obre um pedestal de concreto um caça SAAB 32 Lansen guarda a entrada do portão principal. Próximo dele, num pequeno prédio protegido e equipado com os mais avançados sistemas eletrônicos de segurança nossa presença é anunciada. Claro que isso não era surpresa, caso contrário nem teríamos chegado perto da entrada. A equipe de Defesanet já era aguardada. Estamos numa das mais importantes bases da Força Aérea da Suécia, e que no período da Guerra Fria foi uma das mais secretas instalações militares do país. Até então nenhum órgão de imprensa latino-americano havia sido autorizado a visitá-la, muito menos a operar com sua mais moderna arma de guerra. Um segredo militar revelado para demonstrar a organização e o poder da Força Aérea, com um único objetivo: dissuadir as ameaças e manter a nação na condição que todo cidadão deseja. Em Tempos de Paz.
Uma breve história da F 17
A F 17 foi criada em 1944 sob o nome de Kungliga Blekinge Flygflottilj, ou The Royal Blekinge Air Wing. Situada em Kallinge, a 8 km de Ronneby, no sul da Suécia, a base foi construída num campo de treinamento militar utilizado desde o século XIX. Durante a Segunda Guerra Mundial a base aérea tinha a função de apoiar as operações marítimas. Em 1947, houve uma reorganização dos seus esquadrões de bombardeiros, e em 1954 entraram em operação nela os primeiros aviões a jato.
Em 1973, outra transição ocorreu quando a F 17 recebeu dois esquadrões com J 35 Draken da antiga base F3 de Malmslätt. De 1976 a 1978, a F 17 operava exclusivamente para missões de defesa aérea. Em 1978, um dos esquadrões foi substituído por uma moderna unidade de reconhecimento, equipada com o caça de primeira linha SF / SH 37 Viggen. Em 1982 os dois esquadrões sediados na F 17 operavam o Viggen.
Em 1993, o Esquadrão de Reconhecimento foi deslocado para a base aérea F 10, em Ängelholm, e a base recebeu um esquadrão de Viggen da base F13, em Norrköping, que havia sido fechada. Mais uma vez a F 17 tornava-se uma base exclusivamente de defesa aérea. Em 2002 os Viggens foram substituídos pelo JAS 39 Gripen, tornando a base definitivamente uma instalação militar multimissão.
Com um comando e instalações de controle de tráfego aéreo subterrâneos, F 17 é responsável pela vigilância do espaço aéreo e o gerenciamento dos seus dois esquadrões de combate, o 171 e 172 JAS Division, ou seja, Primeiro e Segundo Esquadrões de Caça, Ataque e Reconhecimento da F17. Cada um deles equipado com 20 aeronaves Gripen nas versões C (single seat) e D (biplace).
A preparação
Na gélida manhã do inverno sueco inicio a primeira fase da preparação para voar JAS 39 Gripen D da Força Aérea da Suécia. Depois da identificação e dos trâmites de segurança e já dentro da base, me dirijo imediatamente ao hospital. Começava a mais longa e complexa bateria de exames da minha vida. Sou recebido pelo Dr. René Svensson, médico da F 17. Começo com os exames de sangue, visão, audiometria, eletrocardiograma e preencho uma extensa ficha médica. O Dr. Svensson disse que estes exames são padrão e que a minha condição física tem que ser no mínimo parecida à dos pilotos da Força Aérea. Somente após a aprovação médica é que poderei ir ao esquadrão. Após mais de duas horas de testes, com a saúde O.K. e com o resultado em mãos é que sigo para o 1º Esquadrão da F 17.
A F 17 compõe a primeira linha de defesa aérea da Suécia. Seus pilotos treinam continuamente para maximizar a segurança e as habilidades táticas. Os esquadrões e pilotos estão de prontidão permanente para missões de policiamento aéreo, e podem ser acionados a qualquer hora do dia ou da noite, e em qualquer condição meteorológica. O tempo de alerta é uma informação confidencial, mas um número muito grande de caças (se comparado aos padrões brasileiros) está na linha de voo, preparados para decolar, interceptar, identificar e, se necessário, desviar aviões estrangeiros que não têm permissão para sobrevoar o território. Todos os anos acontecem violações do espaço aéreo da Suécia por aeronaves estrangeiras que precisam ser investigadas. A grande maioria destes incidentes ocorre na região sudeste do Mar Báltico e é provocada por aviões de vigilância e patrulha marítima da Força Aérea da Rússia.
