Tatiana Porto
Quando comecei a escrever este artigo, um dos primeiros pensamentos que tive foi: como lidar e se adaptar a este tão falado “novo normal” se esta pandemia tivesse ocorrido entre o final da década de 1980 e início dos anos 1990? E esta questão surgiu justamente pela carência ou limitação tecnológica da época, mas totalmente condizente com o contexto da década.
Eu, que nasci no final dos anos de 1970, pertenço a uma geração que por muito tempo lidou com calhamaços de papel, calculadora, telefone fixo, aparelho de fax, internet discada, desktops imensos, impressora matricial, disquetes, além dos tradicionais lápis, caneta e borracha. Pesquisas eram feitas em livros, manuais e apostilas. Os brindes mais disputados no final do ano eram a agenda de papel e o calendário de mesa.
Bons tempos em que o relacionamento interpessoal e o famoso “olho no olho” e “aperto de mão” selavam parcerias duradouras e grandes negócios. Mas como estaríamos trabalhando em um momento de pandemia como a que vivemos atualmente sem a tecnologia que temos à disposição?
Minha resposta inicial é que certamente o desafio para manter as empresas operando e a economia girando seria imenso e, em certos casos, até utópico. Talvez teríamos que expor ainda mais a saúde dos nossos colaboradores e de seus familiares para mantermos a continuidade do mundo corporativo.
A tecnologia se tornou uma grande aliada das organizações, que hoje dispõem de uma série de ferramentas para atrair, engajar, desenvolver e reter colaboradores. As empresas já têm sido pressionadas para iniciar ou agilizar a sua transformação digital há algum tempo, e a pandemia vem acelerando este processo. Isso pode ser difícil, até por conta do seu grau de maturidade no que diz respeito ao ambiente digital. Mas é inegável as oportunidades em termos de melhoria, aprendizado e quebra de paradigmas que este momento nos tem proporcionado.
Processos seletivos 100% virtuais, com uso de tecnologias que permitem a aplicação de testes técnicos e de competências, jogos e entrevistas online, já são realidade. Com o avanço de tecnologias como a inteligência artificial, internet das coisas e análise de dados, os resultados da seleção são mais assertivos. Por exemplo, será que o sistema de reconhecimento facial poderia aprimorar, de alguma maneira, um processo seletivo? Como fomentar um processo de recrutamento interno utilizando a tecnologia para torná-lo mais rápido e meritocrático?
Possibilidades não faltam, e esta é a beleza do mundo digital. Ferramentas que auxiliam na análise de dados que são fundamentais para a tomada de decisões, desde as mais táticas até as mais estratégicas, ganham cada vez mais relevância no mundo corporativo.
Em termos de engajamento, algumas empresas têm utilizado processos de gamificação para promover inovação, trabalho colaborativo, aculturamento e reconhecimento; redes sociais corporativas para incentivar e fortalecer o processo de comunicação transparente e fluida; e tecnologias voltadas à pesquisa, que podem ser utilizadas seja para um processo de desenvolvimento profissional, análise de clima organizacional e processos decisórios democráticos.
Já em termos de capacitação, cada vez mais uma variedade de conteúdos online é disponibilizada aos colaboradores, que podem usufruir deste diverso portfólio para o seu desenvolvimento profissional de acordo com seus interesses. Neste mundo digital, conseguimos capacitar pessoas com muito mais agilidade e abrangência – algo que, no passado, ficava limitado ao processo padrão de aprendizado presencial em sala de aula.
Limites geográficos estão sendo colocados à prova por conta da tecnologia, e a pandemia certamente reforçou a quebra de paradigmas com relação à prática do home office. Com todas as ferramentas de reuniões online disponíveis, pessoas podem se conectar independentemente da sua localidade, permitindo participação ativa em eventos e fóruns que anteriormente eram restritivos em função de logística e até de orçamento. Outro benefício que podemos colher transpondo fronteiras é a prática de networking e de diálogos constantes, seja para fins de feedback, troca de experiência ou mesmo mentoring – grandes trunfos no processo de desenvolvimento profissional.
O desafio, contudo, é tomar cuidado com os excessos. Tenho ouvido muitas reclamações durante este período de pandemia em termos de sobrecarga de reuniões virtuais, muito por conta da facilidade de conectividade que a tecnologia traz, e da alta disponibilidade que acabamos demonstrando com baixa imposição de limites. Pesquisas demonstram, inclusive, que este excesso de “virtualidade” demanda um maior esforço cerebral, o que aumenta nosso estresse e desgaste mental, trazendo um impacto negativo à nossa saúde mental. Equilíbrio, portanto, é chave para nos beneficiarmos da tecnologia de uma maneira saudável.
Por fim, como área de Recursos Humanos, acredito que mesmo após a pandemia continuaremos colhendo os frutos da tecnologia, aproveitando-a ao máximo para trazer eficiência e agilidade aos processos internos e facilitando a vida dos nossos colaboradores. A tecnologia, quando utilizada com um foco humano, tem um enorme potencial para promover a integração, o equilíbrio, um ambiente colaborativo, inovador, criativo, o empoderamento e a inclusão social. Trata-se de uma grande ferramenta para atrair, engajar, desenvolver e reter talentos, e traz vantagens competitivas para as organizações, pois gera aumento de produtividade, eficácia e lucratividade. Mas é fato que a tecnologia não substitui as vantagens da interação pessoal. Por isso, acredito que, quanto mais conseguirmos usufruir da tecnologia sem perder o contato humano, mais completa será a experiência que o colaborador terá na organização.
Tatiana Porto é diretora de Recursos Humanos da Cognizant no Brasil.