A Guerra Jurídica – Uma Introdução
Gen Bda (Reserva) USAF Charles Dunlap Jr
Military Review Edição Brasileira
Quarto trimestre 2017
Serviu 34 anos no Serviço Ativo antes de entrar na Reserva Remunerada, em 2010, como o Deputy Judge Advocate General (Vice Juiz-Advogado Geral) da Força Aérea. Suas funções anteriores incluem rodízios na Europa e na Coreia e operações na África e no Oriente Médio. É graduado pela St. Joseph’s University e pela Escola de Direito da Villanova University e é graduado com distinção do National War College. É o Diretor Executivo do Center on Law, Ethics and National Security da Escola de Direito da Duke University. Os blogs dele podem ser encontrados no site LAWFIRE, https://sites.duke.edu/lawfire.
Para muitos comandantes e outras autoridades militares, o papel das leis nos conflitos do Século XXI é uma fonte de frustração. Alguns pensam que elas lhes “restringem” de uma forma que inibe o êxito em combate1. Para outros, as leis são mais uma “ferramenta que é usada pelos inimigos do Ocidente”2. Para, pelo menos, um aliado principal, a Grã-Bretanha, as leis parecem injetar uma contraproducente hesitação nos ambientes operacionais3. Todas essas interpretações possuem elementos de verdade, mas, ao mesmo tempo, não são exatamente precisas em prover um entendimento do que pode ser chamado o papel da guerra jurídica nos conflitos militares atuais.
As leis têm se tornado um aspecto central dos conflitos do Século XXI. As guerras atuais são travadas dentro do que Joel Trachtman chama um “ambiente repleto de leis, com uma abundância de regras e fóruns legais”4. Isso é o resultado de muitos fatores fora do contexto militar, incluindo o impacto da economia globalizada. De fato, como o Global Policy Forum aponta, a globalização “está mudando os contornos das leis e criando novas instituições e normas legais globais”5.
Da mesma forma que outros aspectos da vida moderna, as tendências na esfera econômica impactam as funções de combate, e isso inclui como as leis interagem com o conflito armado. Muitas autoridades militares já admitiram essa realidade. O Alte Esq (Reserva). James L. Jones, do Corpo de Fuzileiros Navais, ex-Comandante da OTAN e Conselheiro de Segurança Nacional, observou, há alguns anos, que a natureza da guerra tinha mudado. “Ela tem se tornado muito legalista e muito complexa”, ele disse, acrescentando que agora “tem que se ter um advogado ou uma dúzia deles”6.
Também, a tecnologia tem revolucionado o impacto das leis na guerra, conforme as suas muitas manifestações são acrescentadas à complexidade da guerra. Entender as implicações da tecnologia no combate exige uma apreciação profunda das normas que a governam, ou que deveriam governá-la. O Gen Ex (Reserva) Stanley McChrystal observou recentemente que “a tecnologia somente fez com que as leis sejam mais relevantes no campo de batalha”7. Ele acredita que “nenhum entendimento verdadeiro do exercício do poder militar dos EUA pode ser obtido sem uma apreciação sólida de como as leis moldam as missões militares e os seus resultados”8.
O propósito deste artigo é prover uma visão geral do conceito do que veio a ser conhecido como a guerra jurídica. Ainda, visa proporcionar contexto prático para os líderes não ligados à área jurídica pensarem na guerra jurídica, bem como algumas considerações de como se preparar para operar contra um inimigo que busca tirar proveito desse fenômeno dos conflitos contemporâneos9.
O Que é a Guerra Jurídica?
O termo guerra jurídica já existe há algum tempo, mas o seu uso moderno originou-se em um estudo que este autor escreveu para a Kennedy School, da Harvard [University], em 200110. A guerra jurídica representa um esforço para prover aos públicos militares e não especialistas na área jurídica um dicionário de termos de fácil compreensão, do tipo “memento”, sobre a maneira como beligerantes, em particular aqueles incapazes de enfrentar as capacidades militares de alta tecnologia, tentam empregar as leis como uma forma de guerra assimétrica11.