Após cruzar portões fechados por chaves eletrônicas é que chego ao prédio do esquadrão. Vou direto ao teto-zero sueco e elevo minha temperatura com uma caneca de café… sim, a bebida preferida dos suecos. Na Praça D Armas sou apresentado ao Major Adam Nelson, que será o piloto com quem vou voar e que irá me acompanhar durante toda a minha permanência na base.
Vou para a sala de equipagens de voo. Visto uma calça e suéter anti-fogo. Coloco por cima o macacão de voo e o traje especial, que oferece proteção Química, Biológica e Nuclear; garante a minha sobrevivência no caso de uma ejeção à altitude com temperatura de 50 graus negativos e em caso de queda no mar. Hermeticamente fechado, o traje possibilita que eu fique com o corpo submerso até o pescoço sem que me molhe, seja afetado pela baixa temperatura da água e venha a morrer de hipotermia. Finalmente visto o traje Anti-G e testo o meu equipamento de emergência. Na minha roupa está um ELT, que vai informar minha localização às equipes de resgate. Também carrego um colete salva-vidas que se infla automaticamente ao contato com a água.
Major Nelson começa o briefing de emergência. Em caso de problema eu serei o primeiro a ejetar. Se ouvir pelo rádio eject, eject, eject , devo imediatamente alinhar o corpo à poltrona, baixar o visor do capacete e puxar a alavanca que está entre minhas pernas. Em caso de pane no rádio, o piloto vai fazer o movimento com os braços de trás para frente sobre a cabeça três vezes para sinalizar a emergência e a ejeção. Havendo qualquer problema comigo o piloto vai comandar a nossa ejeção juntos. Todas estas instruções de segurança são praxe na aviação de caça. Estou tranqüilo e sei que o Gripen é uma das mais seguras aeronaves de combate em operação. Prova disso é que nunca um piloto morreu voando nele.
A missão
Na sala de operações o ritmo é frenético. Mais de uma dezena de pilotos se debruçam sobre mapas, verificam gravadores de voo, meteorologia e discutem todos detalhes relativos à missão. Devido à versatilidade do Gripen, um caça multirole, todos os voos de treinamento são multimissão. Se a tecnologia da aeronave permite, o piloto tem que ser capaz de fazer. Por isso são treinadas missões ar-ar, ar-solo e reconhecimento em todos os voos.
Sobre o mapa da região Sul da Suécia eu recebo as informações do meu voo e das missões que serão realizadas nele. Até então nunca um civil brasileiro havia voado com uma unidade operacional da Força Aérea da Suécia, e esta seria a primeira vez que um jornalista participava de uma multimissão, onde seriam demonstradas todas as capacidades da aeronave em combate simulado.
Após a decolagem no aeroporto de Ronneby (categoria 1), vamos seguir para uma missão de ataque, onde será lançada uma GBU-12 Paveway, uma bomba guiada a laser americana baseada na MK-82 (500lbs), mas com mira laser e canaletas para aumentar a precisão. Depois de abandonar a área vamos ganhar altitude e realizar uma missão ar-ar com um elemento (formação com duas aeronaves) utilizando transmissão de dados por Datalink. Na sequência vamos seguir para o voo básico para conhecer as características do combate 1 contra 1, e finalmente, seguiremos para o Mar Báltico para uma missão de esclarecimento marítimo e anti-navio. Com tudo concluído, o pouso será curto numa rodopista ao melhor estilo sueco.
Let's fly
Capacete em mãos, traje de voo pronto, é hora de voar. Uma fila de pilotos equipados sai pelo corredor principal do esquadrão até sala de pista. Em passos quase sincronizados uma parte da elite da Força Aérea da Suécia segue para a linha de voo pisando em gelo e muita neve. O editor-chefe de Defesanet, Nelson During, acompanhava de perto a movimentação, e teve que enfrentar as dificuldades provocadas pelo frio, com os dedos das mãos quase congelados devido à temperatura de 11 graus negativos.
Na linha de voo técnicos e recrutas preparavam as aeronaves. Era uma missão com oito caças. O som da partida dos motores dava impressão que todos estávamos partindo para a guerra. Chego na minha aeronave, um Gripen modelo D. Subo a escada e me coloco no assento traseiro. Inicio a amarração, puxo o cinto e prendo pernas e braços. Faço a conexão do rádio, da máscara e do traje Anti-G.
