Reportagem de Kaiser Konrad e Nelson During
Enviados especiais à Suécia
Três meses após o início da Segunda Guerra Mundial começava a Guerra de Inverno, quando a 30 de novembro de 1939 a Rússia atacava a Finlândia. Menos de seis meses depois a Alemanha conquistava a Noruega e a Dinamarca. Em todas as suas fronteiras a Suécia podia sentir a proximidade da guerra. O país, a exemplo de 1914, manteve sua neutralidade no conflito e dava partida a uma nova fase de sua Política Externa.
A neutralidade ou a decisão de uma nação de não fazer parte de nenhuma aliança ou coalizão é uma decisão difícil e não pode ser respaldada somente pela diplomacia, mas por Forças Armadas bem equipadas e uma Indústria de Defesa avançada, o que representa o verdadeiro conceito de independência nacional. Esta condição de neutralidade nas 1ª e 2ª Grandes Guerras colocou este pequeno país nórdico num nível elevado de desenvolvimento tecnológico-militar.
Não Alinhada na Paz para ser Neutra na Guerra
Com a Guerra Fria e a criação da Aliança Atlântica (OTAN) o País se viu novamente inserido na delicada posição de nação neutra. Os suecos não aderiram a Organização do Tratado do Atlântico Norte, mas se mantiveram atentos a qualquer ameaça proveniente da eterna rival Rússia. Ser neutro neste novo conflito implicava em ter capacidade de se defender sozinho da maior ameaça ao bloco ocidental.
Foi dentro deste contexto histórico que a Suécia desenvolveu uma das mais sofisticadas e sólidas indústrias de Defesa da Europa. O pacífico país armou-se “até os dentes” e foi uma das poucas nações a não se ver envolvida diretamente em nenhum dos conflitos internacionais do Século XX, garantindo a soberania e a integridade do seu território.
Em 1998 a então Ministra de Negócios Estrangeiros Anna Lindh, revelou que a Política de Segurança Nacional da Suécia visava “manter a paz e a independência, contribuindo para a paz e a segurança regional e o fortalecimento da paz e a segurança internacionais. A Suécia é um país militarmente não-alinhado e esta linha de política de segurança que vem sendo seguida, com a possibilidade da neutralidade nos casos de conflito em nossa região tem nos servido bem”.
A ameaça mora ao lado
Se hoje a ameaça soviética não existe mais a russa permanece. A recente guerra contra a Geórgia mostrou ao ocidente que a Rússia não estava morta e ainda mantêm sua força. Este breve conflito mexeu com a sensibilidade sueca e foi visto como um aviso para a possibilidade de um conflito entre as duas nações.
E não são raras as provocações russas. Seguidamente aeronaves de vigilância e patrulha marítima entram sem autorização no espaço aéreo sueco. Submarinos e navios de guerra tem constantemente entrado nas águas territoriais do país no Mar Báltico o que demonstra que permanecem atuais as antigas aspirações russas pelo controle da região.
Preocupado com esta questão, o atual Ministro de Negócios Exteriores Carl Bildt disse dois anos atrás que “há um entendimento que o futuro da segurança de nosso país está baseado na comunidade e cooperação internacional. Também existe um amplo consenso de que a Suécia não permanecerá passiva se um Estado-Membro da União Européia ou um país Nórdico seja atingido por um desastre ou ataque. Da mesma maneira nós esperamos que estes países façam o mesmo se uma crise similar atinja a Suécia”.
Estas declarações de Bildt, que já foi Primeiro-Ministro mostram uma mudança na postura da Suécia, que saiu do isolacionismo de sua política exterior para um efetivo interesse nos assuntos internacionais, principalmente no que se refere á segurança regional, mudando quase um século de política exterior e enviando uma clara mensagem [aos russos] de que qualquer agressão a um país da região poderá ter uma resposta coletiva.
Todas as hipóteses de batalha são contra os russos, e para fazer frente a estas ameaças e diminuir a possibilidade de um conflito no futuro, é que os suecos têm continuado a investir no desenvolvimento, preparação e emprego de suas Forças Armadas, principalmente no que tange às missões da sua Força Aérea, que representa a primeira linha de defesa do país.