Ao longo do tempo, a definição tem evoluído, mas hoje em dia é melhor entendida como o emprego da lei como um meio de realizar o que, de outra forma, exigiria o emprego da força militar tradicional. É algum tipo de exemplo do que o estrategista chinês Sun Tzu pode dizer é a “excelência suprema” da guerra, que busca subjugar “a resistência do inimigo sem lutar”12. Na maioria das vezes, contudo, seria apenas uma parte de uma estratégia maior que, provavelmente, envolveria capacidades cinéticas (letais) ou outras capacidades militares tradicionais.
Mais importante ainda, a guerra jurídica é ideologicamente neutra. De fato, é útil considerá-la como uma arma que pode ser usada para o bem ou para o mal, dependendo de quem a exerce e para quais finalidades. Como Trachtman diz, “A guerra jurídica pode substituir o combate quando proporciona um meio para compelir um comportamento específico com menos custos do que a guerra cinética, ou mesmo em casos onde a guerra cinética seria ineficaz”13. Essa é uma verdade que é igualmente aplicável para os inimigos dos EUA tanto quanto é para os próprios Estados Unidos.
Como os Estados Unidos Têm Usado a Guerra Jurídica?
Há muitos exemplos de como as leis podem ser usadas como um substituto pacífico para outras metodologias militares. Por exemplo, durante o início da Operação Enduring Freedom, as imagens comerciais de satélite de áreas no Afeganistão ficaram disponíveis no mercado livre. Embora talvez houvesse várias maneiras de impedir que tais dados extremamente valiosos caíssem em mãos hostis, uma “arma” jurídica — um contrato — foi usada para comprar as imagens. Essa ação preveniu que “as fotos caíssem em mãos de organizações terroristas, como a Al Qaeda”14.
As leis desempenham um papel muito importante nas operações de contrainsurgência. Embora o termo guerra jurídica não seja usado, o Manual de Campanha 3-24, Insurgências e Contrainsurgências (FM 3-24, Insurgencies and Countering Insurgencies), está repleto de exemplos de como a lei é um elemento essencial do abrangente método necessário para obter êxito em tais conflitos15. Em particular, ressalta que “o estabelecimento do Estado de Direito é o principal objetivo e a situação final desejada da contrainsurgência”16. Como o Gen Ex David H. Petraeus ressaltou, é improvável que um esforço de contrainsurgência obtenha êxito na ausência de uma forma de guerra jurídica que produza o Estado de Direito no país alvo, em vez de depender apenas da eliminação ou da captura da força insurgente17.
Há outros meios legais que podem ter um impacto mais direto nas capacidades militares. Por exemplo, sanções internacionais debilitaram a força aérea iraquiana, até o ponto que menos de um terço das suas aeronaves estava pilotável, quando a coalizão realizou a invasão, em 200318. O impacto operacional é óbvio: os jatos iraquianos foram mantidos em solo com tanta eficácia quanto se fossem abatidos. As sanções, também, são vistas como causadoras do adiamento do crescimento da presença militar russa. Kyle Mizokami reportou, em 2016, que as sanções internacionais (junto com a queda de preço do petróleo) afetaram adversamente a economia, que, por sua vez, frustrou os esforços russos de reconstruir as suas forças armadas19.
Existe uma variedade de métodos de usar a lei para minar adversários, abordagens que podem ser classificadas sob a égide da guerra jurídica. Por exemplo, Juan Zarate, um ex-funcionário do Ministério da Fazenda, descreve uma gama de iniciativas legais que a sua agência usou para interromper e negar aos terroristas, em particular, os recursos financeiros de que precisavam20. Além disso, até processos jurídicos privados trabalham para negar aos terroristas acesso às plataformas bancárias e de mídia social, das quais eles contam cada vez mais21.
Como é que o Adversário Emprega a Guerra Jurídica?
Muitos atores não estatais hostis usam a guerra jurídica como aspecto principal da sua estratégia para enfrentar as forças militares de alta tecnologia. Para esclarecer, empregam a lei para converter o respeito pela lei nos Estados Unidos e outros países democráticos em uma vulnerabilidade. Por exemplo, talvez busquem explorar relatórios reais ou imaginários de baixas civis, com a esperança de criar medo de que mais do mesmo irá resultar em um uso limitado de certas tecnologias militares (e.g., poder aéreo) pelos países com forte Estado de Direito, como os Estados Unidos.
