Desde o início do enfrentamento da pandemia de Covid-19, aventam-se possibilidades de coletas de dados de usuários dos serviços de telecomunicações como insumo para informações sobre mobilidade concentrações de pessoas. Ações nesse sentido vêm sendo adotadas por autoridades sanitárias e de segurança em diversos países.
A existência de projetos dessa natureza no Brasil começou a ser igualmente divulgada pela imprensa. Reportagem publicada pelo site The Intercept, no último dia 13 de abril, abordou o tema e fez referência explícita à atuação desta Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Embora o papel da Anatel não se confunda com aquele previsto na Lei nº 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para a futura Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), no que tange ao setor de telecomunicações, objeto de sua atuação regulatória, teve-se por bem alertar que a adoção de qualquer medida com a natureza das acima mencionadas deva decorrer de decisão motivada, com respaldo jurídico e a devida transparência para órgãos de controle e para a sociedade.
Nesse sentido, destacam-se as seguintes considerações:
1.Os mecanismos e os dados coletados e processados neste momento constituirão base legada que estará submetida às disposições da LGPD a partir de sua vigência, razão pela qual tal esse instrumento normativo constitui importante baliza para aferição da regularidade das ações em curso.
2. A coleta e o tratamento de dados estão sujeitos à legislação vigente e, sobretudo, aos ditames da Constituição Federal. A ponderação de tutela entre saúde e privacidade encontra-se no mais alto grau de nossa hierarquia normativa. A despeito da presente crise, o momento ainda comporta a possibilidade de harmonização entre os dois bens jurídicos, de forma motivada e transparente.
3. O juízo de proporcionalidade deve ser observado na medida em que os direitos dos indivíduos possam ser tangenciados. O custo-benefício deve ser expressamente aferido, cotejado a outras soluções à mão do Poder Público que se revelem porventura menos invasivas. Questões como o consenso do indivíduo também devem ser ao menos apreciadas, e motivadamente afastadas, se for o caso.
4. A cultura de proteção da privacidade, embora crescente, ainda é incipiente no Brasil. Num cenário em que a consciência dos indivíduos a respeito do tema é pontual, cabe com primazia ao Poder Público protegê-los em diversas dimensões cujos reflexos podem ser muito mais permanentes que a atual crise.
O cenário de transição rumo à vigência da LGPD, a existência de debate entre bens tutelados pela Constituição Federal, e a excepcionalidade das soluções, indicam grande necessidade de transparência, acompanhamento constante e participação de atores que possam oferecer um controle externo, ou mesmo social, na construção do respaldo jurídico desejável, bem como para fins de auditoria da utilização ou manipulação dos dados.