Carlos Wagner
Em nenhum outro momento da história do Brasil a imprensa tradicional foi tão ofendida e desafiada a mostrar a sua relevância como no atual governo do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido, RJ). Nem mesmo no governo militar (1964 a 1985), quando foi censurada. Bolsonaro não foi o inventor do esculacho contra a imprensa.
Ele o copiou do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que orientado por um grupo de profissionais altamente capacitados na ciência da manipulação da verdade conseguiu encurralar a poderosa imprensa americana usando as redes sociais para comunicar diretamente ao público a sua versão dos fatos.
A grandiosidade do tumulto criado ao redor do planeta pelo coronavírus acabou se encaixado como uma luva na mão da imprensa tradicional do Brasil, como são chamadas as grandes empresas de comunicação proprietárias de emissoras de rádio, TV, sites e jornais de papel.
No Brasil, as redes sociais ainda não estão suficientemente organizadas entre si para dar a resposta que o leitor precisa em um assunto globalizado como é o caso do coronavírus. Mas é uma questão de tempo para chegar lá. E a imprensa tradicional sabe disso, daí ter investido pesado nessa cobertura para reforçar a sua marca e a sua relevância para o leitor. Tenho 69 anos, 40 e poucos de profissão e vivi mais de 30 trabalhando em redação de jornal, onde participei de grandes coberturas.
Mas eram coberturas em que as empresas competiam entre si pela atenção do leitor. Essa é diferente. A começar pelo fato de que o leitor tem acesso gratuito às informações básicas sobre a epidemia, incluindo poder conversar diretamente com médicos e pesquisadores colocados à sua disposição pelas emissoras de rádio.
Além do acesso a especialistas no assunto, o leitor dispõe de informações sobre os rastros deixados pelo vírus por todos os cantos do mundo por onde passou. As informações revelam uma enorme quantidade de dados sobre o que aconteceu na saúde pública, como andam as pesquisas para uma vacina contra o vírus, o que aconteceu na economia e na disputa política.
Tudo isso os leitores têm ao seu dispor gratuitamente navegando com o seu celular pelos veículos das grandes empresas de comunicação. No seu momento de glória, a imprensa tradicional não se esqueceu de continuar batendo na tecla de que tem o monopólio da verdade, alertando os leitores para terem cuidado com a grande quantidade de notícias falsas que navegam pelas redes sociais. Mas se esquece de dizer que as redes sociais não são sinônimo de fake news. Tem muita gente séria e altamente qualificada trabalhando nas redes.
Aqui, eu quero lembrar uma coisa aos meus jovens colegas repórteres. Durante a ditadura militar muitos jornalistas foram demitidos do que hoje chamamos de imprensa tradicional pelas suas posições políticas. Na época, esses profissionais montaram a chamada “imprensa alternativa”, que foram jornais e revistas como o semanário carioca Pasquim (1969 a 1991) e o Coojornal (1975 a 1983), mensário de Porto Alegre (RS). A imprensa alternativa gerou centenas de empregos para os jornalistas e conseguiu levar para o leitor as notícias que eram censuradas pelos militares na grande imprensa.
Hoje os jornalistas não são demitidos pelas suas posições políticas. Mas por questões econômicas. E a maioria deles acaba se acomodando nas redes sociais. Eles são responsáveis por sites e blogs de alta qualidade. Lembro aos jovens na profissão que, nos dias atuais, o importante para a sobrevivência do repórter é ele ser um referencial de qualidade para o seu leitor.
Voltando à conversa sobre a cobertura da imprensa tradicional do coronavírus. No último fim de semana (15/03), Bolsonaro tentou virar a mesa: tentou mostrar aos seus eleitores que a imprensa estava exagerando na cobertura. Ele se misturou aos manifestantes que estavam fazendo uma passeata em seu apoio – contrário ao conselho de todos os especialistas em saúde pública. As imagens do fato correram o mundo: ele não só foi apontado como um imprudente com a saúde alheia. Mas como um presidente da República que não tem ideia do cargo que ocupa.
Trump também acredita que haja exagero na cobertura do vírus. Mas age de uma maneira diferente, talvez porque concorra à reeleição no final do ano. Tem ocupado a imprensa tradicional dos Estados Unidos pedindo união para combater o vírus. Trump é inimigo dos jornalistas. Mas escolhe as batalhas para brigar. Bolsonaro é uma “metralhadora giratória” – expressão usada nas redações para designar um brigão. O coronavírus pode custar sua carreira política.