As sequelas do bombardeio da casamata Al Firdos, durante a Guerra do Golfo, em 1991, pressagiavam muito do que vemos atualmente. Embora fosse considerada ser um centro de comando e controle militar, na realidade foi usada como um abrigo para as famílias de autoridades iraquianas de alto nível. Quando as fotografias de civis mortos e feridos foram veiculadas pelo mundo inteiro, elas “realizaram o que as defesas antiaéreas iraquianas não podiam fazer: o centro de Bagdá passar a ser atacado de forma comedida, se é que fosse atacado “22.
Ironicamente, nada que infringisse a lei da guerra ocorreu, mas as percepções disso tinha o efeito operacional de um sistema antiaéreo sofisticado23. Muitos adversários têm aprendido com esse evento, como um exemplo de como um meio de baixa tecnologia pode enfrentar sistemas de alta tecnologia. Obviamente, as percepções são importantes. Michael Riesman e Chris T. Antoniou insistem:
Nas democracias populares modernas, mesmo um conflito armado limitado requer uma base substancial de apoio público. Esse apoio pode erodir ou até inverter-se rapidamente, independentemente do valor do objetivo político, se as pessoas acreditam que a guerra está sendo travada de uma maneira injusta, inumana ou iníqua [ênfase aumentada]24.
Consequentemente, depois de observar o que o bombardeio aéreo de Al Firdos provocou, alguns adversários buscam explorar tais incidentes quando ocorrem. Outros, porém, procuram orquestrá-los para receber o benefício da possível contenção subsequente. Por exemplo, o Estado Islâmico “emprega civis como escudos humanos para alegar que a coalizão, liderada pelos EUA, visa pessoas inocentes durante as incursões”25.
De fato, a maioria dos adversários dos EUA realmente vê o respeito pela lei, por parte da nossa cultura política, como um “centro de gravidade”, para ser explorado. William Eckhardt observa:
Ao saber que nossa sociedade respeita o Estado de Direito tanto que exige conformidade com ele, nossos inimigos atacam cuidadosamente nossos planos militares como ilegais e imorais e nossa execução desses planos como contrária à lei da guerra. Essa vulnerabilidade é o que o filosófico da guerra, Carl von Clausewitz, chamaria nosso “centro de gravidade”26.
Os incidentes de ilegalidades favorecem, de modo marcante, a estratégia da guerra jurídica do inimigo. O escândalo de abuso de prisioneiros em Abu Ghraib, que ocorreu durante a Guerra do Iraque, é uma ilustração clássica27. É significativo que o Gen Div Ricardo Sanchez, então Comandante da Força-Tarefa Combinada 7 (comandante das forças terrestres da coalizão no Iraque), tenha usado linguagem militar tradicional ao avaliar o impacto da explosão de criminalidade em Abu Ghraib, chamando-a “claramente uma derrota” porque o seu efeito foi indistinguível daquele imposto por reveses militares tradicionais28. Em outros lugares, como reportado por Joseph Berger no New York Times, Petraeus, então Comandante do Comando Conjunto Central dos EUA, explicara, durante uma entrevista, como as violações da lei impactam o que acontece no campo de batalha:
Sempre que temos, talvez, tomado medidas rápidas e impensadas, elas têm saído pela culatra”, [Petraeus] disse. Toda vez que americanos usaram métodos que violavam as Convenções de Genebra ou outros padrões do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, ele disse: “No final, acabamos pagando o preço. Abu Ghraib e outras situações semelhantes não são biodegradáveis. Não desaparecem. O inimigo continua a bater em você com elas, como um porrete”29.
A situação é agravada ainda mais durante essa época de onipresentes câmeras esportivas, telefones celulares e aparelhos semelhantes que são capazes de gravar e transmitir imagens pelo mundo inteiro, em tempo real ou quase real. Um vídeo, de 40 segundos, de fuzileiros navais urinando nos corpos de talibãs mortos que se tornou “viral” era, segundo autoridades afegãs, uma “ferramenta de recrutamento para o Talibã”30. Isso é exatamente o tipo de ilegalidade evitável que os adversários orientados para a guerra jurídica exploram com presteza.
