deverá se transformar nos próximos anos em um espaço antidemocrático que restringe a expressão do livre pensamento e impede que correntes moderadas possam expressar-se na defesa de seus pontos de vista, face a uma censura tácita realizada pelos próprios usuários.
Me refiro a sistemas tecnológicos elaborados com o uso de softwares como os “bots” para realizar ataques coordenados e sistemáticos destinados a destruir reputações pessoais e a imagem institucional de empresas, criar consensos inverídicos ou distorcidos acerca de determinada questão. Em um sentido mais amplo, tais ações interferem diretamente na percepção dos cidadãos na diferenciação entre realidade e ficção, reduzindo sensivelmente o pensamento analítico, acarretando em alienação social.
A este respeito, pesquisadores como Pennycook e Rand, da Universidade de Yale, estudando comportamentos e perfis concluíram que as pessoas que tendem a pensar analiticamente são mais capazes de distinguir uma manchete falsa da manchete real, independentemente de ser favorável ou desfavorável à sua ideologia. De maneira contrária, as pessoas que são mais receptivas ao sensacionalismo, e lamentavelmente são a maioria, também são as mais ingênuas do que outras quando se trata de manchetes falsas.
Essa correlação é parcialmente explicada por diferenças no pensamento analítico.[1] Em outras palavras, as pessoas que tendem a pensar analiticamente são menos receptivas e menos propensas em acreditar em uma manchete falsa e também estão menos propensas a compartilhar notícias falsas e reais nas redes sociais.
Sendo assim, pelo ambiente ora estabelecido, estamos falando do mais eficiente mecanismo de dominação social atribuído ao uso estratégico dos meios tecnológicos digitais por meio da web, onde a legislação mais abrangente simplesmente não possui poder inibidor, contrariamente a recente sugestão de prisão dos envolvidos emanada pelo Supremo Tribunal Federal.
Uma sociedade submetida a um longo processo de desinformação apresenta alta probabilidade de sofrer colapso assim como a corrosão do regime democrático, desencadeado pelo descrédito das instituições públicas que se enfraqueceram com os constantes ataques.
Neste contexto, o Brasil se tornou um terreno fértil para a aplicação de ações psicológicas desta natureza por diversos fatores condicionantes. Dentre estes, destacam-se a conjuntura política instável, o aumento de posições extremistas, o estado de desânimo e desconfiança da população em relação a algumas das lideranças políticas e instituições de Estado somadas as campanhas difamatórias produzidas no exterior acerca da floresta amazônica e dos danos ambientais no litoral do Nordeste, ocasionados pelo derramamento de petróleo bruto.
Outra importante pesquisa realizada por Wineburg e Mc Grew, do Stanford Education Group, acerca da leitura literal dos usuários das redes criaram a figura de verificadores de fatos quando observaram que ao contrário dos historiadores e estudantes, que tendiam a olhar apenas para a própria fonte para julgar sua credibilidade, baseados na aparência do site e dos nomes de domínio, um número pequeno de internautas abriu novas abas e usaram mecanismos de busca mais amplos para julgar a credibilidade de uma fonte. Isso os tornou mais capazes de identificar informações enganosas.[2]
Por outro lado, o que vem sendo observado constitui-se em um sistema que envolve alta tecnologia e vultuosos recursos financeiros para manter sua operacionalidade e proteção. Qualquer tentativa de neutralização só poderá ser efetivada por meio de outro sistema de detecção que atualmente ainda não foi desenvolvido, o que fomenta e traz segurança aqueles que o utilizam.
Ao encontro deste argumento encontramos a visão de Júlio Assange, [3] que trata do tema como instrumento de controle e poder. Ele assevera que considerando a complexidade destas tecnologias concebidas para operar em segredo e dos diferentes interesses de quem as dominam, ela não pode ser regulada por políticas, pela legislação ou por uma supervisão democrática expressiva.
Outro exponente a ratificar esta ideia é Pierre Lévy,[4] quando afirma que praticamente nenhum sistema de governo contemporâneo foi concebido de modo a responder esta questão. “Será necessária uma conjugação de esforços da sociedade internacional para um objetivo comum, o que nem sempre logra êxitos”.
Neste sentido, pela complexidade e abrangência do sistema, não está descartada a hipótese de que tais ataques estejam sendo perpetuados, apoiados ou patrocinados por países com interesses diversos.
Referências
1 PENNYCOOK & RAND. Quem cai por notícias falsa: Os papéis do pensamento analítico, raciocínio motivado, ideologia política e receptividade de besteiras. Disponível em: https://firstdraftnews.org/seven-studies-mis-disinformation-2017. Acesso em 30.05.2018.
2 WINEBURG & Mc GREW. Leitura lateral: lendo menos e apreendendo mais ao avaliar informações digitais. Disponível em: https://firstdraftnews.org/seven-studies-mis-disinformation-2017. Acesso em 30.05.2018.
3 ASSANGE, Júlio. Cypherpunks: liberdade e o futuro da Internet. Tradução Cristina Yamagami. São Paulo: Boitempo, 2013.
4 LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva. Tradução Luiz Paulo Rouanet, São Paulo: Folha de São Paulo, 2015.