Se preparando para uma nova forma de guerra
Durante a Guerra Fria e devido à proximidade com a União Soviética, a Força Aérea da Suécia teve a necessidade de desenvolver uma série de doutrinas operacionais, algumas únicas no mundo. Se os soviéticos sabiam onde estavam instaladas suas bases, o mesmo não se podia dizer sobre os aviões e pilotos.
Os suecos operavam desdobrados a partir das chamadas rodopistas, que eram pistas curtas adjacentes às bases aéreas ou rodovias próximas. Se suas bases fossem atacadas seus aviões não seriam destruídos.
Imagem divulgada pela SAAB no início da década mostrando o conceito de rodopista.
O título poderia ser um Gripen na sua garagem.
Através desta doutrina de operação as aeronaves suecas poderiam pousar e decolar operando efetivamente a partir de qualquer localidade que possuísse uma pequena estrada. A cena de caças taxiando em frentes as residências, uma imagem inusitada, representava para os suecos a verdadeira proteção de suas aeronaves.
Ainda no cenário da Guerra Fria foi desenvolvido com pioneirismo o sistema Datalink, iniciando sua operação já nos anos 60. O Datalink permite uma comunicação segura entre as aeronaves, onde é possível ter acesso á todas as informações disponíveis entre uma aeronave e outra, assim como com as equipes de solo, permitindo aos pilotos uma consciência situacional sobre tudo o que está acontecendo no Teatro de Operações.
Hoje, a Suécia possui o sistema Datalink mais avançado do mundo e que permite interligar em tempo real um piloto de combate e um soldado do Exército. Este sistema tem se mostrado tão capaz que pode ligar um caça a uma viatura da polícia, fazendo com que a aeronave seja usada no apoio policial e como vetor de reconhecimento e observação aéreo.
O sistema de datalink operando entre os aviões Jas 39 Gripen para o efeito de multiplicação de esforços frente a um inimigo mais poderoso. (arte SAAB)
A entrada em operação do moderno caça multi-emprego JAS 39 Gripen colocou nos braços da Flygvapnet a responsabilidade e o poder de responder a qualquer ameaça e garantir ao país a paz e a estabilidade regional.
No final de 1945, o país possuía cerca de 800 aviões de caça. Este número foi reduzido pela metade em 1994 e chegou a 150 em 2005. Atualmente a Força Aérea da Suécia (Flygvapnet) concentra suas unidades de aviação de caça em apenas três bases aéreas.
Concentração Estratégica
Em Lulea (F 21) no norte do país, estão estacionados dois esquadrões de JAS 39 Gripen C/D. No sudoeste, em Sàtenäs (F 7) está localizado o centro de formação de pilotos de caça, que opera Gripen nas versões A /B (que serão modernizados às versões C/D), e em Ronneby (F 17) no sul, às margens do Mar Báltico, estão posicionados outros dois esquadrões de Gripen C/D. Todos estes esquadrões possuem capacidade multimissão, ou seja, através de um único modelo de aeronave [JAS 39 Gripen] podem realizar todos os tipos de missão, sejam elas de defesa aérea, ataque ao solo, reconhecimento, vigilância marítima e anti-navio.
A facilidade no desdobramento de suas unidades, com um suporte logístico requerido simples, e a capacidade de integração de quase qualquer tipo de armamento na aeronave tornaram o Gripen uma solução excelente para a Força Aérea da Suécia. Mas não basta só ter o melhor avião, tem que ter o melhor piloto.
Se tornando um piloto
A Formação de um piloto de caça dura cinco anos e meio. O cadete inicia com três semestres de estudos em Estocolmo, depois segue para Linköping onde fica um ano fazendo treinamento básico com o SAAB 105. Após esta fase retorna a Estocolmo para mais seis meses de estudo. Passados três anos de instrução básica o cadete retorna a Linköping para o treinamento tático, onde volta a pilotar o SAAB 105.
Um ano depois os oficiais aviadores selecionados para a aviação de caça iniciam a preparação para o Gripen. Os primeiros meses são de voo básico e ambientação com a equipagem. Passada esta fase os caçadores iniciam o treinamento multirole que vai durar mais três semestres até a designação a um esquadrão e a operacionalidade.