Nota DefesaNet Iniciamos duas séries especiais: 1 – Coup d´Presse – contendo publicações da imprensa contra as Forças Armadas, sempre com intuito de desinforma e desestabilizar, E iniciamos e a segunda: 2 – Coup d´FHC com as ações conduzidas pelo ex-presidente com o objetivo de desestabilizar o Brasil e o Governo Constituído e as Forças Armadas. O Editor |
Guilherme Amado
com Eduardo Barreto e Naomi Matsui
Epoca
Há alguns meses, em especial depois do começo da pandemia, Bolsonaro vem dando a entender, insinuando ou dizendo de maneira cifrada que pode romper de alguma forma com a ordem democrática. Seu filho Eduardo Bolsonaro disse abertamente que uma ruptura institucional é questão de "quando" e não de "se.
Carla Zambelli, deputada do PSL por São Paulo e uma das principais aliadas do presidente no Congresso, afirmou em entrevista à coluna na segunda-feira 8 que o presidente pode se valer da interpretação golpista que vem sendo feita do artigo 142 da Constituição, que vê as Forças Armadas como um poder moderador que arbitraria desentendimentos entre os Três Poderes.
O ministro Augusto Heleno também já acenou com a possibilidade de "consequências imprevisíveis", a depender de como o Supremo Tribunal Federal (STF) decidisse sobre o pedido de apreensão do celular do presidente. Seu colega, Luiz Eduardo Ramos, disse ser "ultrajante" falar em os militares darem um golpe, mas alertou a oposição a não "esticar a corda".
Muito disso é bravata, claro, mas são manifestações novas na Nova República. Nunca se viu Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma ou Temer jogando com a possibilidade de dar um golpe. Esse feito é de Bolsonaro e ninguém tasca.
Mas e na caserna? O que está se passando de fato? Que ninguém espere de Edson Pujol um comentário público sobre isso, Na quarta-feira (10JUN2020), Pujoi recebeu no comando do Exército o ministro Gilmar Mendes, que pediu a audiência com o objetivo de explicar como não procedem as acusações feitas por Bolsonaro e por aliados do presidente de que o STF está interferindo indevidamente em atribuições do Executivo.
Mendes detalhou cada urna das decisões recentes que irritaram Bolsonaro: a negativa para a posse de Alexandre Ramagem na direção da Polícia Federal, o inquérito das fake news, a decisão de que cabe aos governadores e prefeitos resolver sobre o isolamento, entre outras.
Pujol ouviu tudo calado, fazendo poucas perguntas. Não fez nenhum reparo à postura de Jair Bolsonaro, mas tampouco endossou as críticas que o presidente costuma fazer ao STF, ao Congresso ou a qualquer instituição que lhe ponha freios. O clima da conversa foi descrito por ambos como "agradável", mas Pujol foi uma esfinge. A relação entre o comandante do Exército e o presidente não é das melhores.
O episódio ocorrido no fim de abril, quando Pujol recusou-se a cumprimentar Bolsonaro com um aperto de mão, preferindo o cotovelo, recomendado pelas autoridades sanitárias, é citado como a cereja do bolo de pequenas desavenças que os dois já tiveram. A razão principal é a recusa sutil do comandante de encampar o discurso de Bolsonaro de que o Exército o apoia. "Pujol é inteligentemente quieto", resumiu o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que foi ministro de Bolsonaro e hoje está na reserva.
De sua chácara no entorno do Distrito Federal, onde passa o isolamento, Santos Cruz vê na atitude do comandante, alguns anos mais novo do que ele, a postura que deve pautar todo o Alto Comando do Exército, de silêncio e discrição. Não é à toa que Pujol não tem conta no Twitter, diferentemente de seu antecessor, Eduardo
Mas, que recorreu à rede para se meter em diferentes momentos no jogo político, chegando a mandar recados ao STF, em pressão para a prisão de Lula. Hoje com cargo no governo e empregando urna filha no Ministério dos Direitos Humanos, Vilas Bôas tem tido seu comportamento no passado visto com cada vez mais ressalvas entre os fardados.
Volta e meia, é citado por generais do Alto-Comando como exemplo do que não deve acontecer. O objetivo de Mendes ao marcar a conversa com Pujol foi criar uma linha direta com o comandante do Exército, não só para medir o pulso de como está a principal das três Forças, mas também para mostrar que há constitucionalidade por trás das recentes decisões.