Um sargento da 1a Divisão Blindada controla uma multidão desordeira, para proteger um homem que foi quase pisoteado na parte de fora do Banco Al Rasheed, no mercado Jamila, no bairro xiita Cidade de Sadr, Bagdá, Iraque, 10 Jun 08. Giannakouris/ Associated Press
O ponto é que, hoje em dia, cada soldado no terreno é, de fato, um “cabo estratégico”. O Alte Esq Ex Charles C. Krulak, ex-Comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, disse, em 1999, que “o fuzileiro naval individualmente será o símbolo mais ostensivo da política externa norte-americana e irá potencialmente influenciar não apenas a situação tática imediata, mas também os níveis operacionais e estratégicos”31. Atualmente, a divulgação da legalidade ou ilegalidade de indivíduos, demasiadamente facultada pela tecnologia, é capaz de ter um impacto operacional ou estratégico.
A Guerra Jurídica da China e da Rússia
É um erro pensar que a guerra jurídica é algo somente usado pelos atores não estatais que estão vulneráveis à tecnologia. Os países com capacidades militares formidáveis empregam a guerra jurídica, mas de forma diferente. A China, por exemplo, possui uma doutrina extremamente sofisticada sobre a “guerra legal”, que designa essas estratégias como um dos seus “três tipos de guerra”32. Segundo Dean Cheng, o “Exército de Libertação Popular aborda a guerra jurídica de uma perspectiva diferente: como uma arma ofensiva capaz de incapacitar oponentes e obter a iniciativa política”33.
Ao citar fontes chinesas, Cheng observa, “A guerra legal, na sua forma mais básica, envolve ‘o argumento de que o seu próprio lado obedece à lei, a crítica do outro lado por violações da lei e o desenvolvimento de argumentos pelo próprio lado em casos onde há, também, violações da lei’”34. Os eventos atuais sugerem que a China parece estar executando a sua estratégia de guerra jurídica. De fato, alguns observadores consideram essa estratégia como a investida principal da sua expansão no Mar da China Meridional35.
Além disso, hoje, a Rússia é frequentemente vista como um praticante proeminente do que já foi chamada a “guerra híbrida”, da qual a guerra jurídica é um elemento. Na linguagem do Exército, o termo “ameaça híbrida” descreve “a aparentemente aumentada complexidade das operações, a multiplicidade dos atores envolvidos e a falta de clareza entre os elementos tradicionais de conflito”36. Ela combina as “forças tradicionais governadas pela lei e a tradição e os costumes militares com as forças não reguladas que agem sem restrições à violência ou à escolha de alvos”37.
O Chefe do Joint Chiefs of Staff (Organização que reúne os Comandantes das Forças Singulares dos EUA) Gen Ex Joseph F. Dunford Jr. diz que tenta evitar a terminologia “híbrida”. Em vez disso, ele a considera “uma competição com um adversário que possui uma dimensão militar, mas que sabe exatamente qual é o nosso limite, antes de nós tomarmos a ação militar decisiva”. Consequentemente, ele observa que “eles operam abaixo desse nível”, e são capazes de “continuar a avançar na conquista de seus seus interesses enquanto nós perdemos a vantagem competitiva”38.
Peritos jurídicos dizem que a forma de guerra híbrida da Rússia busca, explicitamente, confundir as linhas legais para explorar a incerteza resultante39. Eles postulam que a “incerteza, a ambiguidade e o caráter atribuível que são inerentes da guerra híbrida criam não apenas novos problemas de segurança, mas também desafios legais”, especialmente para aqueles que aderem à lei internacional com boa fé e aos enquadramentos acordados em comum estabelecidos e governados sob princípios do Estado de Direito”40. Certamente, isso é um tipo de guerra jurídica e algo que faz parte, de longa data, do arsenal russo41.
Como Responder no Nível Tático: As Responsabilidades do Comandante
Obviamente, muitos dos desafios e oportunidades apresentados pela guerra jurídica, em suas variadas manifestações, surgem principalmente nos níveis estratégico e operacional do conflito. No entanto, isso não significa que outros aspectos da guerra jurídica não têm importância para aqueles no nível tático. Isso é relevante em relação à negação da oportunidade para o inimigo empregar as técnicas da guerra jurídica, para explorar ou provocar atos que produzam o fato, ou a percepção, da ilegalidade que pode minar ou até impedir o sucesso da missão.