Estando tudo certo comigo o Major Nelson ocupa seu lugar na minha frente e inicia os procedimentos de acionamento dos sistemas de voo e dá partida no motor. O canopi baixa lentamente e nenhum som externo se houve mais. Os outros caças começam a partir a uma velocidade de táxi muito rápida, um costume de quem se habituou doutrinariamente a operar em rodopistas. Um avião de caça só tem utilidade e poder quando está no ar. Em terra ele é apenas um alvo fácil e muitas vezes desprotegido.
À minha frente tenho a completa visão do cockpit do Gripen, que é dominado por três grandes telas multifuncionais em cores (MFD) e um Head-Up Display (HUD) ótico de difração e grande angular com um combinador holográfico. Uma eficiente interface homem-máquina foi integrada no caça com o objetivo de facilitar significativamente a carga de trabalho do piloto, sobretudo em condições de combate. Isso dá ao piloto do Gripen um excepcional conhecimento da situação, garantindo a eficácia operacional. Além disso, aumenta o tempo disponível para a tomada de decisões táticas, possibilitando que o piloto use a aeronave e o sistema de armamentos na sua capacidade máxima.
As principais funções de cada tela são:
HUD (Head-Up Display): proporciona imagens FLIR e informações sobre o armamento.
FDD (Flight Data Display): fornece dados de voo e informações de status do sistema sobre o motor, combustível e seções externas.
HSD (Horizontal Situation Display): fornece dados táticos da missão e de navegação superpostos a um mapa eletrônico com escala selecionável.
MSD (Multi-Sensor Display): apresenta informações do radar, imagens FLIR e de outros sensores. Os dados de controle de voo e de fogo também são superpostos.
Já habituado à cabine, observo ao meu lado direito o piloto trocar sinais com o pessoal de pista. Os militares prestam continência e o Gripen inicia o taxi. Recebemos a autorização para a decolagem. Confiro os meus sistemas; ao meu lado esquerdo abro a chave de liberação do oxigênio na minha máscara e à direita passo a chave ejetora da posição de segurança para armado. O Major Nelson perguntou se estava tudo bem e ouviu de mim uma breve resposta: Let's fly…
Na cabeceira da pista do aeroporto de Ronneby, o piloto dá potência ao motor. Sinto o forte empuxo produzido e fico literalmente grudado ao assento. Em poucos segundos estou no ar, e bem alto.
As missões
Durante a decolagem fazemos uma nova checagem de todos os sistemas de bordo e iniciamos a tarefa programada. O piloto realiza uma série de manobras para sentir se eu estou habituado ao voo de combate. Ao perceber que me saí bem começa a demonstração dos sistemas. Nossa aeronave está equipada com o pod de reconhecimento Lightining III. No meu display direito, posso ver todas as imagens do nosso alvo em solo.
Estamos a muitos quilômetros dele, damos uma aproximação na imagem e temos o alvo ampliado e em alta resolução em nossa tela de cristal líquido. Podemos alternar estas imagens de ótica para infra-vermelho pois o caça está equipado com FLIR. Fazemos a marcação e iluminamos o alvo também com o Lightining III. Efetuamos um mergulho e soltamos a GBU-12 cirurgicamente sobre ele a uma distância fora do alcance da artilharia antiaérea. Após o lançamento realizamos uma manobra evasiva e liberamos as contra-medidas.
Para missões ar-solo o Gripen pode utilizar o canhão, foguetes, mísseis, bombas Small Diameter Bombs , Paveways , HARM e uma série de outros tipos. Os suecos utilizam dependendo da característica da missão o Maverick e a Paveway II.
Após esta primeira missão quero sentir um pouco a aeronave. Com o voo estabilizado e em grande altitude o piloto me passa os controles e assumo a aeronave. Primeiro realizo um voo invertido e depois faço um tunô. A pilotagem é muito fácil e simples devido ao sistema fly by wire. Decido então partir para uma manobra mais interessante. Com a mão esquerda ao manete eu dou velocidade, baixo o nariz do avião por alguns instantes e puxo o manche para trás. O Gripen sobe rapidamente e inicio um looping. Estou sentindo o prazer do voo e a força da gravidade sobre meu corpo, pois durante o mergulho meu traje infla e me aperta com muita força impedindo que meu sangue desça às pernas e eu perca a consciência. Temporariamente satisfeito, repasso o comando ao Major Nelson e damos prosseguimento às atividades do voo.