No STF, o papel de interlocução com os militares geralmente cabe a Dias Toffoli, seja por meio do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que foi seu assessor, seja diretamente com algum integrante do Alto-Comando do Exército. Marinha e Aeronáutica, mais afastadas da política — principalmente a última — são bem menos procuradas. Mas não só os dois.
De maneira geral, o comportamento dos militares tem sido objeto de atenção de diferentes ministros do STF.
O mais irado é Celso de Mello, cuja postura chegou a ser considerada exagerada por alguns ministros, que fizeram privadamente reparos à mensagem de celular em que ele comparou o Brasil atual à Alemanha nazista e disse que apoiadores de Bolsonaro "odeiam a democracia". Também
não foi bem visto por seus pares o trecho de uma decisão em que disse que, se não aceitassem depor, os ministros-generais do Palácio do Planalto poderiam ser levados "de-baixo de vara". A ojeriza aos militares a Mello nasceu ainda em seu tempo de promotor, quando denunciou torturas e outras ilegalidades cometidas pela ditadura. Seus colegas creditam a isso o tom mais duro que tem usado.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Roberto Barroso, tem demonstrado publicamente a preocupação com o excesso de militares no governo, alertando para o risco de uma venezuelização, referindo-se à mistura perigosa entre integrantes das Forças Armadas e governistas, conforme ocorreu sob Hugo Chávez e Nicolás Maduro.
O processo de certa maneira já começou aqui. Generais como Heleno, Ramos ou Walter Braga Netto têm poderes que nunca tiveram na caserna. Salários mais altos, dezenas de assessores, mordomias, tinta na caneta, enfim. Tudo isso deslumbra e deturpa comportamentos, transformando-os em políticos que defendem Bolsonaro com o mesmo empenho de qualquer outro ministro.
Às vezes, até mais. Barroso ressaltou a importância de dar ao que esses generais dizem o mesmo peso que se dá ao que qualquer político diz. "Quando um general vai para a política, o que ele fala tem o peso do que diz um político e não um general", defendeu. Por esse raciocínio, teria muito menos gravidade um Heleno político falar em "consequências imprevisíveis'', cabível de ser interpretado como mais uma bravata da política, do que algo dito por um general cuja neutralidade e equilíbrio Heleno perdeu há tempos.
Cármen Lúcia tem comentado com interlocutores de sua confiança temer uma quebra de hierarquia e um eventual uso por Bolsonaro das baixas patentes para essa eventual ruptura. Gustavo Bebianno, na última conversa que teve comigo, duas semanas antes de morrer, fez o mesmo alerta. Temia o risco da incitação pelo governo federal de motins nas policias: 'O importante para o pais, agora, são as PMs e esse curso para lavagem cerebral deles do Olavo", afirmou, referindo-se a um curso que o polemista Olavo de Carvalho havia recém-lançado.
Mas mesmo esse risco, que existe, claro, tem sido minimizado no meio militar. "A baixa oficialidade está mais exaltada, isto é certo. Mas hoje a judicialização da sociedade é tão grande que o militar de baixa patente tem um grande temor de ser preso ou ter a vida arruinada na Justiça por conta de uma quebra de hierarquia", analisou um tenente-coronel da ativa, com bom trânsito no Quartel-General do Exército.
O titular da Defesa ainda tem aqui e ali dado algum sinal de apoio ao presidente. Mas seu cargo não é o de titular de nenhuma Força. Sua demissão é muito mais fácil do que a de qualquer um dos comandantes das Forças, em que as regras de antiguidade, currículo e carreira contam para chegar ao topo. Uma interferência dessa natureza, ainda que Bolsonaro possa legalmente fazê-la, seria muito malvista. Outro dado não pode ser menosprezado.
Se tivessem algum indicativo forte de que as Forças Armadas tendem a se meter de fato na politica e eventualmente pender para o lado do presidente, os ministros do STF não teriam adotado o tom pesado que tiveram em seus votos sobre a validade do inquérito das fake news — hoje uma das principais ameaças ao governo, devido a sua vinculação com o processo que corre no TSE para a cassação da chapa de Bolsonaro.
Sem dosar palavras, os ministros foram duros nas adjetivações e na defesa da democracia. Estão em alerta, claro. Mas, se estivessem de fato com medo, teriam votado sem toda aquela veemência.