A maioria dos comandantes e líderes do nível tático entende que eles têm uma ampla variedade de responsabilidades na esfera legal, particularmente relacionadas com a disciplina. O 2015 Commander’s Legal Handbook (“O Compêndio Legal do Comandante, de 2015”) aconselha isso em muitos casos,
A finalidade das suas ações deve ser preservar a situação legal até poder consultar o seu assessor jurídico. Contudo, como a maioria dos aspectos das suas responsabilidades de comando, pode-se fracassar se simplesmente esperar para as coisas acontecer. Precisa-se ser proativo na prevenção de problemas antes que eles ocorram42.
Em termos de operações, ser proativo em relação ao desafio da guerra jurídica inclui o que eu chamo “preparação jurídica do espaço de combate”.
Preparação Jurídica do Espaço de Combate
Os comandantes estão familiarizados com o conceito de preparação das informações do campo de batalha, mas precisam acrescentar a preparação jurídica do espaço de combate a sua “lista de tarefas”43. Isso significa a análise sistemática das dimensões jurídicas de uma missão específica e o seu contexto, e a determinação dos seus potenciais efeitos nas operações. Então cabe aos comandantes — em todos os níveis — tomarem todas as medidas possíveis para melhorar os efeitos positivos da lei sobre as operações, e para eliminar ou mitigar os potenciais impactos negativos.
Essencial para esse esforço seria a utilização dos assessores jurídicos. Como qualquer outra Arma, Quadro ou Serviço o Assessor Jurídico tem estabelecido uma área de prática explícita para “prover conselhos jurídicos aos comandantes e suas equipes de comando sobre as leis domésticas, estrangeiras e internacionais que influenciam as operações militares”44.
Recentemente, o Maj Dan Maurer, um Assessor Jurídico do Exército (JAG), alertou outros advogados militares sobre a necessidade de entender o seu papel de assessoria em relação ao comandante e a outros tomadores de decisão. Embora não abordasse especificamente a guerra jurídica, os seus conselhos ainda têm utilidade: “Os tomadores de decisão precisam ser completamente confiantes e conscientes não apenas sobre o que você pensa, mas por que você pensa assim e como as decisões particulares deles afetarão outros além das consequências vagas do exercício imediato”45.
A maioria dos comandantes provavelmente concordaria com Maurer, mas como eles podem garantir que o seu assessor jurídico seja capaz de lhes proporcionar esse tipo de discernimento? Parte da resposta é fácil, que comandantes provavelmente serão apoiados por assessores jurídicos com fortes habilidades legais. Hoje em dia, é extremamente concorrido ser designado como oficial da Assessória Jurídica do Exército, e os estudantes de Direito e os advogados que se candidatam para a posição precisam estar entre os melhores46. Contudo, a perspicácia legal é apenas uma parte do processo.
O melhor advogado não pode ser efetivo se ele não entende completamente os negócios e necessidades do cliente. No ambiente militar, isso significa um entendimento profundo da missão, das capacidades e da mentalidade da unidade apoiada. Muito disso cabe ao assessor jurídico desenvolver, porém comandantes podem facilitar o processo ao se aproximar dele. Isso significa assegurar que o assessor jurídico visite a unidade frequentemente e obtenha familiaridade com os soldados, equipamento e métodos de operações. Isso precisa ser cumprido na sede da unidade, porque é extremamente difícil fazer isso às pressas ou durante os períodos de missão no exterior.
O êxito, Maurer nos informa, é “medido pelo próprio relacionamento entre o assessor e o tomador de decisão principal”47. Ele oferece essas perguntas para introspeção por ambos, o assessor jurídico e o tomador de decisão:
É [o relacionamento] caracterizado pela confiança? É profundo? É sincero? Perdoa erros e aceita nuances e um pouco de caos? É construído para permitir tempo para ser todas essas coisas, ou é nada mais do que um relatório bissemanal?48
Nada disso, claro, dispensa a responsabilidade do assessor jurídico e de outros na sua cadeia de comando funcional de se engajar em uma análise jurídica profissional de amplo alcance, e frequentemente altamente técnico, e preparar um plano de apoio jurídico que abranja todos os níveis da guerra necessários para travar, efetivamente, a guerra jurídica e, por outro lado, proteger-se contra ela49.