Estamos em Patrulha Aérea de Combate. Com as informações obtidas pelo Datalink, o piloto passa a acessar também os radares das outras aeronaves da esquadrilha e ter uma consciência situacional ampliada. Devido ao seu tamanho reduzido e ao único motor, o Gripen possui uma assinatura radar e infravermelha reduzida, o que diminui a sua detecção e aumenta a sobrevida da aeronave em zona de combate. O radar de longo alcance Ericsson PS-05/A detectou a cerca de 30 milhas a presença de um avião inimigo. Nossa aeronave se engaja num combate BVR e faz o disparo de um míssil AMRAAM que em poucos segundos atinge o alvo. Enquanto dispara o míssil o avião faz novamente uma manobra evasiva e lança as contra-medidas.
Para combates Dogfight a Força Aérea está utilizando mísseis infra-vermelho (AIM-9 Sidewinder) e mísseis radar ativo e semi-ativo. Para missões BVR, além de operar atualmente o AIM-120 o Gripen vai ser equipado no futuro com o míssil europeu Meteor. Através da facilidade de integração de diferentes sistemas, uma gama muito grande de armas pode ser utilizada na aeronave. Nos próximos anos, os Gripens da África do Sul estarão armados com os mísseis A e R Darter, sendo que o primeiro está sendo desenvolvido em parceria com o Brasil.
Adam Nelson ajusta a proa para a direção sul e em Supercruise, a capacidade de voar em velocidade supersônica sem utilizar pós-combustor alcançamos o litoral congelado em apenas alguns minutos. O JAS 39 atinge a velocidade máxima de Mach 2.0 e pode voar Supercruise em qualquer altitude. Já estamos sobre o Mar Báltico e damos início a uma varredura em busca de alvos marítimos na costa do país. Detectamos um navio a cerca de 8 km da costa, já dentro das águas territoriais.
Através do pod de reconhecimento temos a imagem clara e ampliada do navio e conseguimos rapidamente efetuar sua identificação. Não há necessidade de atacá-lo, mas para as missões de esclarecimento marítimo e anti-navio, a Força Aérea da Suécia utiliza o RobotSystem 15, que é um míssil construído pela própria SAAB. Através do Datalink, os caças podem trocar informações com navios da marinha e coordenar ataques a embarcações inimigas.
Depois de uma hora e o sobrevoo de toda a região sudeste da Suécia, é hora de retornar. O piloto reduz a altitude e ajustamos a proa para Ronneby. Em poucos minutos iniciamos o procedimento de aterrissagem. Passamos paralelo a uma pista reduzida pintada como se fosse uma estrada. Ela é utilizada para manter os pilotos treinados em operações de pouso e decolagem em rodopista, uma doutrina operacional desenvolvida pelos suecos que possibilitava a operação em rodovias ou pequenas estradas enquanto as aeronaves estavam em bases dispersas. O Gripen aproxima-se da pista e toca o solo. Seus canards auxiliam como freio aerodinâmico e em menos de 600 metros o avião já está controlado e taxiando.
De volta à linha de voo a equipe de solo já começa a trabalhar na aeronave. Recebo ajuda para me desamarrar e descer da aeronave. Retiro o capacete e sou cumprimentado pelo meu piloto, Major Adam Nelson, e ouço dele que sou o primeiro piloto brasileiro da Força Aérea da Suécia. Agradeço a deferência, mas acredito que tenha sido o segundo, já que o Tenente Coronel Christer Olsson, piloto de combate, Adido Militar da Suécia no Brasil e chefe de Segurança de Voo da Flygvapnet, por um acaso do destino é gaúcho como eu e natural de Porto Alegre.
No frio fim de tarde do inverno sueco, ao retornar a base vejo os pilotos do 2º Esquadrão da F17 iniciando a preparação para suas missões. Equipados com NVG nos capacetes eles se dirigem às aeronaves para o treinamento noturno. As atividades de voo que iniciaram cedo vão até a madrugada. No total, 45 pousos e decolagens haviam sido realizados naquele dia. Mais uma missão cumprida, agora é hora de retornar ao Brasil, onde, quem sabe um dia, verei estas máquinas destinadas a fazer a guerra e a paz voando com a insígnia da Força Aérea Brasileira.