Educar as Tropas sobre a Guerra Jurídica
Além de obter o assessor jurídico ideal, é importante conseguir que as tropas entendam o “por que” da guerra jurídica. A parte mais óbvia desse processo para unidades de nível tático é garantir que as tropas entendam que a disciplina no espaço de combate é mais do que um assunto de caráter e responsabilidade pessoais; ela se relaciona diretamente, como discutido anteriormente, ao sucesso operacional.
Consequentemente, o comandante e outros da equipe de comando precisam explicar a importância de negar aos adversários incidentes, reais ou percebidos, de má conduta que possam ser explorados. Essa parte da preparação jurídica do campo de batalha precisa começar bem antes da unidade chegar ao espaço de combate. Como o Supremo Tribunal Federal dos EUA explicou no caso Chapell contra Wallace,
As exigências inescapáveis da disciplina militar e da obediência às ordens não podem ser ensinadas no campo de batalha; o hábito da conformidade com os procedimentos militares e com as ordens precisa ser efetivamente um reflexo, sem tempo para debate ou reflexão50.
No entanto, ao mesmo tempo, os comandantes do Século XXI precisam considerar que os militares atuais não são autômatos (e não devemos querer que seja assim). Segundo o Deloitte Millennial Survey, de 2016, os valores pessoais têm a maior influência no processo decisório da Geração do Milênio51. Isso significa que eles precisam ter um profundo entendimento de como uma tarefa se encaixa nos seus valores e éticas pessoais52. Richard Schragger ressalta que a “lei permite que nossas tropas se engajem em atos violentos de força, com relativamente pouca hesitação ou receios morais”53. A lei, ele informa, cria um “espaço legal bem definido dentro da qual militares individualmente podem agir sem recorrer aos seus próprios códigos morais pessoais”54.
Ausente de um entendimento sólido da importância da lei e das suas bases morais, os códigos morais pessoais podem se virar para o pior, sob o enorme estresse do combate. O falecido historiador Stephen Ambrose observou que é um “aspecto universal da guerra” que quando tropas jovens são colocados “em um país estrangeiro com armas nas mãos, às vezes, coisas terríveis acontecem, as quais se desejaria que nunca tivessem ocorrido”55. Mais recente, William Langewiesche reportou quão o combate pode distorcer catastroficamente o juízo de, em outros contextos, bons soldados56. Esse e outros estudos de caso precisam ser examinados cuidadosamente por todos: comandantes, assessores jurídicos e tropas.
Claramente, para negar ao adversário uma estratégia efetiva da guerra jurídica, as tropas precisam ser instruídas sobre o assunto e sobre a sua incorporação nas regras de engajamento. Os comandantes, contudo, precisam ser cautelosos em relação aos limites autoimpostos, pois eles podem ser usados para o benefício dos adversários. Por exemplo, o anúncio, primeiro pela OTAN e depois pelos Estados Unidos, sobre as regras de engajamento que exigem uma “quase certeza” de zero baixas civis cria a percepção de ilegalidade quando tais baixas inevitavelmente ocorrem, embora a lei internacional não requeira zero baixas civis, mas simplesmente que não devem ser excessivas em relação à concreta e objetivada vantagem militar prevista57.
Tais restrições publicamente promulgadas convidam adversários a fazerem exatamente o que a lei não quer que eles façam: inserirem-se entre civis para proteger-se de um ataque aéreo com mais eficácia do que qualquer defesa antiaérea pode fazer. De fato, há um risco verdadeiro de que as regras de engajamento demasiadamente restritivas possam, paradoxalmente, pôr civis em risco, porque a não realização de uma investida talvez poupe alguns civis no curto prazo, mas, com o tempo, o inimigo que escapa pode prosseguir e causar danos aos inocentes, que não teria sido o caso se o ataque fosse realizado e o inimigo tivesse sido neutralizado58.
Tudo isso sugere que as complexidades dos campos de batalha modernos, e em particular as implicações da guerra jurídica e das técnicas contra ela, fazem que as soluções sejam muito dependentes de fatos. Um entendimento sofisticado sobre o “terreno” jurídico é essencial e exigirá um investimento intelectual real por parte de comandantes militares e das suas forças, se quiserem estar preparados para vencer.
As maquinações legais dos russos para travar a guerra híbrida não são necessariamente as mesmas que a guerra das leis da China no Mar da China Meridional ou a exploração impiedosa de escudos humanos do Estado Islâmico para repelir as armas de alta tecnologia. Cada método é uma prática relacionada à guerra jurídica, porém divergente. Apenas por meio de uma análise discriminada e detalhada dessas várias estratégias da guerra jurídica podem as forças dos EUA ser capazes de antecipar e mitigar o emprego da guerra jurídica de um adversário.
Observações Conclusivas
Ainda há muito trabalho para fazer. Em seu livro sobre a guerra jurídica, Orde Kittrie observa sabiamente que “apesar do termo ser cunhado por uma autoridade do governo dos EUA, esse governo somente tem se engajado esporadicamente com o conceito da guerra jurídica”59. Ele prossegue lamentando que os Estados Unidos não possuem “nenhuma estratégia ou doutrina sobre a guerra jurídica, e nenhum gabinete ou mecanismo Interagências que desenvolva ou coordene, sistematicamente, a defesa ou o ataque de guerra jurídica dos EUA”60.
Embora a enumeração de todas as técnicas para enfrentar as estratégias da guerra jurídica de adversários esteja além do alcance deste artigo, espero que, junto com outros especialistas, um começo já esteja em andamento. Felizmente, algum trabalho útil já foi feito em relação a desafios específicos. Por exemplo, o estudo, de 2013, de Stephan Halper — preparado para o Office of Net Assessments do Departamento de Defesa — proporciona ideias úteis não somente para a situação específica que aborda (as ações chinesas no Mar da China Meridional), mas também práticas reais para outras situações da guerra jurídica61. Da mesma forma, Trachtman fez um trabalho valioso que ajudará a desenvolver pensamentos sobre a guerra jurídica62.
Além disso, na revista Three Swords Magazine, da OTAN, o Ten Cel John Moore, do Exército dos EUA, observa que embora a OTAN não possua uma definição ou uma doutrina formal, o conceito vem sendo discutido em estudos e conferências63. Considerando o crescimento, especialmente do emprego russo da guerra híbrida com o seu elemento de guerra jurídica, ele acredita que é urgente que a OTAN coalesça o pensamento existente sobre o tema e o exprima em uma doutrina formal, para facilitar a capacidade da Aliança de defender-se contra as técnicas da guerra jurídica, bem como empregar o conceito de forma proativa64.
Entretanto, comandantes e autoridades em todos os níveis precisam incluir as leis e a guerra jurídica nos seus processos de planejamento e na condução das operações, mesmo na ausência de doutrina formal. O fato é que a guerra jurídica não é um fenômeno temporário; ela é intrínseca aos conflitos atuais e continuará a ser assim no futuro previsível. Os melhores líderes garantirão que eles e as suas tropas estejam preparados para enfrentar esse desafio.
Referências
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Joel P. Trachtman, “Integrating Lawfare and Warfare,” Boston College International and Comparative Law Review 39, no. 2 (2016): p. 267, acesso em: 7 mar. 2017, http://lawdigitalcommons.bc.edu/iclr/vol39/iss2/3.
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Dunlap, “Law and Military Interventions: Preserving Humanitarian Values in 21st Conflicts” (paper presentation, Humanitarian Challenges in Military Intervention Conference, Washington, DC, 29 Nov. 2001), acesso em: 7 mar. 2017, http://scholarship.law.duke.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=6193&context=faculty_scholarship; “About Lawfare: A Brief History of the Term and the Site,” Lawfare (blog), acesso em: 7 mar. 2017, https://www.lawfareblog.com/about-lawfare-brief-history-term-and-site. Segundo o blog Lawfare, o termo “guerra jurídica” veio a ser adotado durante a apresentação do ensaio “Law and Military Interventions” (“A Lei e as Intervenções Militares”, em tradução livre) de Dunlap.
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